Direito Ambiental

O Ambiente Pede Cuidado

 

Secularmente, a humanidade foi dominada pela sensação de infinito ou, da concepção de o ambiente com sua grandeza, beleza, potencial, tudo que de bom contém, em conseqüência, não terminaria nunca. Que o ambiente é infindável.

 

Desta forma, ao desfrutar de todo bem que dele aufere, com exceção de alguns povos indígenas que o sentiam e ainda sentem como parte de si mesmos, ou de alguns povos mais sensíveis, vivendo em grupos ou simplesmente pessoas, individualmente, em geral, o ambiente sempre foi tratado como se o que dele se retira não carecesse de reposição.

 

Passaram-se muitos anos até que se desenvolvesse um conceito de sustentabilidade e ainda que debilmente, já se vislumbra que construções de grande porte pretendem se adequar as viabilidades atmosféricas e variedade de climas. Busca-se ter um nome não maculado por ação penal ou mesmo civil e novas construções já atentam por inclusão de métodos e formas plenamente comprometidas com o ambiente e de forma a dispensar os recursos da modernidade que, no entanto, contribuem altamente para a poluição do ar e a degradação de toda sorte.

 

O uso se converteu em abuso e quando nos demos conta dos males causados, da degradação operada, dos desmatamentos sem critério, da derrubada de árvores rarefeitas, de madeira preciosa transformada em lenha, da que acabou em fornos e até em exuberantes fogueiras de festas juninas, da diminuição de tantas formas de vida, da sensivelmente reduzida, ainda que continue generosa, biodiversidade1, do decantar de tantos ecossistemas fantásticos, da poluição dos rios e mares, da privação das praias, então nos demos conta de que algo tem que ser feito, que é preciso salvar o ambiente.

 

Mas a certeza, ainda que absoluta de ser éticos com o ambiente, não se constitui em disposição de fato, em determinação erga omnes de evitar qualquer gesto que o fira, que a todos, mas a começar por cada um, é vedado causar poluição.

 

E os povos, fala-se daqueles que se determinam2, decidiram que era/é chegado o tempo de envidar esforços no sentido de salvar a terra. Além das vozes isoladas que se ergueram mediante os recursos que suas peculiaridades permitem, a sociedade civil organizada, Chefes de Governo e de Estado, Monarcas e “plebeus” se uniram para adotar iniciativas conjuntas, inclusive mediante estabelecimento de prazos ou de cronogramas de ação, numa demonstração de vontade, ainda que nem sempre tornada concreta, por entraves burocráticos ante as quais se continuam curvando os agentes públicos.

 

Muitos artigos, reportagens, filmes e palestras já foram proferidas. Não bastavam e a Organização das Nações Unidas intervém mediante realizações de expressão, quais foram, três conferências mundiais.

 

1972 – Estocolmo. Ali, realiza-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Nesta oportunidade, o Brasil teve notável participação visando introduzir a temática do desenvolvimento no contexto mais amplo ou com inclusão do ambiente. Esse marco inicial dos esforços internacionais para a proteção do meio ambiente viu-se prejudicado, contudo, por ter ocorrido num momento histórico em que os alinhamentos Leste-Oeste e Norte-Sul impediam reais ações concertadas para o benefício da Humanidade.

 

Tendo a cidade do Rio de Janeiro como sede realizou-se de 3 a 14 de junho de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED). Ficou conhecida como Rio-92, e a ela compareceram delegações nacionais de 175 países. Foi, ainda, a primeira reunião internacional de magnitude a se realizar após o fim da Guerra Fria.

 

Rio + 10 – Dez anos após, a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – Rio 92, as Nações Unidas novamente patrocinaram, em agosto de 2002, uma reunião global. Desta feita, foi palco Johanesburgo, África do Sul. Ela proporcionou aos líderes mundiais uma oportunidade histórica de um novo acordo para um mundo social, ambiental e economicamente sustentável uma oportunidade que não podemos perder.

 

Esses notáveis momentos ganham notoriedade na mídia, atraem alguns milhares de participantes, proclama propósitos e estabelece condutas. Mas freqüentemente, ficam relegados às altas esferas, atingem milhões, não atingem todos, daí se dever, parece a palavra mais oportuna, popularizar as questões ambientais, em outros termos, promover educação ambiental.

 

Em 1965, curiosamente, em plena efervescência da tirânica ditadura militar, surge no ordenamento jurídico nacional a Ação Popular. Mediante ela, além de se ter tornado possível pedir anulação ou nulidade de atos administrativos, tornou-se possível buscar a proteção do estado contra os danos ao meio ambiente.

 

Depois surgiram outros textos legais. Particular destaque para a Lei Nº 6.938 de 31 de agosto de 1981, que estabelece uma política nacional para o meio ambiente, isto é, prevê estrutura de órgãos como o Sistema Nacional do Meio Ambiente, criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente e o Cadastro técnico federal de atividades e instrumentos de defesa ambiental. Nem se olvide o advento da Lei 7.347/85, que legou-nos a Ação Civil Pública a qual foi deferido status constitucional, vez que, mencionada entre as atribuições do novo Ministério Público, surgido com a Constituição Cidadã de 1988.3

 

Também os crimes ambientais saíram do Código Penal e ganharam lei própria, além de penas mais severas, ainda que nem sempre coerentes, quando a comparação se faz com cominações que decorrem de crimes, atingindo diretamente a pessoa humana.

 

Não obstante tudo isto, é crescente o mau trato impingido ao ambiente. Já se contam anos que não se consegue avançar no percentual que oscila entre cinco e sete por cento, do remanescente da Mata Atlântica. O lucro cega qualquer perspectiva de se poder dizer que os fatos caminham para demonstrar boa vontade.

 

Os órgãos oficiais ambientais estão sem norte. As ONGs e outras instituições sérias dispõem de poucos recursos para concretizar o que se propõem. Não há em nenhuma iniciativa, a constatação de quem visa antes tirar o melhor proveito.

 

Assim considerando, verifica-se que os instrumentos legais que se destinam a coibir a conduta humana evitando que cause males ao ambiente, se revelam ineficazes, por não serem acionados, por não serem cumpridos, por haver sempre um modo de passar ao largo, cumprindo-se o que já dissera outrora o legislador grego Sólon (séc. VI aC): as leis são como teias de aranha, retêm os pequenos insetos, os grandes rompem-nas.

 

Como efetivar a concretização dos direitos fundamentais, quando entre eles, o ambiente, é de tal forma desrespeitado? São desprezados os instrumentos que o protegem, a própria Lei Maior do país?

 

Há uma afirmação categórica e irretocável: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Subsidiada por tantos instrumentos propiciadores ou capazes de fazê-lo valer e garantir o bem estar geral que não há quem não almeje.

 

Como não se erguer ante as ameaças do degelo, do aumento da temperatura na terra, dos rios que podem secar, da floresta que pode virar savana, da extinção de espécies e principalmente do ultraje aos direitos humanos fundamentais de cuja desconsideração desde sempre, tudo isto decorre.

 

O tempo perdido não se recupera mais, mas a generosidade da natureza é tamanha que bastará um pouco mais de esforço e ela verdejará e a vida também vai voltar.

 

=> Notas de rodapé convertidas

 

1 Pois, em biodiversidade, os ricos somos nós, os brasileiros.

 

2 Há nações cujo patrimônio humano continua frágil pela incapacidade de se insurgir contra o poder dominante e continuam não sendo incluídos, na denominação coletiva, quando se faz uso de uma palavra, ou da expressão “os povos”.

 

3 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

 

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

 

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. O Ambiente Pede Cuidado. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/o-ambiente-pede-cuidado/ Acesso em: 19 abr. 2024