Direito Civil

Ação de despejo por falta de pagamento: nota sobre a formulação de reconvenção pugnando indenização por danos

I                A ação de despejo por falta de pagamento.

As ações locatícias são reguladas conforme a Lei n. 8245/91, cujo art. 58 disciplina as características gerais das demandas, tais como o curso durante
as férias forenses, a competência, o valor a ser atribuído à causa, a possibilidade de citação através de meios mais elásticos, o efeito de recursos
interpostos diante de sentenças.

Essa lei especial, aplicável às locações imobiliárias urbanas, regulou a par das ações de despejo, as ações de consignação de aluguel e de acessórios
da locação, as ações renovatórias e as revisionais.

Novidade alguma existe na circunstância de ter, a lei de locações, cuidado de temas processuais, sendo mantidas residualmente as disposições do Código
de Processo Civil. Já a legislação anterior o fazia e a vivência somente mostrou bons frutos no regramento das formas que permitem a exata
concretização do direito positivo. Bem por isso a relativa tranqüilidade na operação das ações judiciais locatícias, mormente se comparada com as
armadilhas encontradiças na legislação processual geral.

A Lei n. 8.245/91 fixou procedimento específico para a ação de despejo por falta de pagamento no seu artigo 62, incluída a possibilidade de cumulação
de pedido de cobrança dos aluguéis e encargos locatícios inadimplidos, ao requerimento de rescisão da locação. Desde a vigência da Lei n. 12.112/09, em
vigor 45 dias após a sua edição (10/12/2009) a pretensão à cobrança pode ser manejada também ante os fiadores.

O objeto (art. 62, da Lei n. 8.245/91) da “ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança” é claro e decorre da lei, que fixou
procedimento especial: a rescisão da locação por falta de pagamento, a cobrança do valor devido a título de aluguel e encargos locatícios.

Somente este é o escopo da ação de despejo por falta de pagamento, sublinhe-se. Assim não fora e difícil seria imaginar o curso do processo com a
velocidade e a simplicidade impostas pela lei.

A tal ponto especifico é o procedimento legal, que mereceu tratamento único no aludido art. 62, inconfundível com os demais procedimentos previstos na
própria Lei Especial das Locações, que se preocupou no disciplinar, uma a uma, as ações pertinentes a cada uma das situações locatícias.

Em suma, nessa modalidade de ação judicial ou o locatário paga (purga a mora) ou prova que já pagara o valor ajuizado. Mais, não se debate em tal sede
processual.

Minuciosamente a lei previu: (i) para evitar a rescisão da locação, os devedores precisarão pagar sem aguardar qualquer cálculo, que é incumbência
deles (art. 62 – II); (ii) exige-se a liquidação de todos os importes vencidos até a efetivação do pagamento e não somente dos contados na inicial da
ação (art, 62 – II – “a”); (iii) o pagamento abarca – sempre incumbido o devedor dos cálculos – até mesmo as custas despendidas e os honorários
advocatícios, além dos juros e das multas; (iv) eventual purga incompleta renderá o despejo (art. 62 – IV); (v) mesmo a possibilidade da purgação da
mora é limitada (art. 62 – parágrafo único[1]); (vi) por ilustração, sequer a multa contratual[2] compensatória poderia ser incluída no pleito,
exatamente por escapar dos parâmetros dessa ação específica, sempre recordada a rigidez que caracteriza o procedimento civil brasileiro.

Como se nota, a “ação de despejo por falta de pagamento” mereceu do legislador regra peculiar e exata, sendo almejada no direito positivo a estrita
observância do locatário ao dever de adimplir, a ponto de – maior rigor é impossível – quando não estiver a locação provida por qualquer das garantias
locatícias (art. 37), ser previsto o despejo liminar, pelo artigo 59 – IX, conforme acréscimo feito pela Lei 12.112/09.

II               Contornos da reconvenção.

Com brevidade devem ser resgatadas certas peculiaridades relativas à reconvenção, prevista no art. 315, do Código de Processo Civil, restrita às
situações em que estampar pedido conexo com o da ação principal ou com o fundamento da defesa. É primordial a consonância perfeita dos temas da ação e
da reconvenção.

Este aspecto é essencial: a base direta da reconvenção há de ser simétrica, harmônica, à da ação, sob pena de findarem formuladas reconvenções a torto
e a direito, pois afinal nos processos judiciais sempre se buscará – ou se dirá buscar – um direito, o que admitiria reconvenções em quaisquer
situações, objetivo jamais traçado pela lei processual.

Necessário averiguar a admissibilidade da pretensão reconvencional diante do procedimento que lastreia a ação, respeitando-se assim as características
que a lei imponha à modalidade. E a razão é simples e prática: se a lei confere determinado procedimento e devendo a reconvenção alcançar deslinde
simultâneo ao da ação, tal jamais ocorreria se para a ação se emprestar um procedimento e para a reconvenção, outro.

O sistema processual brasileiro é severo, construído para que de determinada maneira seja alcançado o Direito de forma eficaz e econômica (ao menos em
tese, o sabem os operadores). Por isso a especialidade prevista para a formulação de algumas pretensões, tais como a de prestação de contas, a
possessória, a pertinente ao elenco do art. 275 do CPC (malgrado componham o procedimento comum, a respectiva natureza ou o valor norteiam a observação
do procedimento sumário, do qual o procedimento ordinário é supletivo), a de despejo devido à falta de pagamento, exemplificativamente.  Em coerência,
cumprirá averiguar a adequação da pretensão reconvencional ao procedimento imposto à ação.

Há de ser assinalado que a reconvenção deve atender as condições da ação, que devem ser cumpridas por qualquer petição inicial e, por isso, deve ser
destacada a situação em que a contestação já cumpra ou possa cumprir o objetivo posto na reconvenção, a tornar esta desnecessária.

III              Reconvenção pleiteando indenização em ação de despejo por falta de pagamento.

Pois bem. A solidez do procedimento conferido às ações de despejo por falta de pagamento não abre espaço à formulação de reconvenção que almeje
indenização por danos.

Tampouco seria admissível a cobrança de indenização pelo Locador nesta sede. A se pensar inversamente, isto é, a se querer que diante de danos no
imóvel, fossem o locatário e o fiador impelidos ao pagamento imediato (malgrado ilíquido e incerto o importe a tal título perseguido, mesmo se provados
os danos e a responsabilidade), como se enfrentaria a obviamente difícil mensuração da indenização? Seria impossível e findaria obstado o objeto único
focado na especial ação de despejo por inadimplemento dos aluguéis e dos encargos.

A propósito da dificuldade de apurar-se o valor da indenização em questão locatícia, “
Considerando que, por razões contratuais, a integridade física do imóvel sempre foi responsabilidade da ré, deve a mesma responder pelos danos
materiais causados em virtude de incêndio desencadeado por irregularidades na sua rede elétrica. O valor da indenização, conforme bem salientado
pela r. sentença hostilizada, deve ser aferido em sede de liquidação de sentença, porquanto os valores apresentados na exordial foram amplamente
impugnados pela parte contrária, não se sabendo ao certo, pelos elementos dos autos, se todos os equipamentos foram de fato avariados por ocasião
do sinistro. Serão ressarcidos por inteiro pela ré”,
em ilustrativa decisão relatada pelo Desembargador Norival Oliva[3], remetendo a aferição do valor da indenização à fase de liquidação de sentença,
cujo termo final efetivo (livre das pendências inerentes à eventualmente cabível execução provisória) se dá em oportunidade muito longínqua, somente
após a sentença transitar em julgado.

A razão de não ser possível que o locador veicule pedido de indenização por danos em ação de despejo por falta de pagamento é clara: a questão jamais
seria solvida através do procedimento específico a tais ações, tampouco sendo viável a solução rápida outorgada à situação de singelo inadimplemento de
alugueis e encargos locatícios. Impossível para o locador, igualmente impossível para o locatário, pela mesma motivação.

É suficiente comparar a cronologia dos passos previstos pela lei para o desenvolvimento da ação de despejo por falta de pagamento (por exemplo, note-se
a rapidez impressa à purga da mora, independente da espera de cálculo) com o procedimento de liquidação de decisão condenatória por danos, para
robustecer esta conclusão.

Mostra-se pacífica a jurisprudência, rechaçando reconvenções nas quais se tenha agitado pretensão à indenização por “ danos sofridos pelas más condições de uso do imóvel”, porquanto “
inadmissível em ação de despejo por falta de pagamento, uma vez que, mesmo que aceita e julgada procedente, jamais poderia retroagir para alcançar
e elidir a mora
” no dizer da Desembargadora Cristina Zucchi[4], erigindo a desarmonia das pretensões e o resultado do manejo, inábil à elisão da mora, como vedação à
reconvenção.

Proclamando o respeito à rigidez sistematizada no nosso direito processual, se julgou que “
a ação de despejo é de rito especial, somente admitindo reconvenção quando o pedido do reconvinte guarde alguma relação com a causa de pedir e o
pedido principal, não vislumbrada no caso concreto. Com efeito, o pedido de indenização por danos morais não guarda qualquer identidade com a causa
de pedir fundada no inadimplemento da locatária…
”, nas palavras do Desembargador Emanuel Oliveira[5], que não descurou da essencialidade da consonância das causas de pedir.

Realmente: não se mescla o objeto da ação de despejo por falta de pagamento (exatamente o que o nome comunica – cobrar valor certo, vencido e avençado
ou despejar o imóvel) com o objeto de perceber indenização, seja por danos materiais, seja por danos morais, em favor de qualquer dos contratantes.

Portanto, em ações de despejo por falta de pagamento não se abre oportunidade para a formulação reconvencional pleiteando indenização, pela estreiteza
das balizas dessa especialíssima ação judicial, o que de modo algum impede, é evidente, contestação ou a postulação que o locatário entender
conveniente, através de demanda autônoma.

E esta assertiva se baseia na atenção à rigidez do sistema processual; na verificação do escopo singelo da ação de despejo por falta de pagamento,
fixado com parâmetros tão restritos precisamente para permitir a agilidade judicial exigida pela sociedade, objetivo que findaria afastado se admitidas
discussões e análises árduas que cercam as pretensões de indenização por danos; na necessidade de harmonia do esteio da reconvenção e da ação.

* Jaques Bushatsky, Advogado em São Paulo

Notas de rodapé:

[1]  Na redação trazida pela Lei 12.112, de 09/12/2009.

[2]  “(…) Em ação decorrente de falta de pagamento de alugueres, quando há previsão contratual da cobrança de multa moratória e multa compensatória,
apenas a primeira pode ser cobrada, sendo vedada a cumulação – Apelação parcialmente provida. (g.n.) (Apelação 992090770543, 36º Câmara, julgamento:
26/11/2009, relator Desembargador Romeu Ricupero).

[3]  TJSP, APELAÇÃO COM REVISÃO 992.07.031568-9(1.129.124/9-00), 26ª Câmara,  julgamento: 09 03 2010, relator Desembargador Norival Oliva.

[4]  TJSP, apelação 739.880-0/7, 34ª Câmara, relatora Desembargadora Cristina Zucchi.

[5] TJSP, apelação 1065260.003, 34ª Câmara, julgamento: 14/05/2008, relator Desembargador Emanuel Oliveira.

Como citar e referenciar este artigo:
BUSHATSKY, Jaques. Ação de despejo por falta de pagamento: nota sobre a formulação de reconvenção pugnando indenização por danos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/acao-de-despejo-por-falta-de-pagamento-nota-sobre-a-formulacao-de-reconvencao-pugnando-indenizacao-por-danos/ Acesso em: 19 abr. 2024