Direito Civil

União Estável: o direito sucessório do companheiro sobrevivente como concorrente ou herdeiro.

 

 

 

             1. Introdução

 

O Direito como instrumento normatizador da sociedade em que vivemos deve acompanhar as mudanças frequentes que nela ocorram. Quando nos remetemos à história da sucessão, ensina Carlos Roberto Gonçalves (2009, páginas 3 a 7, que o direito sucessório esteve “sempre ligado à idéia de continuidade da religião e da família”. No mesmo sentido, acrescenta:

 

 “o conhecimento da evolução histórica do direito das sucessões torna-se mais nítido a partir do direito romano. A Lei das XII Tábuas concedia absoluta liberdade ao pater famílias de dispor dos seus bens para depois da morte. Mas se falecesse sem testamento, a sucessão se devolvia, seguidamente, a três classes de herdeiros: sui, agnati e gentiles”.

 

No século XIII, especificadamente na França, surgiu o droit de saisine, onde posse e propriedade do autor da herança passam aos herdeiros com a morte daquele (le mort saisit le vif). O Código de Napoleão em 1804, no artigo 724 contemplou os herdeiros legítimos, os naturais e o cônjuge sobrevivente para o recebimento dos bens, direitos e ações do morto, com a obrigação dos encargos sucessórios. Mas, foi a Constituição Federal Brasileira que trouxe as grandes e históricas modificações ao direito das sucessões; consagrando, portanto, em seu artigo 5º a igualdade de direitos entre todos os filhos, incluindo os concebidos fora do casamento e os adotivos, incluindo como garantia fundamental o direito à herança.

 

 

2. Desenvolvimento

 

A Carta Magna, em seu artigo 226, reconheceu a União Estável do homem e da mulher, no entanto, ensina Venosa, (2009, páginas 136 a 148):

 

 “(…) tal proteção não atribuiu direito sucessório à companheira ou companheiro. Os tribunais admitem a divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum dos concubinos (hoje denominados companheiros ou conviventes), a título de liquidação de uma sociedade de fato (Súmula 380 do STF)”.

 

Ou seja, os julgados posicionavam-se no sentido de que a divisão deveria ser efetivada de forma proporcional ao esforço desprendido e comprovado, e não se dividir, apenas, o patrimônio ao meio. Somente com a Lei nº 8.971/94, artigo 2º, que houve a inserção do companheiro na ordem de vocação hereditária. Porém, o legislador poderia fazer a união estável equivalente ao casamento quando da matéria sucessória. Ocorre que, na verdade, estabeleceu um direito sucessório isolado e não equiparou o companheiro ao cônjuge o que resultou lacunar a referida matéria sucessória.

 

Da mesma forma, não é permitido que o companheiro concorra na herança com o cônjuge sobrevivente. Para ser o convivente considerado herdeiro, o autor da herança deve ser solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, além da ausência de descendentes e ascendentes. Por outro lado, a separação de fato não dissolve a sociedade conjugal embora não impeça o reconhecimento da União Estável. Quando falecido o autor da herança, se extinta a União Estável não há que se falar em direito hereditário ao companheiro. Esse deverá provar a existência de patrimônio oriundo de esforço comum, para requerer a quota respectiva. Venosa é contundente em criticar os ordenamentos referentes à União Estável e o seu direito sucessório:

 

 o mais moderno Código conseguiu ser perfeitamente inadequado ao tratar do direito sucessório dos companheiros. Ademais, o atual Código traça em apenas um único dispositivo o direito sucessório da companheira e do companheiro no artigo 1.790, em local absolutamente excêntrico, entre as disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária”.

 

O verbo “participará” que figura no dispositivo dá margens à apreciação desfavorável: o legislador deve ter sido orientado, para evitar críticas sociais, a colocar o convivente como participante, ao invés de herdeiro. No que tange a amplitude dos direitos sucessórios dos companheiros o Código Civil de 2002 quando da existência de herdeiros colaterais o companheiro terá direito à somente um terço da herança, conforme inciso III, do artigo 1.790. O “tio-avô” e o “primo irmão” não se encontram em posição sociológica e jurídica dignas de elogios. Destarte, o companheiro terá direito a totalidade da herança tão somente quando não houver parentes sucessíveis.

 

Conforme inciso I, do referido artigo, o companheiro ao concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho. No mesmo sentido, em relação aos descendentes só do autor da herança, o companheiro sobrevivente terá direito a metade do que couber a cada um deles. Não há previsão legal da sucessão quando da existência de filhos comuns e não comuns. No entanto, a maior parte da doutrina vem adotando posição de aplicar, nesse caso, o inciso I do artigo 1.790.

 

 

3. Conclusão

 

As transformações sociais exigiram mudanças no ordenamento jurídico. Se, por um lado a Carta Magna reconheceu a União Estável como entidade familiar, do outro o Código Civil de 2002 não trouxe regras claras ao direito sucessório do companheiro e companheira, deixando, portanto, de bem resguardar a nova modalidade familiar, porém tão comum na atualidade. Nelson Nery Junior (2006, página 155) acerca da explicação dos comentários de seu código civil comentado, sobre a parte do Direito das Sucessões esclarece:

 

“As modificações operadas no Direito de Família implicaram correspondentes alterações no Direito das Sucessões, cujos dispositivos foram também revistos para atender as lacunas e deficiências do Código Civil atual, apontadas pela doutrina e jurisprudência.”

 

Pois bem, há que se perguntar: é justa a posição de concorrente ou partícipe dos companheiros supérstites? É certo que se trata de imaturidade legislativa colocar o companheiro como mero participante da sucessão do autor da herança, é não acompanhar as mudanças sociais e ainda desrespeitar a instituição familiar e o princípio da dignidade humana.

 

Ora, como pôde a Constituição Federal reconhecer a União Estável entre homem e mulher, facilitá-la seu convertimento em casamento, e até mesmo, em muitos aspectos, equipá-la-á ao matrimônio e por outro lado o Código Civil se esqueceu de ser justo, claro e moderno quanto ao assunto hereditário.

 

No entanto, essa união corriqueira, tão importante no dia a dia dos cidadãos brasileiros, não submetida às solenidades matrimoniais recebeu normatização, porém, desprovida, ainda, no aspecto sucessório, de legislação clara e justa aos anseios sociais e real proteção da entidade familiar que vem se formando.

 

A sociedade em que vivemos, e fazemos parte é hipócrita. Mesmo que se demonstre claramente que muitas famílias estão se formando sem a necessidade do casamento e, ainda, a grande ocorrência desse evento, há, no entanto, uma discriminação por aqueles que se julgam conservadores. Embora o mundo jurídico tenha se aperfeiçoado nessas questões, encontra-se muito atrasado às reformas que efetivamente deveriam ser realizadas.

 

Estudar, destarte, o direito sucessório do companheiro, o qual não se encontra claro e justo aos olhos dos doutrinadores e da jurisprudência é de suma importância na medida em que a realidade social brasileira acaba sendo ignorada nos aspectos referidos quanto à matéria sucessória dos companheiros.

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

ANTONINI, Mauro. Do Direito das Sucessões in: PELUZO, Cezar (org.). Código Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo: Manole, 2008.

CAHALI, Francisco José. Curso Avançado de Direito Civil.  2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o Novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: direito de família. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. Vol. VII. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. V.7. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. V.6. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

 

* Amaranta Marques Sarti, Estudante do 4º ano de Direito – Unaerp – Ribeirão Preto, 22 anos.

Como citar e referenciar este artigo:
SARTI, Amaranta Marques. União Estável: o direito sucessório do companheiro sobrevivente como concorrente ou herdeiro.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/uniao-estavel-o-direito-sucessorio-do-companheiro-sobrevivente-como-concorrente-ou-herdeiro/ Acesso em: 29 mar. 2024