Direito Ambiental

Selo de Qualidade de ‘Produção Fora-da-Lei’

 

 

A cidade de Criciúma-SC é famosa pela degradação ambiental praticada pela indústria carbonífera. Em 1980, a região foi reconhecida como a 14ª Área Crítica Nacional, para efeitos de controle da poluição gerada pelas atividades de extração, beneficiamento e usos do carvão mineral (Decreto n. 85.206).

 

E um dos grandes aliados dessa poluição é a indústria ceramista. Quando ela obtém licença para extrair a camada de argila do solo (porque muitas atuam sem qualquer licenciamento), ela adquire o direito de cavar o buraco, extrair a argila e fechar o buraco. Ou seja, explorar e recuperar a área que explorou. Mas não faz isso: após a exploração, abandona a área escavada (muitas vezes o buraco atinge até mesmo a camada de carvão mineral)… Gastar com recuperação do que destruiu? Pra quê? se ela sabe que não há fiscalização e, em decorrência, qualquer punição para os crimes ambientais que comete.

montanha de argila descartada, Vila Batista, Criciúma.

A argila é a matéria-prima da cerâmica. Os resíduos dessa produção, em especial, o lodo de cerâmica, são altamente insalubres porque contêm metais pesados, principalmente chumbo. Jogados de qualquer jeito na natureza, podem contaminar os organismos vivos. Se isso ocorre, depositam-se no tecido ósseo e gorduroso, gerando doenças*. Por isso, o lodo de cerâmica deve ser tratado e destinado para aterros com estrutura protetiva que evite a contaminação do solo, ar e água.

Mas, na hora do descarte  dos seus resíduos, a indústria ceramista, para evitar custos:

 

  joga o lodo a céu aberto;

 

– fala sobre o reuso desse. Uma ‘fórmula verde’ – não fiscalizada – de reaproveitamento dos resíduos;

 

– doa o resíduo para fazer ‘tijolos ecológicos’ ou cimento. Doa geralmente para pobres, claro!

Tudo isso leva à falaciosa ‘produção com resíduo zero’.

 

No lixotur que faço na região, vejo com freqüência lodo de cerâmica jogado no solo. Afinal, como dito antes, não há fiscalização nem punição. Pesquisei e encontrei coisas estranhas:

1. Uma dessas indústrias depositava em um aterro sanitário da região cerca de 3 mil toneladas por mês de lodo. Repentinamente, rescindiu o contrato, e não enviou mais resíduo pro aterro. O que houve? Parou a produção? Parou de adquirir matéria-prima? Parou de vender?

2. A cerâmica vizinha dessa primeira, de olho na economia da concorrente, já está alardeando que possui uma  fórmula de redução de resíduos. Será que estão varrendo o lodo pra baixo do tapete?

3. Soube até que na região tem uma cerâmica que é de um deputado estadual… por isso, nem vou tecer comentários: ela goza de ‘imunidade parlamentar’.

4. Quanto aos projetos sustentáveis, mesmo que sejam bons, carecem de aprovação. Quem deu autorização a eles? Quem está recebendo este lixo? Indústria cimenteira, olarias, fábricas de tijolos…? Quem o transporta? 

Parece que a impunidade é um forte atrativo para a vinda de várias  empresas para Santa Catarina. A Cerâmica Elizabeth, da Paraíba, instalou-se em Criciúma em uma área já degradada, na região mais pobre da cidade (Quarta Linha).

 

Começou bem!

Pouco sei dessa empresa; mas apresenta o rançoso discurso-padrão vinculado:

 

– ao apelo social: gerou 150 postos de trabalho; a partir de fevereiro de 2010 poderá gerar mais 80 empregos. Desta forma, mesmo que polua e degrade muito, não terá suas portas fechadas porque isso provocaria um problema social na cidade;

 

– à mágica postura ambientalmente correta. Aquela história da ‘produção com resíduo zero’.

 

Li nos jornais que a empresa paraibana escolheu Santa Catarina porque o produto cerâmico aqui fabricado possui um selo de qualidade.

 

Será que ela estava se referindo ao ‘Selo de Qualidade de Produção Fora-da-Lei’??

* – http://ambientes.ambientebrasil.com.br/residuos/artigos/metais_pesados.html

 

 

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água, e-mail: ana@ecoeacao.com.br, website: www.ecoeacao.com.br.

Como citar e referenciar este artigo:
ECHEVENGUÁ, Ana. Selo de Qualidade de ‘Produção Fora-da-Lei’. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/selo-de-qualidade-de-producao-fora-da-lei/ Acesso em: 28 mar. 2024