Direito Civil

Investigação de Paternidade e Exame de DNA

 

a) Conceito Família

 

                O Direito utiliza-se da expressão “família”, em sentido amplo, para dizer respeito às pessoas que se uniram afetivamente e aos parentes de cada uma delas entre si.

Já em sentido restrito, entende por família tão somente o conjunto de pessoas unidas afetivamente, pelo casamento ou união estavel e sua eventual prole.

 

                Por certo a relação familiar diz respeito a interesses particulares e está incluída na estrutura do Direito Civil porque o interesse fundamentalmente presente diz respeito, essencialmente, à pessoa humana. [1]            

 

O pluralismo das entidades familiares encontram respaldo legal, conforme lemos no art. 226, caput da CF/88:

 

“A família, base da sociedade , tem especial proteção do Estado”.

 

Entendendo a família como um todo, surge as relações de parentesco, independentes de serem de origem casamentária ou não, pois há parentes consanguineos e parentes ligados não pelo biológico mas sim pelo afeto.

 

                O vínculo de parentesco é formado através de linhas retas e colaterais. Conforme art. 1591  e art.1592 ambos do Código Civil, as linhas retas são aquelas formadas através das pessoas que estão em relação de ascendente e descendente, as linhas colaterais são aquelas que tem um ascendente em linha reta comum e é contado até o quarto grau. A contagem é feita pelo número de gerações.

 

                Uma vez reconhecido o parentesco, decorrerão inúmeros efeitos jurídicos.

 

                Por isso, conhecer com exatidão as relações de parentesco é de “suma importância, porque delas resultam direitos, obrigações e restrições”.[2]            

 

                Dispõe o texto legal, em seu art. 1593 do Código Civil:

 

                “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”.

 

                O parentesco é natural ou civil, “sob o prisma legal não pode haver diferença entre parentesco natural ou civil, especialmente quanto à igualdade de direitos e proibição de discriminação. Devem todos ser chamados apenas de parentes”.[3]

 

                Civil é o parentesco fundado nas relações que não possuem vínculo biológico, como no caso das adoções.

 

                Natural também é chamado de consangüíneo, que é o parentesco estabelecido entre pessoas ligadas por vínculo biológico.

 

                A partir disso é possível entendermos a filiação como um dos mecanismos de formação familiar, e como uma forma de realização plena e de valorização da pessoa humana.

 

                “É considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade ou maternidade”. [4]            

 

                Assim a filiação vai desde a origem genética até a convivência sócio-afetiva, e leva a três critérios para determiná-la:

 

                1) Critério legal ou jurídico, fundado em uma presunção relativa imposta pelo legislador em circunstancias previamente indicadas no texto legal;

 

                2) Critério biológico, centrado na determinação do vínculo genético, contando, contemporaneamente, com a colaboração e certeza científica do exame DNA;

 

                3) Critério sócio-afetivo, estabelecido pelo laço de afeto que se forma entre determinadas pessoas.

 

               

b) Presunção paternidade

 

                Entendendo a relação de parentesco e de filiação, abordemos a presunção de paternidade.

 

                O art.1597, Código Civil, traz quais os tipos de presunção de paternidade quando houver casamento:

                Inciso I: “os filhos nascidos pelo menos 180 dias após ter sido estabelecida a convivência conjugal”;

                Inciso II: “os filhos que nascerem 300 dias após ter dissolvido a convivência conjugal”;

                Inciso III: “os filhos nascidos, mesmo quando morto o marido, de fecundação artificial homóloga”;

                Inciso IV: “os filhos nascidos em qualquer momento, quando se tratar de embriões excedentários que decorreram de fecundação artificial homóloga”;

                Inciso V: ‘os filhos nascidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha havido autorização do marido.

 

                O reconhecimento de filiação pode ser voluntario, sendo este um ato pessoal dos genitores ou através de decisão judicial.

 

                Através de uma ação, intitulada de investigação de paternidade, é possível obter a presunção de paternidade.

 

                Será uma sentença declaratória, com efeito erga omnes e ex tunc, ou seja, retroagirá à data de nascimento, sendo possível a retificação da certidão de nascimento.

 

A legitimidade para ajuizamento desta ação cabe ao filho, podendo este ser representado por sua genitora ou tutor.

 

O direito de reconhecimento do estado de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu art. 27 que “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.

 

A paternidade sendo requerida por meio judicial, poderá ser feita através de depoimento pessoal, prova testemunhal e exame de DNA.

 

 

c) Ação Investigação paternidade

 

                A recusa voluntária ao reconhecimento é uma condição necessária para a propositura da ação investigatória. Surge o interesse processual, é a causa de pedir remota.

 

Importante pontuar a legitimidade, onde deve haver o vínculo de filiação entre autor e réu. E sem legitimidade não existe interesse material juridicamente tutelado ou direito subjetivo.

 

Outra condição importante para propositura da ação é que haja a possibilidade real do interesse material ser realizado ou atendido. O interesse material exaure-se com sua realização, se esta não pode ocorrer por algum motivo, ele estará fadado a ser para sempre um mero interesse e nada mais.

 

Deve o autor na petição inicial, relatar a recusa do réu em reconhecê-lo como filho, pois este é o fato gerador da lide.[5]

 

O Ministério Público, como órgão autônomo e independente, exercendo a titularidade de defender determinados interesses, funcionará como parte autora, invocado a tutela jurisdicional defendendo interesse social ou individual indisponível.     Importante salientar que apesar de figurar como parte autora, não desconfigura sua imparcialidade, tornando desnecessária a intervenção de outro órgão ministerial, na qualidade de custos legis.[6]             

 

                Em 30 de julho foi sancionada pelo presidente da República a Lei Federal 12.004/09, que altera a Lei 8.560/92, acrescentando a presunção da paternidade quando o réu, em ação de investigação de paternidade, se recusar a se submeter a exame de DNA.

 

                Na prática, este já era o entendimento predominante no Judiciário, em especial a partir do ano de 2004, quando o Superior Tribunal de Justiça pacificou esse entendimento com a edição da Súmula 301, que expressamente dizia: “Em ação de investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

 

               

d) A prova pericial na Ação de Investigação de Paternidade

 

                A perícia pode se realizar de diferentes modos, desde o exame prosopográfico (ampliação das fotografias do rosto e justaposição de uma à outra, buscando semelhanças fisionômicas[7] até o exame de DNA.

 

                As provas periciais consistem em meios de prova direta da paternidade.

 

                A prova de conjunção carnal não passa de mera prova indiciária e na maioria das vezes de difícil obtenção, quer pela habitual falta de testemunhas, quer pela freqüente falta de indícios materiais, limitados muitas vezes a indícios circunstanciais.[8]

 

                Ë certo que a partir do advento do DNA, dada a certeza científica na determinação da filiação, é a prova geralmente mais utilizada. Entretanto o exame de DNA não constitui prova única a ser utilizada na investigação de paternidade e nem pode ser considerada infalível.

 

                A prova documental também pode ser utilizada nas ações de investigação de paternidade.

 

                Deve-se, em regra, ser produzida com a petição inicial, para o autor (art.283CPC), ou com a contestação, para o réu (art. 297CPC). Entretanto, nada impede que os documentos sejam juntados em outro momento.

 

                O documento pode ser público ou privado, basta que seja idôneo e autêntico, servirá como prova na ação.

 

                A prova testemunhal, tida como prova indireta, é usada ante a impossibilidade da perícia técnica e havendo coerência e harmonia entre os testemunhos, poderá o juiz deliberar com esteio na prova oral. Já há precedente nesse rumo: “a prova testemunhal, quando clara e coerente, sem contradições significativas entre os diversos depoimentos apresentados, é suficiente para embasar uma decisão que declare a procedência da investigação de paternidade e condene o réu à prestação de alimentos” (TJ/MG,Ap.Cív.80.435- comarca de Brasília de Minas, rel. Des. Aluízio Quinto, j.5.12.95, DJ/MG 27.6.97).[9]           

 

                De regra, as testemunhas serão ouvidas na audiência de instrução e julgamento.

 

e) A prova DNA na Ação de Investigação de Paternidade

 

                O teste de paternidade surgiu em 1984. Foi inventado pelo médico Alec Jeffreys, da Universidade de Leicester, na Inglaterra.

 

                DNA é a abreviação do ácido desoxirribonucleico, considerado o tijolo de construção genético da vida. É a extrema variabilidade a nível de DNA que supera a variabilidade de outros sistemas utilizados anteriormente (ABO, Rh, HLA, etc)

 

                O exame de HLA, muito utilizado no passado e ainda hoje quando não se dispõe da moderna tecnologia do DNA, vem sendo rapidamente substituído pelo de DNA nos últimos anos.

 

                 A análise em DNA é o teste de paternidade com um dos resultados mais precisos atualmente. A chance do teste em DNA por P.C.R. detectar um homem que esteja sendo falsamente acusado de ser o pai biológico é superior a 99,99%. Um resultado de exclusão significa, com quase 100% de certeza que o suposto pai não é o pai biológico. Um resultado de inclusão vem acompanhado da probabilidade que o suposto pai seja o pai biológico, chega a 99,99%, resolvendo inequivocamente todas as disputas.

 

                Antes do advento do exame de DNA, o juiz, ao julgar as causas, valia-se das provas das quais dispunha, como as que discorremos acima.

 

                É nítido que a análise do polimorfismo do DNA é a prova de maior futuro no momento e que, em muitas ocasiões, ela mostrou-se importante. Outra coisa, no entanto, é considerá-la infalível e absoluta, tornando assim o julgador prisioneiro de seus resultados.  É perigoso substituir seu juízo de valor por uma única prova, cujo resultado permite margem de erro.

 

                Desta forma, nada mais justo que, ao avaliar estes testes, os Tribunais mostrem-se cautelosos e não desprezem o conjunto dos outros elementos probantes e usem tais resultados como um referencial probatório a mais.

 

                Os testes de DNA devem servir como elemento probatório adicional e não como prova definitiva, inclusive permitindo o contraditório.

 

                O exame técnico científico, embora decisivo, não constitui único elemento capaz de firmar a convicção do juiz. Outros elementos e provas poderão ser agregados ao processo como forma de se demonstrar o vínculo afetivo existente entre o casal no período da concepção, de forma a indicar a paternidade alegada.

 

               

Conclusão

 

                 Sem dúvida a investigação de paternidade se caracteriza como ação de estado, relativa ao estado familiar, destinada a dirimir conflito de interesses relativo ao estado de uma pessoa natural, envolvendo discussão acerca de verdadeiro direito da personalidade.[10]

 

                É inegável o valor probatório do exame de DNA, porém, é importantíssima a participação do juiz na atividade probatória, especialmente na ação investigatória.

 

                Deve o juiz utilizar-se de todos os meios de prova, com vistas à formação de seu juízo valorativo, visando que sua sentença seja obra de justiça e represente a solução eficaz e correta para a lide.

 

                Mas utilizar-se da prova de DNA não quer dizer ser refém da mesma, pois se assim o fosse, não necessitaríamos de um juiz, reduzindo tal função a um mero exame laboratorial.

 

                O art. 436 CPC, autoriza o julgador a desprezar o laudo pericial e formar sua convicção com outros elementos constantes nos autos.

 

                Sabemos que há falibilidade humana, e que por vezes, em decorrência deste pressuposto, se justifica o apreço pela afirmação científica.

 

                Diante da divergência entre a prova pericial e a prova testemunhal acolhida, deve-se proceder, como regra, à realização de novo teste de DNA, com o qual poder-se-á valorar, em respeito aos arts. 131 e 145 do CPC, as provas produzidas, a fim de que: (a) se o segundo teste de DNA confirmar a conclusão do primeiro teste, as demais provas devem ser desconsideradas; e (b) se o segundo teste de DNA contraditar o primeiro, deve o pedido ser apreciado em atenção às demais provas produzidas.

 

                Assim, temos que preservar a independência do juiz e a liberdade de apreciação das provas, sendo que não desprezará esta ou aquela prova sem o devido lastro para tanto.

               

 

* Jaína Custódio – Aluna 7ª etapa Direito- UNAERP- Ribeirão Preto



[1] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.13

[2] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p.294-5 (texto citado no livro de ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.457)

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro. V.6.São Paulo: Saraiva, p.278 (texto citado no livro de ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.460)

[4] GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro. V.6.São Paulo: Saraiva, p.285

[5] FRANCESCHINELLI, Edmilson Villaron. Direito de Paternidade. São Paulo: Editora LTR, 1997, p.206

[6] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.549

[7] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.557

[8] FRANCESCHINELLI, Edmilson Villaron. Direito de Paternidade. São Paulo: Editora LTR, 1997, p.237

[9] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.565  

[10] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. DIREITO DAS FAMÍLIAS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.534

Como citar e referenciar este artigo:
, Jaína Custódio. Investigação de Paternidade e Exame de DNA. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/investigacao-de-paternidade-e-exame-de-dna/ Acesso em: 19 abr. 2024