Direito Civil

ECA: aniversário sem festa

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 22 anos, representou uma grande evolução infraconstitucional, na época de sua promulgação,
regulamentando as proteções da Carta Magna aos meninos e meninas e complementando outros diplomas legais, como o Código Civil Brasileiro, na busca pela
extinção de discriminações.

Ainda assim, o Brasil tem 37 mil 240 crianças e adolescentes atualmente vivendo em abrigos. E mais de 30 mil casais cadastrados
na fila de adoção. Pelo simples cálculo matemático, falar-se-ia em 1,24 criança/adolescente por casal em adoção e se resolveria o problema de ambos.

Infelizmente, o acompanhamento de processos de adoção mostra uma realidade torturante para os casais que se dispõem a tal prática. Meses de espera nos
Juizados até obterem a homologação de sua posição na fila. A estes somam-se os longos períodos aguardando despachos e pareceres de assistentes sociais,
promotores, psicólogos etc., todos sobrecarregados por um sistema judicial moroso e com poucos recursos humanos.

Muitas vezes, chega-se à véspera de Natal, com a criança abrigada, já adaptada ao casal de novos pais, esperando apenas um parecer ou a assinatura de um
documento que permita àquela sair do abrigo, celebrar seu primeiro Natal fora da instituição e passar a viver com a família substituta. Uma assinatura que
permita ao filho, já adotado emocionalmente, viver com seus pais de afeto. Sofrimento e angústias ímpares que só podem ser compreendidos por quem os
vivenciou.

Ao despreparo e à falta de recursos institucionais é acrescido o drama da destituição do poder parental. Confunde-se cuidado e zelo na condução desse
processo com morosidade, como se o tempo pudesse reconstituir lares desfeitos ou reabilitar pais biológicos destituídos de qualquer possibilidade de afeto
e cuidados.

No que tange aos casais que buscam adotar, também é necessária uma mudança de paradigma. O sonho da recém-nascida loirinha, de olhos claros, já era
indecentemente discriminatório nos séculos anteriores. Como disse muito bem Juca Chaves, criança não tem cor, tem sorriso.

A Lei 12.010 de 2009 dificultou ainda mais o processo como um todo ao inibir a destituição do pátrio poder. A criança que hoje fez cinco anos em um abrigo,
provavelmente é a mesma que está na instituição pelos mesmos cinco anos, e com um processo judicial pendente. E cuja possibilidade de encontrar uma família
substituta diminui a cada dia.

Assim, no que tange à adoção, o ECA passará mais um aniversário sem festa. E milhares de crianças sem pais e milhares de pais sem filhos!

Isabel Cochlar, advogada

isabel@cochlar.com.br

www.cochlar.com.br/

Como citar e referenciar este artigo:
COCHLAR, Isabel. ECA: aniversário sem festa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/eca-aniversario-sem-festa/ Acesso em: 19 abr. 2024