Responsabilidade Civil

Da responsabilidade civil do médico cirurgião plástico de estética: responsabilidade subjetiva ou objetiva?

Da responsabilidade civil do médico cirurgião plástico de estética: responsabilidade subjetiva ou objetiva?

 

 

Alessandra Amato *

 

 

A regra da responsabilidade civil dentro do ordenamento jurídico pátrio é subjetiva. Cabe ao autor da ação provar os danos causados pelo réu.

 

Existe também no Código Civil Brasileiro, a responsabilidade objetiva, que seria exceção, baseada na teoria do risco,sem comprovação da culpa, cabendo ao réu, o ônus da prova, isto é, provar que não causou danos ao autor.

 

O médico cirurgião plástico de estética, diferentemente das outras modalidades, oferece resultado/fim, desta forma, o ônus da prova cabe ao mesmo, sendo a responsabilidade neste caso, objetiva.

 

O dano estético estava embutido nos danos morais ou materiais, porém o STJ está entendendo que se trata de outra modalidade, podendo o ofendido desta forma, ingressar com as três modalidades de reparação, se for o caso.

 

No mais, presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, incontestável é a relação de consumo existente entre as partes, figurando o autor como consumidor (paciente), que injustamente foi prejudicado pela inobservância da requerido dos mínimos preceitos dos deveres legais de guarda e reparação, se enquadrando na previsão legal dos artigos 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor. 

  

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11/09/1990) estabelece no artigo 14 que “o fornecedor de serviços responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”.

 
             Ressalte-se que todo aquele que se disponha a exercer atividade nos campos de fornecimento de bens ou serviços responde civilmente pelos danos resultantes de vício do empreendimento. Quem quer que pratique qualquer ato, omisso ou comissivo, de que resulte prejuízo, deve suportar as conseqüências do seu procedimento. É regra elementar de equilíbrio social. A justa reparação é obrigação que a lei impõe a quem causa dano injustamente a outrem.

 

De acordo com o artigo 927 do Código Civil: “ Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
  
                                                  
Sobrevindo, em razão de ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos da autor prejudicado por erro em cirurgias de estética, configura-se o dano moral puro, passível de ser indenizado, conforme previsão do artigo 5º, X, da Constituição Federal, porquanto molestados direitos inerentes à personalidade, atributos imateriais e ideais.
                                      

Vê-se, desde logo, que a lei prevê a possibilidade de reparação de danos morais decorrentes do sofrimento, em que se encontra o autor lesado, prevalecendo a respeito o entendimento de que “o dano moral dispensa prova em concreto, tratando-se de presunção absoluta, não sendo, outrossim, necessária a prova do dano patrimonial” (CARLOS ALBERTO BITTAR, Reparação Civil por Danos Morais, ed. RT, 1993, pág. 204).

  
Segundo consta dos termos do inciso X, Artigo 5.º da Constituição Federal: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

 

  Corroborando esses conceitos, o Professor Caio Mário da Silva Pereira, à luz da Constituição de 1988, esclarece que dano moral Abrange todo atentado à reputação da vítima… ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor- próprio, à integralidade de sua inteligência, as suas afeições etc.”

 

O ilustre jurista José Eduardo Callegari Cenci discorrendo sobre o tema, dispõe: “O chamado dano moral tem estreita conotação com a dor, seja ela moral ou física, jamais afetando o patrimônio econômico do lesado. Seu elemento maior, característico, seria, assim, a dor: a dor moral ou a dor física. Os danos morais são os danos da alma, como diria o apóstolo São João. O dano moral, pois, é absolutamente distinto do dano material que é palpável e não tão difícil de ser avaliado”. (RT. 683, set. /92, p. 46).

 

Danos morais são aqueles danos que atingem a moralidade, personalidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas.

 

A responsabilidade do médico, enquanto operados de técnicas curativas e reparadoras, é sempre de meios e não de resultados. As raízes ontológicas das reiteradas decisões neste sentido estão no fato de que o paciente “necessita” da intervenção ao bem de sua saúde, não tendo outra saída que não a de se submeter ao tratamento médico. Do médico, assim, o que se espera é um alto grau de diligência e domínio técnico, qual sejam evidências do uso dos meios adequados na realização da intervenção – daí a caracterização da obrigação médica como sendo de meios e não de resultados.

 

O que ocorre na cirurgia plástica estética é diferente. O paciente não se submete às artes do cirurgião por delas necessitar, mas sim, no sentido da satisfação de uma vaidade, na busca de uma realização pessoal ancorada na aparência física, na beleza. Nestes casos, ao paciente só interessa alcançar o efeito desejado; e o médico deve ter ética, não plantando no paciente esperanças de um resultado que não pode ser alcançado, tampouco arriscar-se (mesmo com a consciência do paciente) em uma intervenção de alto risco.

 

Em qualquer caso – a não realização do prometido ao paciente ou a superveniência de dano, seguido ou não de morte – fazem o médico incorrer não mais na responsabilidade decorrente de uma obrigação de meios, mas sim de resultados. E isso porque, em última análise, o comprometimento do profissional não é a tentativa de uma cura indispensável à saúde do paciente, mas sim um resultado plenamente acordado entre as partes previamente.

 

 O cerne da questão presente na natureza da obrigação que há entre o cirurgião plástico e o paciente, nas intervenções meramente estéticas, tem uma fase inicial que já se verifica no momento em que, no consultório, o médico combina com o paciente os detalhes acerca da cirurgia e as expectativas. O que se vê usualmente é uma realidade em que se planta no paciente (cliente) uma idéia não verdadeira de um resultado que não é alcançado.

 

A natureza contratual da relação que há entre médico e paciente é inegável. Tão mais forte é, porém, em se tratando de uma situação em que o paciente torna-se um consumidor e o profissional médico um fornecedor. O objeto de tal relação é exatamente o resultado desejado pelo paciente, e muitas vezes assegurado verbalmente pelo médico.

 

O paciente que procura um tratamento médico com finalidades meramente estéticas está, como já ficou deveras esclarecido, em busca de um resultado. Não há em sua saúde a presença de um mal ou uma lesão a ser reparada. A atividade do médico, então, abandona a seara da reparação (do mal ou lesão) e penetra no universo da “modificação”, da “alteração”. A natureza consumiária desta relação, então, é muito mais sólida que em intervenções ao bem reconhecido da saúde humana.

 

Em uma circunstância fática na qual o cirurgião plástico é procurado por um paciente insatisfeito, por exemplo, com o volume de seu ventre. O médico deve analisar a situação e informar a pessoa acerca das probabilidades de sucesso, riscos etc. Uma vez cientificado disto, cabe ao paciente escolher entre dar seguimento ao processo operatório ou resignar-se com seu estigma.

 

O médico, no caso, agiu escorreitamente, cientificando o paciente das chances e não plantando ilusões. Na hipótese de o paciente optar pela cirurgia, mesmo sabendo que o resultado apenas servirá de paliativo, não há que se falar em responsabilidade civil do médico diante da insatisfação do paciente, ao menos, é claro, que se demonstre sua culpa quanto a algum dano sofrido pelo paciente.

 

Diferente, é o caso em que o paciente, querendo remover a gordura de seu abdômen, procura um cirurgião plástico que lhe garante um resultado bastante favorável esteticamente e que, depois, não se verifica. Aqui, o que houve é o claro inadimplemento da obrigação de resultado contraída no momento em que se prometeu ao paciente o abdômen definido dos modelos corporais eleitos pela mídia.

 

O inadimplemento da obrigação contraída pelo cirurgião estético é, portanto, a não realização daquilo que se assegurou como resultado ao paciente. E o dever de indenizar surge mesmo não havendo lesão ou dano propriamente dito, bastando que o resultado, ainda que não desagradável às vistas, não esteja em consonância com aquilo que foi acordado previamente.

 

Acrescemos que não é necessário que o paciente fique com uma aparência pior após a cirurgia, bastando que não seja a aparência acordada; basta que não seja o resultado prometido e assegurado pelo médico para que nasça, então, o direito à pretensão indenizatória.

 

É o que se depreende dos ensinamentos de Kfouri Neto (1996: 165): “Há, indiscutivelmente, na cirurgia estética, tendência generalizada a se presumir a culpa pela não obtenção do resultado. Isso diferencia a cirurgia estética da cirurgia geral”.

 

“O profissional que se propõe a realizar cirurgia visando melhorar aparência física do paciente assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fatores imprevisíveis, o que lhe cabe provar” (DTJ – 3a. Turma – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, no. 37.060-9-RS, Relator Ministro Eduardo Ribeiro).

 

“Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume a obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da finalidade, tanto pelo dano material, como pelo dano moral, decorrente de deformidades, salvo prova de força maior ou caso fortuito” (STJ – RE no. 10.536/ Rio de Janeiro, Relator Ministro Dias Trindade).

 

 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO – CIRURGIA PLÁSTICA DE NATUREZA ESTÉTICA – OBRIGAÇÃO MÉDICA DE RESULTADO – A cirurgia plástica de natureza meramente estética objetiva embelezamento. Em tal hipótese o contrato médico-paciente é de resultado, não de meios. A prestação do serviço médico há que corresponder ao resultado buscado pelo paciente e assumido pelo profissional da medicina. Em sendo negativo esse resultado ocorre presunção de culpa do profissional. Presunção só afastada fizer ele prova inequívoca tenha agido observando estritamente os parâmetros científicos exigidos, decorrendo, o dano, de caso fortuito ou força maior, ou outra causa exonerativa o tenha causado, mesmo desvinculada possa ser à própria cirurgia ou posterior tratamento. Forma de indenização correta. Dano moral. Sua correta mensuração. (TJRS – AC 595068842 – 6ª C. Cív. – Rel. Des. Osvaldo Stefanello – J. 10.10.95)

 

INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil. Ato ilícito. Dano estético. Deformidade causado por erro médico em cirurgia plástica. Condenação do réu no custeio de outra cirurgia reparadora. Escolha do médico e do hospital a critério da autora. Verba a ser fixada na fase de liquidação, que será por artigos. Sentença confirmada. (TJSP – AC 163.049-1 – 6ª C – Rel. Des. Melo Júnior – J. 19.12.91) (RJTJESP 137/182)

 

 “Ação ordinária de indenização – Operação plástica que não obteve o resultado preconizado – sentença procedente e parcialmente reformada para assegurar à autora o direito à devolução das despesas hospitalares e honorários profissionais efetivamente pagos por ocasião da cirurgia em face do resultado diverso do pretendido pela paciente na operação a que se submetera (Adv.-Coad., Seleções Jurídicas, 05/94)”.

 

 

* Advogada Civilista e Criminalista/ Educadora ( professora de direito) e Escritora de artigos jurídicos publicados em sites e jornais. Escritora de livros e apostilas jurí­dicas. Pós-Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil. Especialista em Docência no Ensino Superior. (http://alessandramato.blogspot.com)

 

Como citar e referenciar este artigo:
, Alessandra Amato. Da responsabilidade civil do médico cirurgião plástico de estética: responsabilidade subjetiva ou objetiva?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/responsabilidade-civil/da-responsabilidade-civil-do-medico-cirurgiao-plastico-de-estetica-responsabilidade-subjetiva-ou-objetiva/ Acesso em: 28 mar. 2024