Direito Ambiental

Topo de Morro. Âmbito de Aplicação das Resoluções do CONAMA e do Código Florestal.

Topo de Morro. Âmbito de Aplicação das Resoluções do CONAMA e do Código Florestal.

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Sumário: 1 Introdução. 2 Da natureza jurídica do CONAMA. 3 Da inaplicabilidade do Código Florestal e das Resoluções do CONAMA nas zonas urbanas. 4 Conclusão.

 

 

1 Introdução

 

Muito se tem discutido sobre a aplicação das normas do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente criado pela Lei nº 6.938/81.

 

Órgãos públicos competentes para licenciar obras ou atividades econômicas determinam observância das normas do CONAMA.

 

A Resolução nº 303, de 20-3-2002, a pretexto de regulamentar o art. 2º da Lei nº 4.771, de 15-9-1965 – Código Florestal – que versa sobre Área de Preservação Permanente, definiu para efeito de enquadramento nessa APP o que seja topo de morro (art. 3º, V). Por essa definição, todas as áreas situadas acima da cota 40 estariam incluídas na APP, a subtrair inteiramente o conteúdo econômico dessas áreas, que deixam de ter qualquer utilidade para o seu proprietário.

 

É propósito de este estudo verificar a competência do CONAMA para editar normas desse jaez, bem como examinar o âmbito de aplicação das restrições ambientais previstas no Código Florestal e complementadas pelas normas do CONAMA em relação às zonas urbanas.

 

 

2 Da natureza jurídica do CONAMA

 

Conforme se depreende dos artigos 6º e 8º da Lei nº 6.938/81, que criou o CONAMA, sua função é de órgão consultivo e deliberativo a par da atribuição de traçar normas técnicas visando o controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, in verbis:

 

“Art. 6º – Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado:

 

…………………………….

 

II – Órgão Consultivo e Deliberativo: Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;”

 

“Art. 8º – Compete ao CONAMA:

 

……………………………..

 

III decidir como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades impostas pelo IBAMA.

 

…………………………….

 

VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.”

 

A função do CONAMA é de natureza consultiva e deliberativa para assessorar o Executivo e o Legislativo. Pode também traçar normas ou critérios e padrões técnicos para o controle da poluição e degradação ambiental, jamais se revestindo de atribuições próprias de órgão legislativo substituindo o legislador competente.

 

Entretanto, por meio da Resolução nº 303, de 20-3-2002, o CONAMA, a pretexto de regulamentar o art. 2º do Código Florestal, veio definir o que seja topo de morro nos seguintes termos:

 

     “Art. 3º – Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

 

     ………………………………………..

 

V – no topo de morros e montanhas, em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura mínima da elevação em relação à base”.

 

Se válida fosse essa Resolução nº 303, todas as áreas situadas acima da cota 40, a contar da base dos morros, serras, montanhas e elevações ficariam caracterizadas como sendo Áreas de Preservação Permanente – APPs – a subtrair inteiramente o seu conteúdo econômico, retirando de seus proprietários a faculdade de usar e gozar, que é inerente ao direito de propriedade.

 

O CONAMA não pode impor restrições ao direito de propriedade. Sua Resolução não tem força de lei e nem há delegação legislativa para isso. Sequer pode regulamentar a lei, porque isso é atribuição privativa do Presidente da República (art. 84, IV da CF).

 

Vigora entre nós o princípio da legalidade segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II da CF). Outrossim, a Administração Pública também deverá obedecer ao princípio da legalidade (art. 37 da CF).

 

Somente lei em sentido estrito tem o poder de regular o exercício do direito de propriedade e a liberdade individual, nos limites permitidos pela Constituição Federal (art. 5º, XXII e XXIV da CF).

 

O CONAMA pode, quando muito, estabelecer critérios e padrões para o controle e manutenção do meio ambiente para uniformizar esse sistema de controle da qualidade.

 

Para encerrar, a função normativa do CONAMA é incompatível com a sua atribuição expressa de julgar em última instância administrativa os autos de infrações lavrados pelo IBAMA (art. 8º, III da Lei 6.938/81).

 

O IBAMA não pode ser, ao mesmo tempo, o legislador, o órgão fiscalizador, o órgão julgador e o órgão executor. Quem legisla não pode julgar multa imposta em função de seu ato legislativo.

 

 

3 Da inaplicabilidade do Código Florestal e das Resoluções do CONAMA nas zonas urbanas

 

Dispõe o Código Florestal, Lei nº 4.771, de 15-9-1965:

 

“Art. 2º Considera-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

 

1. ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

 

1 – de 30 (trinta) metros pra os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

 

…………………………………………

 

2……………………………………..

 

3……………………………………

 

4.no topo de morros, montes, montanhas e serras.”

 

“Parágrafo único – No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”.

 

Todas as exigências previstas no art. 2º do Código Florestal são aplicáveis exclusivamente em zonas rurais, como se depreende da ressalva feita no seu parágrafo único. Não há como uniformizar essas restrições em âmbito nacional sem distinguir as zonas rurais das zonas urbanas de mais de 5.500 municípios, cada um com suas peculiaridades, não só, topográficas, como também, de natureza sócio-econômica.

 

Assim é que a exigência de recuo de 30 m para cursos d’água de menos de 10 m de largura, prevista no item 1 da letra “a” do art. 2º, não tem aplicação em relação ao loteamento urbano, regido pela Lei nº 6.766, de 19-12-1979, que estipula uma faixa non aedificandi de quinze metros ao longo das águas correntes e dormentes (art. 4º, III). Os limites referidos no citado parágrafo único só podem ser os limites máximos a comportar flexibilização segundo a legislação urbanística. Foi o que aconteceu com a Lei especial de nº 6.766/79 que rege o Parcelamento do Solo Urbano.

 

O mesmo diga-se em relação ao topo de morro a que se refere a letra “d” do art. 2º do Código Florestal.

 

Proibir a construção de prédios públicos ou particulares nos topos de morros, montanhas, montes e serras, situados em zonas urbanas implicaria inviabilização de uma parcela ponderável das cidades brasileiras sabidamente erigidas em torno de regiões e locais que se enquadram na proibição do citado artigo 2º.

 

Daí porque a proteção do meio ambiente em zona urbana deve ser dada por meio da legislação municipal, a Lei do Plano Diretor e a Lei de Uso do Solo Urbano, de conformidade com os princípios expressos no art. 182 e parágrafos da CF:

 

“Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

 

Artigo regulamentado pela Lei n. 10.257, de 10-7-2001 (Estatuto da Cidade).

 

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

 

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

 

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

 

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

 

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

 

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

 

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”

 

Com as edições da Lei nº 6.766/79, que rege o Parcelamento do Solo urbano, e da Lei nº 10.257, de 10-7-2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da CF, estabelecendo Diretrizes Gerais da Política Urbana, a União exauriu sua competência legislativa em matéria urbanística.

 

Dispõe o Estatuto da Cidade:

 

“Art. 2º A política urbana tem por objetivo maior ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

 

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

 

…………………………………………………………

 

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

 

……………………………………………………..

 

a deterioração das áreas urbanizadas;

 

a poluição e a degradação ambiental;

 

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VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

 

……………………………………………………

 

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

 

XIII – audiência pública do Poder Público Municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; ……”

 

Com tantas particularidades somente a legislação municipal competente poderia conferir a função social à propriedade urbana de modo a proteger o meio ambiente e ao mesmo tempo assegurar a expansão urbana, considerados os aspectos econômicos e sociais do Município.

 

Por outro lado, o art. 3º da Lei nº 6.766/79 dispõe que:

 

“Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana, ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal”.

 

Em perfeita consonância com o todo exposto dispõe o art. 23, VI e VII da CF que no campo da legislação ambiental a competência é comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

 

E essa competência comum se exerce no âmbito da competência concorrente, nos termos do art. 24 e parágrafos da CF:

 

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

 

………………………………………….

 

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

 

§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

 

§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

 

§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

 

§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.

 

À União compete apenas dispor sobre normas gerais, sem adentrar nos detalhes ofensivos à autonomia de outras esferas políticas.

 

Ao Estado-membro cabe legislar sobre normas gerais apenas em caráter supletivo, exercendo competência plena até que sobrevenham as normas gerais da União em sentido contrário.

 

Nos termos do inciso II, do art. 30 da CF cabe ao Município “implementar a legislação federal e a estadual no que couber”, bem como, “promover no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (inciso VIII).

 

 

4 Conclusões

 

O CONAMA é mero órgão consultivo e deliberativo, sem poderes sequer para regulamentar a lei. Pode quando muito traçar normas e padrões de controle da poluição ambiental, jamais restringir o exercício do direito de propriedade.

 

A União, ao editar a Lei nº 6.766, de 19-12-1979, que rege o Parcelamento do Solo Urbano e a Lei nº 10.257, de 10-7-2001, Estatuto da Cidade, exauriu sua competência legislativa em matéria de intervenção urbanística.

 

 

* Jurista e sócio do escritório Harada Advogados Associados.

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Topo de Morro. Âmbito de Aplicação das Resoluções do CONAMA e do Código Florestal.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/topo-de-morro-ambito-de-aplicacao-das-resolucoes-do-conama-e-do-codigo-florestal/ Acesso em: 18 abr. 2024