Direito Ambiental

Tragédia criminosa e ambiental de Brumadinho

Um pouco mais de três anos se passaram da tragédia de Mariana e até agora muito pouco se aprendeu, aliás, nenhuma indenização fora paga pelos responsáveis. Em termos de gestão de riscos, de proteção ambiental a atividade minerária sempre foi deficiente. Aliás, não há risco zero[1] em termos de atividade extrativista, principalmente quando utiliza métodos antigos e ferramentas históricas.

Enfim, a atividade de mineração não observa mesma os princípios constitucionais da precaução e da prevenção, consagrados na ordem jurídica brasileira. Há não apenas enormes prejuízos humanos, ambientais, econômicos, políticos e sociais. A responsabilização pelo desastre, melhor dizendo, pelo crime ambiental é de todos os envolvidos[2]. Aliás, a Vale é reincidente[3], mas o poder público em todas suas esferas também o é.

O evento danoso expõe bem mais que fragilidades do país, mas sobretudo a ineficácia da legislação ambiental e parca promoção de desenvolvimento sustentável. Muito falta para a real implementação da Lei 12.334/ 2010 que trata da Política Nacional de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais.

Aliás, a mesma legislação criou o Sistema Nacional de informações sobre Segurança de Barragens atendendo principalmente ao princípio da informação ambiental. Há falta de vontade política para a efetivação de uma política séria e capaz de produzir gestão de barragens.

A lei traçou os objetivos da Política Nacional de Segurança de Barragens, previstos no artigo 3º e visa garantir a possibilidade de acidente e suas consequências, como regulamentar as ações de segurança a serem adotadas nas fases de planejamento e projeto.

A lei também estabeleceu conceito de segurança de barragem que inclui a manutenção de sua integridade estrutural e operacional e a preservação a vida, saúde, da propriedade e do meio ambiente. Ressalte-se que antes do crime ambiental deveriam os fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens serem observados, considerada em suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento, primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros.

Aliás, a população além de ser informada, deve ser estimulada a participar de forma direta ou indireta, das ações preventivas e emergenciais. Aliás, a segurança da barragem influi diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais e ambientais[4].

Mas, a tragédia é ainda maior, pois como sabemos há um expressivo número de barragens ilegais e desconhecidas do Poder Público e da possível gestão de riscos. O que se constata não são as frequentes violações dos fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens[5].

Falhou igualmente a fiscalização[6] da segurança e os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, ainda outorgou o direito de uso dos recursos hídricos, observado o domínio do corpo hídrico, quando o objeto for de acumulação de água, exceto para fins de aproveitamento hidrelétrico.

Mesmo após a rotunda tragédia de Mariana não se desenvolveu no âmbito do Poder Público e nem na iniciativa privada uma cultura de educação ambiental, aliás, um princípio constitucional a ser observados em todos os níveis de ensino.

Ressalte-se que a Lei de Crimes Ambientais, prevê como punição[7] dos crimes pena privativa de liberdade e multa tanto às pessoas físicas ou jurídicas que com suas ações ou omissões causarem poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em riscos à vida humana, ou que provoquem morte de animais e a destruição significativa da flora.

Ainda no mesmo diploma legal, em seu parágrafo terceiro, artigo 54, a legislação prevê como crime a violação a deveres de precaução ao dispor: que incorre nas mesmas penas[8] previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim determinar a autoridade competente, medidas de precaução[9] em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

Apesar da lei penal tão taxativa em punir, não trouxe o conceito de medidas de precaução e, tal definição deve ser pesquisada em textos internacionais e ainda na doutrina.

A violação ao princípio da precaução[10] igualmente pode prover infração administrativa, conforme o artigo 70 da Lei 9.605/98, in litteris: Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que violar normas jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

Não obstante a jurisprudência superior brasileira exarada pelo STF e STJ tenha aplicado o princípio da precaução nos seus julgados. E, existindo o risco de dano e a incerteza científica, relacionadas a atividade potencialmente danosa, esta deve ser suspensa para a tutela do meio ambiente, inclusive com a inversão do ônus da prova contra o potencial poluidor-degradador.

Conclui-se que quando o princípio de precaução não for aplicado nem pelo Poder Público e nem pelos particulares de modo suficiente, gera o dever de indenizar, os danos causados.

Não se pode cogitar em exclusividade em certa espécie de responsabilização, sendo que as três esferas são independentes e, a punição administrativa não afasta a penal e nem a responsabilidade civil e, ainda, a persecução criminal por ato de improbidade ambiental.

Referências:

WEDY, Gabriel. O rompimento da barragem de Brumadinho e a Justiça Ambiental. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2019-jan-26/ambiente-juridico-tragedia-brumadinho-justica-ambiental Acesso em 28.01.2019.

POMPEU, Ana. AGU e MPF prometem acompanhar rompimento de barragem em Brumadinho. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2019-jan-25/agu-mpf-prometem-acompanhar-desastre-ambiental-brumadinho Acesso em 28.1.2019.

TIBURCIO, Victor. A correlação entre o princípio da precaução e o crime de poluição. Disponível em:  https://victortiburcio.jusbrasil.com.br/artigos/315799807/a-correlacao-entre-o-principio-da-precaucao-e-o-crime-de-poluicao Aceso em 28.1.2019.



[1] Qual é a diferença entre Categoria de Risco e Dano Potencial Associado? Categoria de Risco de uma barragem diz respeito aos aspectos da própria barragem que possam influenciar na probabilidade de um acidente: aspectos de projeto, integridade da estrutura, estado de conservação, operação e manutenção, atendimento ao Plano de Segurança, entre outros aspectos. Já o Dano Potencial Associado é o dano que pode ocorrer devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento de uma barragem, independentemente da sua probabilidade de ocorrência, podendo ser graduado de acordo com as perdas de vidas humanas e impactos sociais, econômicos e ambientais.

[2] Há uma cadeia de responsabilidades que precisa ser esclarecida e bem definida para que todos os envolvidos neste caso sejam efetivamente responsabilizados. Uma das linhas de investigação é exatamente verificar o protocolo que deveria ser seguido para dar segurança a esta barragem ou para atestar o risco de rompimento”, disse Raquel Dodge.

[3] Após o rompimento de Mariana, a Vale assinou acordo com Ministério Público se comprometendo a adotar medidas para amenizar os impactos de suas barragens de rejeitos. Aliás, quando do rompimento da barragem do Vale do Feijão, a sirene para avisar dos perigos não soou e deixou entre duzentos a trezentos desaparecidos. E, concluindo quinze metros de profundidade de lama.

[4] Poluir é corromper, sujar, profanar e manchar. Poluir é despejar resíduos (sólidos, líquidos ou gasosos) ou detritos (óleos ou substâncias oleosas) no ar, nas águas ou no solo, causando danos à saúde humana, mortandade de animais e destruição da flora. Ainda, vale destacar a existência de diversos tipos de poluição, quais sejam, (i) poluição hídrica; (ii) poluição atmosférica; (iii) poluição do solo; (iv) poluição sonora e (v) poluição visual.

[5] Além do bloqueio de dinheiro, o juiz também mandou a Vale começar a remoção do volume de lama e produzir relatórios semanais, a ser entregues ao Judiciário. A empresa também deve mapear o potencial de expansão do material vazado da barragem, o que deve ser o ponto de partida de um plano de recuperação, cuidar para que a lama não atinja áreas de nascente e captação de água e adotar medidas para controlar a proliferação de pragas causadoras de doenças.

[6] Conforme estabelecido na Resolução ANA nº 236/17, a Inspeção de Segurança Regular – ISR deverá ser realizada pelo empreendedor, no mínimo, uma vez por ano, salvo casos específicos. Até 31 de dezembro do ano da realização da ISR, o empreendedor de barragem fiscalizada pela ANA deverá cadastrar sua inspeção.

[7] Assim que soube do crime ambiental, Raquel Dodge como procuradora-chefe do Ministério Público Federal juntamente com outras autoridades se ofereceu apoio integral para a elucidação da tragédia. Tendo destacado a importância da atuação conjunta entre os Ministérios Públicos (o estadual e o federal) no caso concreto. chefe da Advocacia-Geral também se solidarizou com os afetados pelo rompimento das barragens. “A prioridade absoluta deve ser socorrer e proteger as pessoas que estejam correndo risco, além de controlar os rejeitos. Em seguida, será preciso punir os responsáveis e encontrar formas eficazes de reparar o meio ambiente e as comunidades atingidas

[8] Daí o uso que o Direito Penal Ambiental faz da tipologia de perigo abstrato. É a maneira encontrada pela norma penal para, através da antecipação do momento consumativo do crime (não esperando pela ocorrência do resultado), ganhar em eficiência, pois o dano ambiental, pela sua complexidade, é de difícil constatação e reparação, quando não totalmente irreparável. In: BENJAMIN, Herman. Crimes contra o meio ambiente. Enfoque Jurídico, n. 4, p. 17, jan./fev. 1997. Disponível em:  http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/32010.

[9] A Agência Nacional de Águas (ANA) tem o papel fundamental de fiscalizar a segurança de barragens para as quais outorgou o direito de uso e de orientar as medidas preventivas ou corretivas a serem tomadas pelo empreendedor de recursos hídricos, que é o responsável legal pela segurança da barragem. 

[10] Preconiza que as ações positivas em favor do meio ambiente devem ser tomadas mesmo sem evidência científica absoluta de perigo de dano grave e irreversível. A precaução, assim, é anterior à própria manifestação do perigo, garantindo margem de segurança da linha de risco, em prol da sustentabilidade. Nos casos em que há conhecimento prévio das lesões que determinada atividade pode causar no ambiente, aplica-se outro princípio: o da prevenção.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Tragédia criminosa e ambiental de Brumadinho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/tragedia-criminosa-e-ambiental-de-brumadinho/ Acesso em: 29 mar. 2024