Direito Civil

A evolução do conceito de pessoa e a teoria geral dos direitos da personalidade: Principais aspectos

Davi da Trindade Guedes[1]

 Lívia Carolina Rocha Azevedo[I]

RESUMO

O presente trabalho trata das discussões concernentes a evolução do conceito de pessoa e da teoria geral dos direitos da personalidade, procurando esclarecer como os contextos sociais e históricos da evolução e da codificação alteraram a forma como o direito civil tutela os direitos das pessoas. Passando pelo Código Civil de 1916, a Constituição de 1988 e o atual Código Civil de 2012 foi realizada uma breve análise sobre as características gerais dos direitos da personalidade, apontando a necessidade de uma tutela efetiva de tais direitos.

PALAVRAS-CHAVE: Pessoa; direitos da personalidade.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade, para atingir as características que possui hoje, passou por uma longa e diversificada evolução histórica. Seguindo um raciocínio contratualista, após constatarem as dificuldades que uma vida isolada e não regulada proporcionava, com incessantes guerras e conflitos, percebe-se que a vida em sociedade regulada por uma instância superior que seria responsável por tutelar aqueles direitos que são naturais de cada ser humano, e estabelecer certas diretrizes e deveres para que os direitos dos outros não seja violado, além de garantir uma harmonia e estabilidade social necessária. Nessa perspectiva, o direito surge na forma de

leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às propriedades de todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e mudar o domínio de cada parte e de cada membro da comunidade; pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam assegurar-se entrando em sociedade e para o que o povo se submeteu a legisladores por ele mesmo criados (LOCKE, 1973, 127).

Esse direito – na sua fase moderna, em especial – é formado por diversos ramos que buscam abranger as diversas áreas da vida dos indivíduos, a fim de concretizar o dogma da completude, que conforme Bobbio (1996) assegura aos indivíduos que por ser (ou dever ser) completo o Direito poderá garantir e regular as mais diversas condutas e ações do indivíduo. 

Dentre esses ramos destaca-se o direito civil, o direito do cidadão, como parte do direito privado, que serve para disciplinar “todas as relações jurídicas da pessoa, seja uma com as outras (físicas e jurídicas), envolvendo relações familiares e obrigacionais, seja com as coisas (propriedade e posse)” (Gagliano e Pamplona Filho, 2010, p.74) (grifo nosso). Por regular as relações entre pessoas, é claro que o conceito de pessoa tem papel fundamental nesse ramo do Direito. Assim como qualquer palavra ou instituto, seu entendimento passa por momentos distintos e é um reflexo da conjuntura social, que é um fator determinante no processo de formulação e interpretação das diversas ciências sociais.

Dessa maneira, o presente trabalho busca fazer uma análise do conceito de pessoa à luz do direito civil brasileiro, apontando como os contextos sociais e históricos da evolução e da codificação alteraram a forma como o direito civil tutela os direitos das pessoas. Por fim, faremos uma breve análise sobre as características gerais dos direitos da personalidade, perpassando o Código Civil de 1916, a Constituição de 1988 e o atual Código Civil de 2012, apontando a necessidade de uma tutela efetiva de tais direitos.

2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PESSOA PERANTE O DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Complementando o que já foi introduzido, podemos dizer que a relação de influência entre o direito e a sociedade é caracterizada pela simultaneidade. Ao passo que a sociedade determina o direito, o Direito determina sobre a sociedade. No caso do surgimento da história do direito civil no Brasil, o contexto é marcado por uma diferença de perspectivas gerais que acompanham a sociedade, fruto das mudanças de pensamento sobre a ação do direito e do indivíduo.

No período de Colônia, o Brasil era regido pelas Ordenações Filipinas. As chamadas “Ordenações do Reino” são compilações jurídicas que surgiram da necessidade de sistematizar e dar unidade jurídica as leis existentes em Portugal, leis estas emanadas com a influência do Direito Romano e Germânico, e da cultura eclesiástica.     Nesse diapasão, fica evidente a ligação do direito com a ordem religiosa, e violar a lei não significa apenas desobedecer às ordens do rei, mas profanar a ordem de Deus. Penas cruéis e que faziam distinções entre os súditos, são exemplos de como a ordem jurídica não dava prevalência a pessoa humana e não representava os interesses do bem comum da coletividade.

Em 1822, mesmo após a independência do Brasil, a legislação de Portugal continuou a ser aplicada, porém só vigoraria até a produção do Código Civil. Diversas tentativas, por meio de diversos projetos, buscaram concretizar essa pretensão. Porém apenas após a Proclamação da República, com as devidas alterações no projeto encaminhado para o Congresso Nacional, de autoria de Clóvis Beviláqua, que em 1916 é aprovado o Código Civil, que entrou em vigor em janeiro do ano seguinte. O primeiro Código Civil Brasileiro possuía 1807 artigos e era precedido pela Lei de Introdução ao Código Civil. Suas principais influências foram o Código Francês (1804) e o Código Civil Alemão (1896), irradiando várias de suas concepções sobre o CC de 1916. O Code Napoléon, possuía apenas questões sobre direito civil, como pessoas, bens e aquisição de propriedade. Surgido no contexto pós-Revolução francesa, esse código refletiu muito dos valores defendidos nessa revolução, principalmente no que se refere à constituição do Estado Liberal e sua prevalência aos direitos de primeira geração, ou seja, as liberdades negativas. Havia uma separação entre o Estado e a Sociedade, tendo em vista que o Estado deveria ser omisso, para garantir a liberdade dos indivíduos. O Código Alemão, o Bürgerliches Gesetzbuch (ou BGB) surge da pretensão de homogeneizar e sistematizar as leis existentes no país, influenciado também pelo Código Francês.

O Código Civil de 1916 continha uma Parte Geral, com conceitos e princípios que norteavam o estuo e a aplicação dos demais livros componentes da Parte Especial. Tratava das pessoas, dos bens, dos fatos jurídicos, entre outros assuntos presentes nos quatro livros da Parte Especial: Direito de Família, Direitos das Coisas, Direitos das Obrigações e Direitos das Sucessões.  Esse código possui uma técnica muito elogiada, tendo em vista sua brevidade e a clareza presente nos conceitos estabelecidos, em consequência a interferência das legislações supracitadas. Quanto ao conteúdo é que a influência fica mais evidente. Remontando concepções do século XIX, o código era marcado por um individualismo, patrimonialismo e um voluntarismo que afetaram diretamente a forma como a pessoa é vista pelo direito. O individualismo remete a uma doutrina moral, filosófica e política que preconiza a autonomia individual na busca da liberdade e dos meios de satisfazer as necessidades naturais. Vemos a intrínseca relação desse conceito com o Estado Liberal. É evidente que no contexto marcado pela discricionariedade do Antigo Regime Francês, e pela não existência da liberdade dos súditos, frente a um Estado concentrava todas as prerrogativas em si mesmo e em algumas pessoas mais abastadas, fosse necessário enfatizar uma cultura que prezasse pela igualdade formal, pela vontade e pelo direito a ter propriedade, mesmo que não fossem suficientes para sanar todas as desigualdades. De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2010), o Código de 1916, de Beviláqua,

Traduz, em seu corpo de normas tão tecnicamente estruturado, a ideologia da sociedade agrária e conservadora daquele momento histórico, preocupando-se muito mais com o ter (o contrato, a propriedade) do que com o ser (os direitos da personalidade, a dignidade da pessoa humana) (p.88).

Conforme trabalha Gonçalves (2012), como surgiu numa realidade já bem distinta daquela em que surgiram os debates em torno do Estado Liberal, era como se o código, a partir do inicio de sua vigência já estivesse ultrapassado. Assim, fica clara a prevalência dada aos interesses do indivíduo de forma genérica, não abordando as especificidades de cada ser humano, que possuem distintas necessidades, que não se exaurem numa mera proteção ao direito à propriedade, que tido como um direito absoluto era o foco da legislação. A pessoa humana não era a preocupação principal, mas sim o sujeito de Direito. 

Para tentar adaptar esse código as necessidades de um Estado social e de uma população que buscava o reconhecimento e a efetivação de direitos. Dentre as leis que trouxeram modificações ao Código Civil, podemos citar como exemplo o Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), a Lei do Divórcio (Lei n. 6515/77) entre outros, demonstrando como o Direito de Família foi o ramo mais afetado. Vale ressaltar que no Código Civil de 1916 havia uma separação estrita entre o código e a Constituição. Situação que vem a mudar a partir da Constituição cidadã, de 1988, que incorpora em seu texto muitas questões em torno do Direito Civil, o que inicia o fenômeno conhecido como Constitucionalização do Direito Civil, que será mais bem abordado posteriormente. 

Mesmo com todas essas reformas e tentativas de adequar esse texto legal a nova realidade social, viu-se a necessidade de elaborar um novo projeto de Código Civil, o Projeto de Lei n. 634/75, elaborado por uma comissão de juristas, supervisionados por Miguel Reale, em um momento de parcial unificação do Direito Privado. Aprovado em 2001 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, e publicado em 2002, revogou o código de 1916, a primeira parte do Código Comercial de 1850, bem como toda a legislação civil e comercial incompatível. Para Diniz (2003),

o Código passa a ter um aspecto mais paritário e socialista, atendendo aos reclamos da nova realidade social, abolindo instituições moldadas em matrizes obsoletas, albergando institutos dotados de certa estabilidade, apresentando desapego às formas jurídicas superadas, tendo em sentido operacional à luz princípio da realizabilidade (p.51-52).

Voltados aos valores de um Estado não mais comprometido apenas com as liberdades, mas um Estado pautado na concretização dos direitos sociais, o novo código possui uma intrínseca ligação principalmente com o princípio da dignidade da pessoa humana, não abarcando unicamente o ter, mas também o ser. A perspectiva meramente individualista é deixada de lado, e a socialidade e a coletividade é preconizada como detentores de direitos. Em suma, podemos falar num momento de Repersonalização do Direito civil, em que a Pessoa, o ser humano torna-se o centro do debate, antes ocupado pela propriedade e o patrimônio.

Diferentemente do que acontecia com o antigo Código Civil, o novo código se relacionava de forma íntima com a Constituição, sendo o direito civil, um ramo autônomo, porém condicionado e irradiado pela lei superior do ordenamento jurídico interno. Isso decorre diretamente de uma obediência hierárquica à lei superior, sendo a Constituição além do topo do ordenamento jurídico, de forma ampla, o centro do ordenamento jurídico privado.

Nessa nova fase do Direito Civil brasileiro, reproduzindo debates já iniciados na doutrina italiana, nos vemos em debates constantes sobre como a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado é ou não um obstáculo instransponível, nas palavras de Tartuce (2015). Dizer que apenas o direito público é de utilidade pública e o Direito privado de utilidade particular, não consegue abranger as complexidades da sociedade. Dessa forma, problemáticas surgem em torno da relação entre os ramos do direito, o direito civil como foco do nosso trabalho, e o Direito Constitucional, o que faria surgir uma nova matéria, chamada de Direito Civil Constitucional. No Brasil, foi a escola carioca que deu força a essa perspectiva unificada, sendo relevantes nomes o Professor Gustavo Tepedino e as professoras Maria Celina Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza.  De acordo com o que Tartuce (2015) trata, havia com a Constituição de 1988 a necessidade de redemocratizar o país, e uma das alternativas encontradas foi a

constitucionalização de temas que, a rigor, não seriam por assim dizer constitucionais, mas que tal tratamento tiveram em razão dos ares da liberdade que sopravam na sociedade brasileira recém-saída de um regime autoritário que perdurou pouco menos de 30 anos (p.96).

O Direito Civil Constitucional parte de uma visão unitária de ordenamento jurídico, de acordo com Tepedino (2007) e José Afonso da Silva (1998), tratando-se não de partes que se adicionam ou se somam, mas que elementos que se entrelaçam como num todo unitário. Visa-se o Direito Civil Constitucional como forma de harmonizar os pontos em comum do Direito Público e Privado, mediante institutos que são de direito privado, mas que estão presentes na Constituição, devido principalmente as mudanças no seio social.

Esse fenômeno de Constitucionalização do Direito Civil reflete principalmente em três pontos base: A dignidade da pessoa humana, a solidariedade social, e o princípio da isonomia. A dignidade da pessoa humana, um super princípio muito debatido na contemporaneidade é a base para a chamada personalização do Direito Civil. Presente no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, está entre os princípios fundamentais, que norteiam todo o Estado, e serve, no âmbito do Direito Privado, para que se preconize a pessoa humana nas relações jurídicas, para que haja dignidade. A Solidariedade Social, presente no artigo 3º, inciso I é um dos objetivos da República Federativa do Brasil e visa fomentar a justiça social, demonstrando a contraposição à postura essencialmente individualista do Estado Liberal. Por último, o princípio da isonomia, ou da igualdade, representado na sua perspectiva formal no artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei (…)”. Valendo ressaltar que além da perspectiva formal, devemos atentar para a igualdade substantiva, ou material, que reflete além de um tratamento igual perante a lei, mas uma igualdade de condições para que as pessoas possam desenvolver suas capacidades de forma digna e eficaz.

Em suma, podemos inferir que a partir do estudo da evolução histórica que o conceito de pessoa foi resguardado de formas diferentes, dependendo diretamente da estrutura social e ideológica dominante nos respectivos contextos. Dessa forma de uma perspectiva meramente individualista e embasada no Estado Liberal, absenteísta, e voltado para a proteção do patrimônio, passamos para uma realidade coletivista, social, que preconiza o ser humano, não apenas como um sujeito de direito, mas enquanto pessoa. Se antes, o foco estava na ordem do ter (o contrato, a propriedade), vivemos na fase do ser, em que a dignidade da pessoa humana é o super princípio norteador de toda a ordem jurídica e que concede de forma específica direitos de personalidade, presentes tanto no Código Civil, como na Constituição, à luz da Constitucionalização do Direito Civil. Esses direitos serão abordados posteriormente.    

Os direitos da personalidade foram consolidados apenas com a Constituição de 1988 que elencou o princípio da dignidade da pessoa humana como um valor essencial do nosso país, muito embora o Código Civil de 1916 já fizesse a previsão em seu art. 2° de que “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”.

Desse modo, tem-se o reconhecimento da pessoa como elemento principal do ordenamento, após um longo tempo do predomínio de uma concepção essencialmente patrimonialista do direito privado, demonstrando-se a necessidade da proteção dos direitos inerentes a personalidade, tais como o direito à integridade, o direito ao nome, à privacidade, dentre outros.

A personalidade constitui, assim, um atributo conferido ao ser humano, pelo qual advém direitos e deveres, sendo plausível a consideração de Pontes Miranda (2000, p. 216): “Certo, a personalidade em si não é direito; é qualidade, é o ser capaz de direitos, o ser possível estar nas relações jurídicas como sujeito de direito”. Todavia, a personalidade não é apenas atribuída ao ser humano, mas também as pessoas jurídicas.

3 TEORIA GERAL DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

O ordenamento reconhece a existência de várias faculdades conferidas a pessoa em razão de sua condição (PEREIRA, 2001, p. 152-153). Todavia, há um grande debate em torno da tipificação dos direitos da personalidade, tendo duas correntes opostas, são elas: a pluralista ou tipificadora, que afirma a existência de vários direitos da personalidade e, por outro lado, a monista, que defende que há apenas um único e geral direito da personalidade (TEPEDINO, 1999, p. 42).

Esse debate, contudo, perde forças já que há um consenso que o que deve existir é a tutela geral dos direitos da personalidade, de modo que tais direitos compreendem todos os seus atributos, estejam tipificados ou não. O Brasil, por sua vez, adotou a concepção do direito geral da personalidade, expresso na Constituição Federal de 1988, e, simultaneamente, a proteção tipificada, contemplada nas legislações infraconstitucionais, como o Código Civil de 2002.

Nesse diapasão, também não se prospera mais a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado na proteção da personalidade. Considerando Cortiano Junior (1998, p. 38): “Assim, não se fala mais em proteção da pessoa humana pelo direito público e pelo direito privado, mas em proteção da pessoa humana pelo direito”.

Quanto ao Reconhecimento Jurídico da tutela dos direitos da personalidade, considera-se que a origem dos direitos da personalidade é alvo de muita controvérsia, de forma que não se pode precisar a sua origem, contudo, pode-se afirmar que a discussão sobre tais direitos encontram maior destaque no final do século XIX.

Vale salientar que, historicamente, a tutela dos direitos da personalidade estava limitada à esfera do Direito Público, sendo apenas através das constituições e declarações de direitos do final do século XIX que tais direitos começaram, de fato, a serem protegidos. Portanto, é recente o reconhecimento de tal proteção no âmbito privado.

Inicialmente a proteção jurídica da personalidade no Direito privado estava restrita a responsabilidade civil contra a lesão, mostrando-se, assim, a insuficiência de tal mecanismo e a necessidade de ações específicas. Nesse sentido, foram elaboradas ações de natureza negatória e declaratória, bem como o ressarcimento por dano moral.

3.1 Os direitos da personalidade no código civil de 2002

O Código Civil de 2002 inclui um capítulo apenas para os direitos da personalidade, o que traduz a realidade jurídica do nosso país que elevou o princípio da dignidade da pessoa humana como um valor axiológico fundamental, em desfavor do caráter eminentemente patrimonialista disposta no Código Civil de 1916.

O Código não é taxativo e possui uma previsão aberta, ampla e genérica, abrangendo vários direitos da personalidade e não apenas os previstos em lei.

Em linhas gerais, conceitua-se os direitos da personalidade como

direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, imagem, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). (Lenza, 2011, p.888)

Tais direitos possuem em linhas gerais as seguintes características são: absolutos, gerais, inatos ou originários, intransmissíveis e irrenunciáveis, extrapatrimonais, relativamente indisponíveis, vitalícios.

Como exemplo de aplicação dos direitos da personalidade pode ser citado a demanda referente ao julgamento do RE 845.779/SC(Rel. Min. Roberto Barroso), relativo a ação de indenização por danos morais movido por mulher transexual (designada como “homem” no nascimento) que foi impedida de usar o banheiro feminino no shopping center. Segue teor:

TRANSEXUAL. PROIBIÇÃO DE USO DE BANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. O recurso busca discutir o enquadramento jurídico de fatos incontroversos: afastamento da Súmula 279/STF. Precedentes. 2. Constitui questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e a direitos da personalidade 3. Repercussão geral configurada, por envolver discussão sobre o alcance de direitos fundamentais de minorias – uma das missões precípuas das Cortes Constitucionais contemporâneas –, bem como por não se tratar de caso isolado.

(STF – RG RE: 845779 SC – SANTA CATARINA 0057248-27.2013.8.24.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 13/11/2014,  Data de Publicação: DJe-045 10-03-2015)

Nesse caso, o ministro relator Roberto Barroso, argumentou que

“Não é possível que uma pessoa seja tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual encontra proteção nos direitos da personalidade e na dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise do conceito de pessoa à luz do direito civil brasileiro, da Teoria Geral dos Direitos da Personalidade e os direitos da personalidade no código civil de 2002, nota-se a importância de tal estudo para que se possa compreender a atual configuração dos direitos inerentes as pessoas.

Como exposto durante o trabalho, os Direitos da Personalidade são entendidos como faculdades jurídicas que se voltam para à proteção da pessoa Humana.

Tendo em vista tudo que foi exposto, salienta-se que o Código Civil de 2002 reflete muitas mudanças ocorridas na sociedade brasileira e uma verdadeira mudança de paradigmas de proteção, de modo que enquanto o Código de 1916 voltava-se para um tipo de tutela essencialmente de esfera patrimonialista, o Código atual possui como pilar de seu texto o princípio da dignidade humana, isto é, a proteção do princípio basilar de todo o direito: a pessoa.

Todavia, sabe-se que para tal mudança paradigmática foi imprenscindível o advento da Constituição de 1988 que elegeu o princípio supracitado, conferindo importância axiológica na aplicação do direito. De forma que, todos as temáticas controversas foram substituídas pela necessidade de uma efetiva tutela aos direitos da personalidade.

REFERÊNCIAS

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STF – RG RE: 845779 SC – SANTA CATARINA 0057248-27.2013.8.24.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 13/11/2014,  Data de Publicação: DJe-045 10-03-2015

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, 1: Lei de Introdução e parte geral – 11. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e Direito Civil na construção unitária do ordenamento. A constitucionalização do direito. Coord. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

_________. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro. In:Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 23-54.



[1] Davi da Trindade Guedes, graduando do Curso de Direito pela UFPB, monitor da disciplina de Empresarial

I. Lívia Carolina Rocha Azevedo, acadêmica do Curso de Direito pela UFPB, estagiária do Ministério Público de Contas da Paraíba e monitora da Disciplina de Direito Civil I.

Como citar e referenciar este artigo:
GUEDES, Davi da Trindade; AZEVEDO, Lívia Carolina Rocha. A evolução do conceito de pessoa e a teoria geral dos direitos da personalidade: Principais aspectos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-evolucao-do-conceito-de-pessoa-e-a-teoria-geral-dos-direitos-da-personalidade-principais-aspectos/ Acesso em: 29 mar. 2024