Direito Civil

A aplicação da “supressio” nas relações condominiais

Luiz Cláudio Barreto Silva*

A expectativa do devedor de boa-fé, criada pelo comportamento do próprio credor que não exerce seu direito ao longo do tempo, tem ensejado a aplicação pelos tribunais do instituto da supressio com a supressão da obrigação.

É certo que o referido instituto não se confunde com a prescrição, pois esta última se exterioriza pela simples fluência de prazo, enquanto na supressio tem que se demonstrar que o comportamento da parte era inadmissível e dentro das normas da boa-fé.

Com relação ao reconhecimento pela doutrina da figura da supressio e de sua aplicação pelos Tribunais, as oportunas considerações de Renata Rapold Mello:  

“A expressão supressio é um termo empregado em Portugal para a expressão Verwirkung, dada pelos Alemães. 

Ela significa a situação do direito que não possa mais ser exercido, tendo em vista o não exercício deste direito durante um determinado lapso de tempo, por contrariar a boa-fé. 

AGUIAR JÚNIOR1 explica esse fenômeno chamado supressio, dizendo que: Na supressio, um direito não exercido durante um determinado lapso de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé. 

Também, o mesmo autor diferencia este instituto com a prescrição, dizendo que, enquanto esta encobre a pretensão apenas pela fluência do prazo, a supressio, para ser reconhecida, depende da constatação de que o comportamento da parte era inadmissível, segundo o princípio da boa-fé. 

DUARTE2, de uma forma mais simples, conceitua muito bem o instituto da supressio, a saber: 

Designa a primeira (supressio) o fenômeno da supressão de determinadas faculdades jurídicas pelo decurso do tempo. 

Para a configuração da supressio exige-se tanto o decurso do prazo sem exercício do direito, como também, o desequilíbrio, pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor “[1]

   

Em sede jurisprudencial, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria da Ministra  NANCY ANDRIGHI, com fragmento de ementa nos seguintes termos: 

“O princípio da boa-fé objetiva exerce três funções: (i) a de regra de interpretação; (ii) a de fonte de direitos e de deveres jurídicos; e (iii) a de limite ao exercício de direitos subjetivos. Pertencem a este terceiro grupo a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios (‘tu quoque’; vedação ao comportamento contraditório; “surrectio’; ‘suppressio’). – O instituto da ‘supressio’ indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse não exercício se prorrogará no tempo[2] 

Em igual sentido, fragmento de ementa de precedente da mesma Ministra:

  

“O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da realidade vivenciada no condomínio. – A ‘supressio’, regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reconhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente não é exercido ou observado” [3]

Outro não é o entendimento do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o que se extrai de precedente de sua relatoria, com fragmento de ementa nos seguintes termos:

“Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio)” [4]

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, presentes os requisitos decurso de prazo e boa-fé, é plenamente aplicável o instituto da supressio.

* O autor é advogado, escritor, pós-graduado em direito do trabalho e legislação social, ex-diretor geral da ESA da 12ª subseção da OAB de Campos dos Goytacazes e ex-professor universitário.



 Notas e referências bibliográficas

[1] Mello,  Renata Rapold. Supressio (Verwirkung). Disponível em:  http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:uvAZAMobtrIJ:www.juspodivm.com.br/i/a/%257BF2CB7312-79D0-40D3-8E9E-C3F04E395406%257D_Artigo%2520-%2520Supressio.doc+supressio+e+menezes+cordeiro&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.Acesso em: 15 jul. 2010).       

[2] STJ. REsp. 953389 / SP. Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI. Disponível em:  http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=suppressio&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 . Acesso em: 15 jul. 2010). (Destacou-se).

[3] STJ. REsp 1096639 / DF. Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI. Disponível em:  http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=suppressio&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2 . Acesso em: 15 jul. 2010). (Destacou-se).

[4] STJ. REsp 214680 / SP. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=suppressio&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3 . Acesso em: 15 jul. 2010). 

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Luiz Cláudio Barreto. A aplicação da “supressio” nas relações condominiais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-aplicacao-da-supressio-nas-relacoes-condominiais/ Acesso em: 28 mar. 2024