Direito Civil

Da Ação Revisional de Contrato Bancário

Da Ação Revisional de Contrato Bancário

 

 

Tiago Augusto de Macedo Binati *

 

 

Paulatinamente o tema aqui proposto vem ganhando espaço nos Tribunais do nosso país. Uma enxurrada de ações revisionais são diariamente distribuídas visando obstar os abusos frequentemente cometidos por instituições financeiras, que cobram juros além do permissivo legal (para não dizer extorsivos), tarifas bancárias, produtos bancários, encargos, juros capitalizados, comissão de permanência, etc., e muitas das vezes, sem qualquer respaldo contratual ou jurídico.

 

Através da ação revisional, o correntista lesado pode se insurgir contra o contrato supostamente firmado no escopo de que este seja analisado à luz do ordenamento jurídico vigente, em especial pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990.

 

Com o advento do Novo Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, vários princípios contratuais foram revistos, e alguns deles, relativizados, como o princípio da pacta sunt servanda, da boa-fé contratual e o da função social do contrato.

 

Este singelo trabalho, visa elucidar alguns questões comumente sem resposta à consumidores e operadores do direito, sem qualquer pretensão de esgotar o tema que é por demais complexo.

 

 

1.         Da Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras

 

Por muito tempo a questão da aplicabilidade ou não do CDC às instituições financeiras foi amplamente discutida, sendo que os julgados de nossos tribunais, não raras vezes, apresentavam julgados discrepantes ante uma mesma situação lançada ao crivo do Poder Judiciário.

 

Porém, hodiernamente, inquestionável é a aplicabilidade do referido Codex aos contratos bancários, em especial, após a edição da Súmula 297 pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim determina:

 

Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 

 

 

Inclusive, o extinto Tribunal de Alçada do Paraná, já havia editado um enunciado tratando do tema, porém, só tomou força após a edição da súmula acima transcrita. Apenas a título de informação, vejamos o que dispunha o Enunciado n.º 5 do TAPR:

 

“As instituições financeiras, como prestadoras de serviços, especialmente contempladas no art. 3º, §2º, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor”.

 

Quando a questão é deduzida por pessoa física, indiscutível a aplicação do micro-sistema de proteção ao consumidor. Porém, situação diversa vislumbramos quando o correntista é pessoa jurídica.

 

Os bancos, no claro propósito de afastar a aplicação do CDC aos contratos bancários firmados com pessoas jurídicas, frequentemente avocam a tese de que estas não são destinatárias finais do serviço bancário, e por essa razão, não há efetiva relação de consumo e conseqüente aplicação do CDC.

 

Os que defendem tal tese, sustentam que por meio dos empréstimos cedidos pelos bancos, as empresas obtêm meios para aquisição de bens de consumo, sendo, portanto, consumidoras intermediárias, visto que com o crédito obtido junto às Instituições Financeiras, as empresas têm maior capacidade de gerir suas atividades.

 

Porém, a meu ver, saber se o crédito discutido mediante ação revisional foi ou não obtido para consumo final favorecendo o ciclo de produção empresarial, é quase uma atividade sobrenatural, pela dificuldade da identificação dos lançamentos e destinação do crédito disponível.

 

Irrelevante o fato de o contratante ser pessoa jurídica, pois o instrumento foi celebrado na modalidade de adesão, estando o aderente enquadrado na categoria consumidor por equiparação, ainda que pessoa jurídica, na forma do art. 29 do CDC.

 

A jurisprudência de nossos tribunais vem se sedimentando no sentido de aplicar o CDC a toda e qualquer relação bancária, independente de o aderente ser pessoa física ou jurídica.

 

Porém, o principal benefício introduzido pelo Código de Defesa do Consumidor, é, sem dúvida, a possibilidade de se obter a inversão do ônus da prova, ou seja, inverte-se a regra geral insculpida no art. 333 do CPC, repassando tal ônus à instituição ré, que deverá comprovar a licitude dos lançamentos efetuados, confrontando-os com os contratos porventura existentes.

 

Assim, frente ao poder econômico do fornecedor e a hipossuficiência do consumidor, assegurou, o legislador pátrio, a facilitação deste na defesa dos seus direitos, e isso, por meio do disposto no artigo 6°, VIII, do CDC, que estabelece a inversão do ônus probandi para compelir o fornecedor à produção de provas contrárias às afirmações do consumidor.

  

A Jurisprudência já consagrou a inversão do ônus da prova, especialmente quando se está demandando contra instituição financeira que, conforme é cediço detém o monopólio das informações e de documentos acerca da questão controvertida.

 

 

2.         Do Cabimento da Ação Revisional

 

Como é sabido, os contratos bancários são contratos de adesão, ou seja, não permitem ao correntista alteração de cláusulas e modificação de conteúdo, cabendo unicamente aceitá-lo ou não.

 

Porém, mesmo após a assinatura desses contratos, é possível pleitear a revisão dos mesmos em juízo, visto que na grande maioria das vezes, os contratos elaborados por instituições financeiras são repletos de cláusulas potestativas abusivas, capciosas, que podem ser declaradas nulas em juízo, inclusive, de ofício pelo magistrado, visto tratar-se de matéria de ordem pública.

 

A ação revisional, como o próprio nome sugere, visa revisar o contrato firmado entre o consumidor/correntista e a instituição financeira, valendo-se de autorização expressa do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, que outorgam ao consumidor o direito de questionar em juízo as cláusulas que regem o negócio havido com a Instituição Financeira.

 

Primeiramente, a fim de facilitar a absorção do tema proposto, vejamos o exato significado da palavra revisão, derivada do latim revisione, conforme o Dicionário Aurélio:

 

Revisão. 1. Ato ou efeito de rever. 2. Novo exame. 3. Nova leitura. 4. Análise de uma lei ou decreto com o fim de o reformar, retificar ou anular. 5. Tip. Técnica, ato ou efeito de rever ou revisar. […]

 

Assim, percebe-se que “revisar” tem como pressuposto, ver novamente, rever, discutir um determinado objeto, que, no caso, é o contrato firmado entre o correntista e o Banco.

 

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, ao dispor sobre os direitos básicos do consumidor, inseriu em tal rol, a possibilidade de se modificar ou revisar cláusulas contratuais calcadas em onerosidade excessiva, conforme exatos termos do artigo abaixo transcrito:

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[…]

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

 

Assim, peguemos como exemplo um contrato onde a Instituição Financeira está autorizada a lançar a débito em conta corrente, juros de 5% ao mês e multa de 2% pelo uso do cheque especial – limite bancário. Se no decorrer da execução do contrato o consumidor se sentir lesado pelo lançamento de juros ou encargos além do disposto em contrato, evidente que é lícito e prudente que ingresse em juízo discutindo os lançamentos efetuados em conta corrente.

 

Na labuta diária, porém, percebe-se que não raras vezes os bancos lançam juros mensais que alcançam valores absurdos, exorbitantes e desproporcionais, que nada condizem com o disposto em contrato, e isso, quando há contrato.

 

Quando se fala em revisão de contratos, a autonomia da vontade não pode ser admitida como dogma, mas sim, avaliada em conjunto com os princípios contratuais, entre eles, a boa-fé objetiva e pacta sunt servanda.

 

Nesse sentido, vale dizer que a boa-fé objetiva, defendida pelo novo código civil e aplicada em todo ordenamento jurídico, guarda estrita relação com critérios éticos e de equidade, determinando normas de conduta que devem traçar o comportamento das partes.

 

   A boa-fé objetiva teve seu conceito advindo do Código Civil Alemão, que em seu parágrafo 242 já determinava um modelo de conduta. Cada pessoa deve agir como homem reto: com honestidade, lealdade e probidade. Levam-se em conta os fatores concretos do caso, não sendo preponderante a intenção das partes, a consciência individual da lesão ao direito alheio ou da regra jurídica. O importante é o padrão objetivo de conduta.

 

   Segundo Ruy Rosado de Aguiar, podemos definir boa-fé como “um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avenca”.

 

Ora, impossível se falar em ferimento ao princípio da boa-fé objetiva quando se procura respeitar o principio da dignidade da pessoa humana, afastando os abusos ocorridos em conta corrente, e ainda, o princípio da legalidade, afastando situações que são contrárias a legislação, entre outros princípios, como a função social do contrato.

 

Aliás, referente ao pacta sunt servanda, este não pode ser considerado óbice à pretensão revisional. Houve uma relativização do citado princípio pregada com o advento do novo Código Civil, visto que Código de 1916  levava ao extremo a autonomia de vontade sobre os reais fins visados pelo contrato. Hodiernamente, prevalece o entendimento de que, mesmo demonstrando autonomia de vontade, os contratos devem ser limitados, não podendo trazer benefícios em demasia à uma das partes condenando a outra a um encargo excessivo.

 

Desta forma, fica ao critério do correntista insurgir-se contra os abusos cometidos pelos Bancos, ou quedar-se inerte e passar uma vida pagando juros indevidos e desarrazoados.

 

Vale salientar, ainda, que em se tratando de ação de cunho pessoal, o prazo prescricional que era vintenário sob a égide do Código Civil revogado (arts. 177 e 179), passou a ser decenal com o advento do atual Código Civil.

 

 

3.         Das Cláusulas Potestativas

 

                     Muito comum em contratos bancários, que como já dito, são firmados por adesão, evidenciar-se inúmeras cláusulas abusivas e desproporcionais, que colocam o consumidor em nítida desvantagem em face da Instituição Financeira.

 

                     Tais cláusulas, consideradas potestativas, unilaterais, devem ser reputadas nulas por sentença, de modo a restabelecer o equilíbrio contratual, não deixando o consumidor/correntista, como verdadeira marionete nas mãos dos bancos. 

 

                     Importante salientar no que tange a nulidade de cláusula contratual por ofensa ao CDC, que esta pode ser declarada nula de ofício, ou seja, sem necessidade de pedido expresso. 

 

                     O CDC é claro ao traçar a conduta ética que deve ser tomada pelo fornecedor de um serviço, vedando, inclusive, a existência de cláusulas abusivas em contratos, conforme artigos que valem ser analisados abaixo:

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

[…]

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

 

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[…]

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[…]

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

[…]

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

[…]

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

[…]

§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

 

O artigo 52 do estatuto consumerista, por sua vez, trata exatamente do fornecimento de crédito ou concessão de financiamento, onde o fornecedor deverá observar algumas exigências legais, arroladas no citado artigo 52, a saber:

 

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III – acréscimos legalmente previstos;

IV – número e periodicidade das prestações;

V – soma total a pagar, com e sem financiamento.

§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.(Redação dada pela Lei nº 9.298, de 1º.8.1996)

§ 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.

§ 3º (Vetado).

 

Iguais disposições são encontradas no Código Civil, que também veda a existência de cláusulas potestativas.

 

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

 

Desta forma, valendo-se da Ação Revisional, o correntista poderá requerer a nulidade das cláusulas inseridas em contrato que lhe acarretem onerosidade excessiva e conseqüente benefício em demasia ao banco.

 

 

4.         Dos Juros

 

Chegamos ao tema mais tortuoso que envolve a Ação Revisional de Contrato Bancário.

 

O revogado Art. 192, §3º, da Constituição Federal, antes das mudanças inseridas pela Emenda Constitucional n.º 40 de 19 de maio de 2003, assim dispunha:

 

Art. 192. […]

§3º – As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punindo, em todas as modalidades, nos termos que a lei determinar.

 

O que causou a revogação do artigo acima transcrito, além de interesses alheios, foi justamente a necessidade de uma lei complementar que regulamentasse o citado artigo, visto ser uma norma de eficácia limitada, ou seja, que dependia da edição de uma nova lei que o tornasse auto-aplicável.

 

Assim, quanto a cobrança de juros superiores a 12% ao ano, a discussão sobre a auto-aplicabilidade do Art. 192, §3º, da CF, perdeu seu objeto ante a revogação de referida norma. Não bastando isso, o Excelso Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 648, firmando a tese de que aquela norma não era auto-aplicável.

 

Também o Decreto n.º 22.626/33, conhecido como Lei da Usura, não se aplicam às instituições financeiras, conforme Súmula 596 do STF.

 

Partindo desse pressuposto, o STJ tem entendimento assente de que com o advento da Lei n.º 4.595/64, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, e criou o Conselho Monetário Nacional, as limitações insculpidas pelo Decreto n.º 22.626/33 não se aplicam aos contratos celebrados com instituições financeiras no que tange a limitação de juros em 12% ao ano.

 

Mas ainda assim, a cobrança de juros abusivos continua defesa em nosso ordenamento jurídico, em especial pelas disposições do CDC. Porém, não bastam meras alegações de abusividade. Estas devem ser efetivamente demonstradas ante um caso concreto, com a devida fundamentação e respaldo jurídico e técnico, que muitas vezes se manifesta através de parecer de assessor pericial, de forma que reste claro que as taxas que incidiram sobre a conta corrente em análise, discreparam consideravelmente do disposto em contrato ou da média de mercado.

 

Mesmo com a edição de Súmulas que regulamentam a matéria, tanto pelo STJ como pelo STF, os mais diversos tribunais do país têm sido praticamente unânimes no sentido de que, na ausência de contrato válido nos autos, ou seja, nos casos em que a instituição financeira não apresenta o contrato em contestação, os juros devem ser recalculados tendo por parâmetro a máxima de 12% ao ano.

 

Os juros também devem ficar neste patamar, nos casos em que, mesmo apresentando o contrato regularmente firmado entre as partes, se mostra facilmente perceptível a abusividade na cláusula que o regulamenta, como em contratos em que as instituições financeiras dispõem que “os juros serão computados conforme a média de mercado”.

 

Ora, citada cláusula nada mais é do que uma “carta branca” maliciosamente obtida pelo banco para lançar juros em conta ao seu talante. Assim, evidente tratar-se de cláusula capciosa, leonina, que deve ser considerada nula, permitindo o expurgo dos juros excessivamente cobrados em conta ante o recálculo financeiro e posterior repetição do indébito.

 

Desta forma, não havendo contrato válido nos autos, ou nos casos em que a cláusula que regulamenta os juros for considerada leonina, deve prevalecer a taxa legal, que, conforme disposição do art. 406 do Código Civil, é de 1% ao mês, prevista no art. 161, §1º, CTN.

 

Há como se aferir, inclusive, a nulidade de contratos de empréstimo firmados com a instituição financeira, se restar evidenciado que os mesmos foram feitos para saldarem débito em conta corrente, já viciado há longa data por lançamentos indevidos de juros, encargos e tarifas bancárias.

 

 

5.         Da possibilidade de requerer a instituição requerida contratos e extratos mediante exibição de documentos

 

Dificuldade comumente enfrentada em ações revisionais, é a obtenção de documentos que possibilitem a discussão dos valores cobrados pelas instituições financeiras e conseqüente deferimento do pedido postulado em juízo. 

 

Entre tais documentos, estão os contratos firmados entre o correntista e o banco, dos quais os correntistas raramente têm acesso, e os extratos da conta corrente durante os longos períodos de movimentação financeira.

 

Ressalte-se que as instituições financeiras têm a obrigação de conservar referidos documentos pelo prazo prescricional, nos termos do Artigo 18 do Dec. 1.799/96, que proclama:

 

Os microfilmes originais e os filmes cópias resultantes de microfilmagem de documentos sujeitos à fiscalização, ou necessários à prestação de contas, deverão ser mantidos pelos prazos de prescrição a que estariam sujeitos respectivos originais.

 

Assim, ante a dificuldade de obter os documentos que justifiquem a procedência da pretensão aduzida em juízo, há a possibilidade de se postular pedido de exibição de documentos fulcrado no Art. 355 do Código de Processo Civil, inclusive, sob pena de serem reputados verdadeiros os fatos alegados pelo autor da ação e que se provariam com a exibição de tais documentos, conforme dispõe o Art. 359 do citado diploma processual civil.

 

Tendo em vista a obrigatoriedade de guarda dos documentos pelo prazo prescricional, a recusa na exibição dos mesmos não é admitida, conforme redação do art. 358, CPC, sendo que na falta dos documentos, indispensáveis a fiel solução da lide, o magistrado deverá ordenar o recálculo da conta corrente desde a sua abertura, com a cobrança de juros limitados em 12% ao ano, e isso, justamente pela falta de previsão contratual.

 

Na prática, na grande maioria das vezes, as instituições financeiras anexam aos autos os extratos de toda movimentação financeira do autor da ação, deixando de apresentar os contratos que justificariam todos os lançamentos discutidos através da ação revisional, ou então, apresentam contrato de adesão repleto de cláusulas nulas e que não podem espelhar a realidade dos fatos.

 

 

6. Da Repetição do Indébito – Apuração do quantum

 

Evidente que de nada adiantaria a propositura de uma ação revisional de contrato bancário, se o propósito final não fosse reaver tudo que foi pago a maior durante o período de movimentação financeira.

 

Por esta razão, imprescindível postular pedido de repetição do indébito, sendo que com a procedência da ação, em fase de liquidação de sentença, ante o recálculo da conta, expurgando-se as cobranças indevidas, apurar-se-á o valor real a ser restituído ao correntista.

 

Há casos, porém, em que não há a efetiva repetição do indébito, mas sim, uma compensação com débitos ainda existentes junto à instituição financeira, como cédulas de crédito rural hipotecária, por exemplo.

 

No que tange a repetição do indébito, instituto intimamente ligado com a vedação ao enriquecimento sem causa, tem previsão no art. 876 do Código Civil, bem como, no art. 42, parágrafo único, do CDC, que determina que o consumidor cobrado em quantia indevida, tem direito à repetição do indébito em dobro do que pagou em excesso, ressalvando-se hipótese de engano justificável.

 

Ora, nítida a intenção punitiva do legislador, que, na tentativa de coibir abusos em desfavor dos consumidores, determinou que tudo que fora pago a maior deve ser restituído, devidamente corrigido e em dobro.

 

Nossos Tribunais têm apresentado certa resistência em aplicar o citado parágrafo único do artigo 42 do CDC, alegando em diversos julgados que não houve prova do dolo na cobrança indevida. Porém, alguns julgados, poucos é verdade, em especial do Tribunal de Justiça do Paraná, vêm acolhendo a aplicabilidade da referida norma, em especial sobre a capitalização de juros cobrados a maior, sob a alegação de que não há o que justifique cobranças abusivas neste âmbito, sem qualquer respaldo contratual ou jurídico, por parte de instituições financeiras, ainda mais por ser, tal atitude, vergastada há longa data pelo ordenamento jurídico, visto ser objeto de lei desde 1933, e de conclusão sumulada pelo STF há mais de quarenta anos.

 

A ilegalidade nas cobranças é de evidente má-fé, não sendo possível à instituição financeira justificar o injustificável, até por não poder alegar ignorância ou errada compreensão das normas que regem seu negócio.

 

Ainda, o art. 877 do Código Civil, que dispõe ser de quem pagou o indevido o ônus de provar tê-lo feito por erro, não constitui óbice à pretensão de repetição do indébito, ainda mais após a edição da Súmula 322 do STJ que determina, expressamente, ser desnecessária a prova do erro na repetição do indébito nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente.

 

Assim, verificando-se saldo credor ao correntista, a repetição do indébito é medida que se impõe, e, no meu particular entendimento, sempre na forma dobrada.

 

 

7.         Conclusão

 

Ante as inúmeras cobranças abusivas não raramente ofertadas pelas instituições financeiras, bem como, pelo corriqueiro endividamento de correntistas que necessitam utilizar o limite disponível em conta corrente, aliado ao entendimento já pacificado pelos Egrégios Tribunais do país, mostra-se, a Ação de Revisão Contratual, verdadeira arma legal a ser utilizado pelo consumidor na defesa de seus direitos.

 

Os lucros anualmente apresentados pelos bancos, batendo recorde em cima de recordes, talvez se justifiquem pela má gerência das movimentações financeiras dos correntistas, bem como, pela conhecida pressão exercida sobre os funcionários dos bancos no cumprimento de metas, que certamente, ainda que de maneira indireta, inflam os saldos devedores em conta corrente por todo o país.

 

Assim, cabe a nós, operadores do direito, valer-nos dos ditames legais, com parcimônia e responsabilidade, no escopo de restabelecer o almejado equilíbrio contratual nas relações entre correntista e instituição financeira, não permitindo o aumento arbitrário dos lucros em face do endividamento coletivo.

 

 

 

* Advogado, membro de escritório Angeli & Junqueira Advogados Associados sediado em Maringá-PR, pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
BINATI, Tiago Augusto de Macedo. Da Ação Revisional de Contrato Bancário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/da-acao-revisional-de-contrato-bancario/ Acesso em: 29 mar. 2024