Direito Civil

Cessão de crédito e direito superveniente

Douglas Belanda

Advogado Corporativo

O mundo jurídico é composto de diversos critérios legais, objetivos e subjetivos estabelecidos, sendo a cessão de crédito (que existe faz anos) um grande exemplo de direito efetivo e respaldado em teor de legalidade irrestrita. É comum a cessão de crédito em nosso país, sendo legalmente previsto e juridicamente abalizado.

Em linhas gerais, cessão de crédito perfaz a transmissão total ou parcial do direito de crédito do detentor do mesmo para um terceiro (via de regra e com maior incidência, ocorre por meio oneroso), não requisitando o consentimento do devedor (anuência), desde que não previsto disposição em contrário em instrumento contratual. No liame contratual, estão previstos em regra: Cedente (quem cede o crédito), o Cessionário (figura que adquire o crédito) e o “Devedor”. Importante salientar que a cessão de crédito transfere todos os direitos obrigacionais previstos no contrato originário, razão pela qual é seguro e muitas vezes interessantes em aspecto comercial, seja para Cedentes ou Cessionários e, inclusive, para o Devedor originário, que muitas vezes consegue comercializar e quitar suposto débito com assertividade e, em certos casos, com desconto. (Ante prejuízo deflagrado em contrato).

Em soma ao exposto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a cessão de crédito (Artigos 286 e seguintes do Código Civil), consoante exposto no Código Civil, vide:

“…Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação…”.

Ainda e consoante a previsão disposta em lei (Artigo 288 do Código Civil), elencamos que a transmissão de crédito (cessão), deverá ser efetivada via instrumento público ou particular, com solenidades do Artigo 654 do mesmo texto legal (se o caso) e, ainda, não requer anuência do devedor. Não menos importante, carece o cessionário de proceder com a notificação do devedor quanto aquisição e titularidade doravante do crédito, para devido e correto resguardo, vejamos o artigo 290 do Código Civil:

“…Art. 290 – Não terá validade em relação ao devedor a cessão, senão por notificado, em escrito público ou particular, ou seja, a notificação feita ao devedor é importante, principalmente, como meio de se evitar o pagamento efetuado indevidamente ao credor primitivo…”.

Nesse sentido, temos que a cessão de crédito é legal e correta, com respectivo registro do instrumento público ou particular (instrumento padrão), com objeto lícito e, ainda, notificação do credor para devedor quanto cessão efetivada. Note que, as condições da cessão são claramente previstas no ordenamento jurídico pátrio e, em nenhum momento dispõe via lei sobre as condições monetárias ou negociais em que ocorreu a cessão de crédito, inclusive, por existir muitos contratos com cláusulas de confidencialidade (inclusive, de terceiros), que podem gerar conflitos de direitos individuais disponíveis, previstos em lei. Veja que, o devedor (cedido) pode e deve ter conhecimento do documento ou contrato que originou a cessão de crédito (contrato principal e suas incumbências), com respectivo conhecimento das obrigações previstas no instrumento cedido (se total ou parcial) e, em tese, descumprido. Agora, ciência quanto aos detalhes da cessão entre cedente e cessionário (valores e daí por diante), não carece no escopo da dívida em aberto e detalhes eventuais processuais, justamente por não influenciar na relação obrigacional com cessionário ou cedente com cedido.

Recentemente, o respeitado Tribunal de Justiça de São Paulo/SP proferiu acórdão (2053473-37.2018.8.26.0000), em suma, alegando dever de cedente e cessionário em demonstrar o liame integral da cessão de crédito ao cedido (que não carece em dispositivo legal, e iremos abordar), bem como, indeferindo a substituição no polo da ação judicial (execução), do cessionário nas vias do cedente. Fato é que, em que pese a respaldada, cuidadosa e técnica decisão proferida para um caso singular (com persuasão racional e livre convencimento técnico dos brilhantes Desembargadores), e não adentrando no caso específico e, ainda, se fora correta ou não a decisão, é prudente relatar o quanto já abordado e decidido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento análogo ao caso em tela no liame de cessão e possibilidade de substituição de ente na ação, note julgamento em Resp. 588.321-MS:

“…A lei não exige formalidade específica para a notificação, apenas esclarece que o devedor necessita declarar, em escrito público ou particular, a ciência da cessão. Na hipótese, esse objetivo foi alcançado, prova disso foi a manifestação do devedor/recorrido sobre o pedido de substituição, no processo, do cedente pelo cessionário. Assim, não há que se falar em ineficácia da cessão de crédito. Quanto ao fundamento da falta de anuência da parte contrária, o dispositivo legal aplicado pelo TJ foi o art. 42, § 1º, do CPC, que estabelece a necessidade de a parte contrária consentir com a substituição, no processo, do cedente pelo concessionário. Contudo o art. 567, II, do CPC dispõe que pode também promover a execução, ou nela prosseguir, o concessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por ato entre vivos. O referido dispositivo, portanto, não exige a anuência da outra parte para que o cessionário ingresse no processo de execução no lugar do cedente. Na hipótese, cuida-se de processo de execução e embargos do devedor correspondentes. Dessa forma, havendo norma específica sobre a matéria (art. 567, II) no Livro II do CPC, que trata do processo de execução, não deve ser aplicada a regra geral observada no processo de conhecimento. Assim, na substituição de partes no processo de execução, pode ser dispensada a anuência do devedor. Com esse entendimento, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento para reformar o acórdão recorrido, permitindo a substituição no polo ativo da execução do cedente pelo cessionário. Precedente citado: Resp. 284.190-SP, DJ 20/8/2001. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/8/2005…”.

Não menos importante e em julgamento de Recurso Repetitivo, o STJ também se manifestou no sentido de êxito em ingresso de cessionário em ação judicial, vejamos:

“…RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. PROCESSO CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO. SUCESSÃO PELO CESSIONÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OPOSIÇÃO DO CEDENTE. ANUÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 567, II, DO CPC. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009.

1. Em havendo regra específica aplicável ao processo de execução (art. 567, II, do CPC), que prevê expressamente a possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, não há falar em incidência, na execução, de regra que se aplica somente ao processo de conhecimento no sentido da necessidade de anuência do adversário para o ingresso do cessionário no processo (arts. 41 e 42 do CPC). 2. “Acerca do prosseguimento na execução pelo cessionário, cujo direito resulta de título executivo transferido por ato entre vivos – art. 567, inciso II do Código de Processo Civil -, esta Corte já se manifestou, no sentido de que a norma inserta no referido dispositivo deve ser aplicada independentemente do prescrito pelo art. 42, § 1º do mesmo CPC, porquanto as regras do processo de conhecimento somente podem ser aplicadas ao processo de execução quando não há norma específica regulando o assunto” (AgRg nos EREsp 354569/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, DJe 13/08/2010). 3. Com o advento da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, todas as cessões de precatórios anteriores à nova redação do artigo 100 da Constituição Federal foram convalidadas independentemente da anuência do ente político devedor do precatório, seja comum ou alimentício, sendo necessária apenas a comunicação ao tribunal de origem responsável pela expedição do precatório e à respectiva entidade. 4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008…”.

Outrossim, o respectivo notável Tribunal de Justiça de São Paulo/SP (que muito respeitamos), em março de 2018 proferiu julgamento em Agravo de Instrumento 2226953-90.2017.8.26.0000, em outro caso análogo, com decisão em alguns aspectos opostas a abordada no início da matéria (proibindo substituição de polo ativo via cessionária), observamos nos detalhes:

“…AGRAVO DE INSTRUMENTO. CESSÃO DE CRÉDITO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. Possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, independentemente de notificação da cessão de crédito. R. decisão mantida. Recurso não provido…

O artigo 290 do Código Civil dispõe sobre a eficácia em relação ao devedor. No caso, a notícia da cessão de crédito nos próprios autos já cientifica o devedor, não havendo necessidade da notificação prescrita no referido artigo 290 para eficácia da cessão.

Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA COMPROVADA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A ausência de notificação do devedor acerca da cessão do crédito (art. 290 do CC/2002) não torna a dívida inexigível, tampouco impede o novo credor de praticar os atos necessários à preservação dos direitos cedidos. 2. O Tribunal de origem concluiu que foi comprovada a PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2226953-90.2017.8.26.0000 -Voto nº 28.454 – origem da dívida. No caso, essa conclusão não pode ser alterada nesta Corte, pois demandaria o reexame do conjunto fático probatório, o que atrai o óbice da Súmula 7 desta Corte. 3. Agravo regimental improvido. ” (AgRg no REsp 1481621/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 11/09/2015)

Em tal seara, é crível alertar a possibilidade e eficácia da cessão de crédito em linha ao previsto no ordenamento jurídico (sem necessidade de informe ao cedido dos detalhes da cessão de crédito), com possibilidade efetiva de substituição de polo processual em ações judiciais, inclusive, em fase de execução. A ideia, sem dúvidas, não é trazer conflitos entre Câmaras ou órgãos distintos do Poder Judiciário, mas justamente reforçar o conceito e viabilidade da cessão de crédito, seu atendimento irrestrito ao ordenamento jurídico e evitar travas no cerne judicial que, acarretará novos recursos e demora no atendimento a todos os consulentes.

Como citar e referenciar este artigo:
BELANDA, Douglas. Cessão de crédito e direito superveniente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/cessao-de-credito-e-direito-superveniente/ Acesso em: 19 abr. 2024