Direito Civil

Comentários ao art. 5º do anteprojeto do Estatuto dos Concubinos

Comentários ao art. 5º do anteprojeto do Estatuto dos Concubinos

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Art. 5º – Nos instrumentos que vierem a firmar com terceiros, os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade  do bem objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses dos terceiros de boa-fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e danos entre os companheiros e aplicando-se as sanções penais cabíveis.

 

Esse artigo do novo anteprojeto de lei é inovador comparando-se com as leis anteriores que regulamentam a união estável. Nenhum outro texto, nem o da Lei nº 8.971/94 ou o da Lei nº 9.278/96, traz referências a respeito das relações negociais dos companheiros com terceiros.

 

Primeiramente, claro está o interesse em proteger as relações jurídicas entretidas com terceiros de boa-fé, indivíduos que agem lealmente ou mesmo na ignorância de situações contrárias ao Direito. Tornando obrigatória a declaração da existência da união livre para firmar contratos e impondo penalidades em caso de seu não-cumprimento, pretende o legislador evitar conluios que possam vir a prejudicar as partes envolvidas.

 

Apesar de, em um primeiro momento, parecer salutar a preocupação do legislador, acaba o dispositivo por deixar absolutamente desprotegido o convivente que não se envolveu na transação. Necessário lembrar que, como normalmente é a mulher a parte economicamente mais fraca da relação, não mantendo a titularidade dos bens, é ela que termina por ficar em situação desastrosa.

 

Se a existência da união estável leva ao estado condominial do patrimônio adquirido em sua constância, a impossibilidade do desfazimento da alienação de bem feita somente por um dos co-proprietários, além de gerar uma total injustiça, outorga representatividade de um proprietário em relação ao outro.  Provavelmente esse dispositivo do anteprojeto é o que vinca o mais diferenciado tratamento entre a união estável e o casamento, pois as relações matrimoniais estão protegidas pelo artigo 3º da Lei nº 4.121/62, chamado Estatuto da Mulher Casada, que resguarda o patrimônio do cônjuge que não assumiu o débito.

 

Assim como posto o tema, resta subtraída, inclusive, a possibilidade do uso dos embargos de terceiro para a defesa da posse, conforme faculta o § 1º do art.1.046 do CPC.

 

A previsão da parte final do dispositivo – “…aplicando-se as sanções penais cabíveis” -, caso haja omissão ou falsas declarações dos companheiros nos instrumentos firmados, não cria nenhum tipo penal, sendo que a sanção que melhor se enquadraria ao caso seria o crime previsto no artigo 299 do CP, pois aquele que omite determinada condição considerada essencial para a efetivação plena e eficaz de acordo comete o crime de falsidade ideológica.

 

De outro lado, se houver omissão preexistente para alcançar vantagem ilícita, poder-se-á verificar o crime de estelionato posto no  art. 171 do CP.

 

No entanto, tratando-se, ambos, de delitos de ação pública incondicionada, despicienda previsão legal para se verificar sua ocorrência.

 

Assim, e observando-se as deficiências redacionais do dispositivo, pois refere-se a instrumentos que vierem a firmar com terceiros, bem como a falta de justificativa da necessidade de ser indicada a titularidade do bem de negociação, a melhor forma de se regrarem as relações negociais dos companheiros com terceiros seria simplesmente mediante a supressão do indigitado dispositivo do anteprojeto.

 

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Comentários ao art. 5º do anteprojeto do Estatuto dos Concubinos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 1996. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/comentarios-ao-art-5o-do-anteprojeto-do-estatuto-dos-concubinos/ Acesso em: 25 abr. 2024