Direito Civil

Precedentes Históricos da Adoção no Sistema Luso-Brasileiro

INTRÓITO: O breve artigo a seguir tem como finalidade expor dados acerca dos precedentes normativos ao atual sistema de adoção praticado no Brasil à luz da
Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 e o Estatuto da Criança e Adolescente.

Palavras-chaves : Adoção, Direito de Família, História do Direito

A despeito do denso histórico da adoção (adoptio), tanto em termos teóricos como pragmáticos, na realidade do direito dos povos
antigos (sumérios, romanos e germânicos) e, sobretudo, apesar de sua destacada importância dedicada no Código de Napoleão (1792), a legislação
portuguesa e brasileira que precedeu o Código Civil de 1916, no Brasil,  e o correspondente lusitano de 1966, relegou o instituto ao obscurantismo, a
um vácuo legal que perdurou séculos sem a adequada previsão normativa. Sobretudo as Ordenações do Reino, que se estendiam de Portugal ao seus
territórios ultramarinos, foram completamente omissas a este respeito.

A ausência de normatização sobre a adoção foi inclusive objeto de estudo de historiadores brasileiros e lusitanos. Maria Luiza Marcílio
observou que
“sem o estatuto da adoção – que surgiu na legislação brasileira apenas no século XX – só se podia adotar uma criança informalmente, como filhos de
criação sem direito à sucessão”.[1]
Da maneira semelhante, o jurista português Mário Costa constatou que
“(em Portugal) desde a segunda metade do século XVII, a adoção perdeu todo o seu alcance prático, para mais tarde desaparecer mesmo da exposição
teórica dos autores. O Código de 1867 omitiu-a inteiramente.[2]

É importante salientar que a falta de previsão legal não era mero acaso ou simples imperícia do legislador. Na verdade, Portugal e a Europa
em geral viviam a consolidação de valores religiosos cristãos (católicos e protestantes), que à época instilavam um sentimento de repúdio à adoção.
Como nos conta a historiadora Kristin Gager, o pensamento comum da época, inclusive o difundido nos meios intelectuais, era o de que a adoção
tratava-se de um desvio, uma perversão às leis da natureza, até porque a incapacidade de gerar filhos “naturais”, quer pela esterilidade ou outras
circunstâncias, se adequava aos muitos critérios para definição de “bruxaria” pelo Santo Ofício. Além disso, a questão da consanguinidade era encarada
como um pilar inamovível numa sociedade monárquica e rígida, cujos critérios de poder se baseavam nos laços de sangue. Com certeza, seria uma ameaça
grave ao status quo, àquela época, aventar a possibilidade de se admitir a presença de um filho “ilegítimo” para concorrer aos direitos
sucessórios e desviar o patrimônio da família de sua estrita ligação ao vínculo sanguíneo.[3] Os receios acerca de eventuais problemas na transmissão
de bens decorrentes de herança também obstou o desenvolvimento amplo da adoção enquanto instituto jurídico no Brasil dos séculos XVIII e XIX.

Desta maneira, nasceu a chamada “adoção à brasileira”, que era fato tanto na América Portuguesa quanto no Reino e que perdurou no Brasil: é
a adoção informal.

A viabilidade formal da adoção e o reconhecimento dos efeitos deste ato jurídico no Império Português se deu por obra e conta de uma
construção jurisprudencial, através de elaborada integração do Direito. Os desembargadores portugueses se socorreram de antigas leis e princípios do
Direito Romano para suprir a lacuna e desta forma estabeleceram um dispositivo legítimo para a legalização da adoção de menores: as cartas de adoção ou
ainda cartas de perfilhação[4] e que surgiram, mormente, pela necessidade das famílias acolherem os “filhos de sangue” que eram fruto de
“relacionamentos ilegítimos”.

As cartas de perfilhação tinham natureza de sentença constitutiva e era somente através de sua lavratura no Livros de Legitimação e Perdão ou nos Livros de Ofícios e Mercês pertencentes à documentação das Chancelarias Régias que a adoção
produzia seus efeitos jurídicos.

Tanto na metrópole, como nas colônias, o processo era levado ao conhecimento e instruído junto ao Corregedor Civil de cada comarca
judiciária. Supridas as formalidades legais e requisitos específicos, o Corregedor assentava seu despacho de deferimento e remetia os autos ao Tribunal
do Desembargo do Paço, em Lisboa, para registro nas Chancelarias Régias
.

Segundo a determinação da época, tendo como base reminiscências do Direito Romano, a adoção deveria observar os seguintes requisitos: o adotante ter 50
anos, no mínimo, 14 anos de diferença em relação à idade do adotado; não possuir filhos; ter o consentimento do eventual cônjuge e não ser tutor do
adotado.

A adoção sistematizada através de ordens judiciais e escrituras públicas sobreviveu à independência do Brasil nas cortes nacionais,
mantendo inclusive o procedimento e os requisitos que os magistrados portugueses haviam legado nos tempos de Colônia.

Foi só a partir da vigência do Código Civil de 1916 que o instituto da adoção saiu do vazio normativo (artigos 368 a 378). Os requisitos à
época eram: idade mínima de 50 anos, 18 anos de diferença mínima do adotante para o adotado, estabilidade matrimonial (os adotantes necessariamente
tinham de ser um homem e uma mulher legalmente casados) e ausência de “prole legítima ou legitimada”.

A lei 3.133 de 08/05/1957, reduziu a idade mínima para 30 anos e a diferença de idade entre adotante e adotado para 16 anos. Também aboliu
a exigência do casal adotante não possuir filhos, mas, por outro lado exigiu a comprovação da estabilidade matrimonial (5 anos no mínimo).

Já o Código de Menores (lei 6.697/1979) constituiu um avanço na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, privilegiando seu
bem-estar. Estabeleceu dois sistemas de adoção (plena e simples, em correspondência ao sistema romano) e inovou ao estabelecer, dentre outras coisas: a
perda do vínculo legal da criança com a família biológica após concluído o processo de adoção, a irreversibilidade da mesma e o estágio de convivência.

Antes da Constituição Federal de 1988, em se tratando de sucessão hereditária, o adotante tinha direito a apenas metade do quinhão a que
tinham direito os filhos biológicos, segundo o artigo 1.605 do Código Civil.

O termo final da legislação pátria a tratar da adoção são: o Estatuto da Criança e do Adolescente – lei. 8.069/90 e o Código Civil de 2002,
que ratificaram o entendimento constitucional de plena igualdade entre filhos naturais e adotados, além de se adequarem no sentido de flexibilizar as
requisitos para adoção, incluindo, por exemplo, a possibilidade da pessoa viúva, solteira ou homossexual de adotar.

A adoção por casais homossexuais já encontra guarida em jurisprudências de norte a sul do país; entendemos que, com a equiparação da união
homoafetiva à união estável, por via do STF, recentemente, não há (ou não deveriam haver) mais grandes discussões sobre este tema.

REFERÊNCIAS

GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: Doutrina e Prática Como Abordagem do Novo Código Civil. Curitiba: Juruá, 2008.

MORENO, Alessandra Zorzetto.  “Criando como filho”: as cartas de perfilhação e a adoção no império luso-brasileiro (1765-1822)
Campinas? Cadernos Pagu n. 26 http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332006000100020&script=sci_arttext

CHAVES, Antonio. Adoção internacional. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Direitos de família e do menor. 3. ed. rev. e
ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 261-272.

MONTEIRO, Washington de Barros; Curso de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 42ª edição, 2003

DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil: Direito de Família, São Paulo: Saraiva, 17ª edição, 2002.

WALD, Arnold; Curso de Direito Civil Brasileiro: O Novo Direito de Família, São Paulo: Saraiva, 14ª edição, 2002.

VIEIRA, Jair Lot (Sup. Ed.). Código de Hamurabi: Código de Manu, excertos: livros oitavo e nono: Lei das XII Tábuas. São Paulo:
EDIPRO, 1994. (Série Clássicos).

Notas de rodapé:

[1] MARCILIO, Maria L. História Social da Criança Abandonada. São Paulo, Hucitec, 1998, p.301

2 COSTA, Mario J. A. A Adopção na História do Direito Português. Separata da Revista Portuguesa de História, tomo 12, Coimbra, Tip.
Atlântica, 1965

3 GAGER, Kristin E. Blood Ties and Fictive Ties: adoption and family life in Early Modern France. Princeton: Princeton University Press, 1996.

4 MORENO, Alessandra Zorzetto.  “Criando como filho”: as cartas de perfilhação e a adoção no império luso-brasileiro (1765-1822)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332006000100020&script=sci_arttext

* Guilherme Gouvêa Pícolo, advogado em SP, editor e pós-graduando em Direito CIvil pela PUC-MG

Como citar e referenciar este artigo:
PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Precedentes Históricos da Adoção no Sistema Luso-Brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/precedentes-historicos-da-adocao-no-sistema-luso-brasileiro/ Acesso em: 28 mar. 2024