Direito Ambiental

Desmistificando o Demônio do Desmatamento – A Amazônia Brasileira

 

O Brasil está se preparando, e tem advogado, por um sistema que permita receber por não utilizar os recursos florestais naturais, globalmente conhecido como REDD (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação das Florestas), o mecanismo propõe medir o carbono estocado nas áreas florestais e remunerar pela sua manutenção no estado original – também é possível introduzir técnicas mínimas de utilização (corte seletivo e regeneração natural – plantio de enriquecimento), para “restaurar” os estoques de carbono originais, mantendo a “Floresta em Pé”, pela valorização do carbono.

 

            Isso está alicerçado na visão de que o uso do desmatamento para substituir o uso da terra é uma prática demoníaca, que destrói as florestas e vai fazer colapsar o clima e, em última instância, a vida na Terra.

 

            A mudança de uso da terra de florestas para outros usos, têm sido realizada desde que a humanidade deixou de ser nômade, e passou a se assentar como agricultora. O mais antigo registro de desmatamento antropogênico é do Vale de Ghab, no Nordeste da Síria. Uma floresta decídua de Carvalhos foi suprimida para uso agrícola em 7 mil AC. Na Europa, principalmente na Europa Central, a cobertura florestal já foi de 80% – na época dos romanos, a Alemanha foi considerada uma região “coberta por florestas horríveis” (Publius Cornelis Tacitus – século 1 AC).

 

            Desde sempre as florestas são convertidas para uso agrícola, e também utilizadas para diferentes funções, principalmente produzir madeira. No caso da Europa Central, elas já foram reduzidas a tanto quanto 20% ou menos da cobertura, tendo depois recuperado o espaço e atingido os atuais 38%. A idéia do Manejo Florestal Sustentável e Planejamento de Uso da Terra surgiu em 1713, e começou a reverter o quadro, publicada por H.C. Carlowitz.

 

            Vale lembrar que até 1750, acreditava-se que o corte seletivo e regeneração natural eram o melhor instrumento para garantir a perenidade das florestas. Esse prática foi responsável pela redução dos estoques de madeira de uso comercial para cerca de 100 m3 / ha em um ciclo de cerca de 25-30 anos. Com a introdução da silvicultura moderna, com seleção de indivíduos e produção de mudas, os estoques foram triplicados em 200 anos, e a produtividade tem sido aumentada a cada década, por conta do uso industrial da madeira dessas práticas silviculturais avançadas.

 

            O desmatamento para uso da madeira e conversão para agricultura, levou ao estabelecimento de nações poderosas. O incentivo ao uso industrial da madeira e a silvicultura moderna, devolveram a cobertura florestal e levaram a ajustes naturais da economia dos países, que se traduziram em um equilíbrio entre ocupação humana, agricultura e florestas nos cenários rurais.

 

            Quais dos países que se beneficiaram do desmatamento no passado, são entitulados de destruidores ou “estupradores” das florestas, como o que acontece hoje? Pagar / receber pela substituição do desmatamento é um instrumento que garante soberania?  Não é melhor deixar que o Brasil atinja o seu próprio ponto de equilíbrio econômico por suas próprias condições e com seus recursos naturais?  Não é melhor fazer com que o Brasil aproveite da experiência de sucesso dos países industrializados no uso dos recursos naturais? Não seria melhor para o Brasil se o gerenciamento sustentado dos espaços rurais fosse preconizado para adequar as mudanças de uso da terra e prevenir / mitigar / restaurar a degradação florestal?

 

            O desmatamento moderno tem origem em três situações: mudança de uso da terra para outro mais lucrativo (75%), super-exploração dos recursos madeireiros (14%) e fornecimento de lenha para populações cada vez maiores (11%). Os políticos locais e nacionais tem uma responsabilidade com os constituintes para a promoção do desenvolvimento social e economico, com qualidade ambiental. Porque as áreas florestais podem gerar um valor econômico muito maior quanto transformada para outros usos, os países da Europa Central buscaram o desmatamento e conversão de áreas para agricultura nas fases iniciais do seu desenvolvimento.

 

            A teoria da Transição Florestal (TF), sugere que as fases iniciais da implantação do desenvolvimento sustentável de um país são caracterizadas por Altos Índices de Cobertura Florestal e Baixos Níveis de Desmatamento (HFLD – do inglês High Forest Low Deforestation). Depois o nível de desmatamento aumenta (HFHD – do inglês High Forest High Deforestation) e a cobertura florestal é reduzida (LFHD – do inglês Low Forest High Deforestation), antes que o nível de desmatamento diminua (LFLD – do inglês Low Forest Low Deforestation), o que vai fazer chegar ao nível em que a cobertura florestal se estabiliza e eventualmente começa a aumentar. A TF é influenciada pelo contexto nacional, forças econômicas globais e políticas governamentais.

 

            Ou seja, ao investirmos em subsídios externos para evitar o desmatamento, estamos influenciando negativamente todo o ciclo de desenvolvimento sustentável da Amazônia Brasileira, criando um artifício para impor o subdesenvolvimento para toda uma região. O ciclo representado pelo desmatamento, conversão de uso da terra, estabelecimento das populações e retomada do reflorestamento comercial é virtuoso e levou ao enriquecimento das grandes potências economicas mundiais da atualidade.

 

            Já se dispõe, no Brasil, dos instrumentos e do conhecimento técnico necessário para que esse processo se realize dentro de preceitos estreitos de qualidade ambiental que assegurem, por exemplo, a conservação da variabilidade genética local das espécies florestais. As Unidades de Conservação ocupam espaços significativos do território, e é perfeitamente possível ensejar práticas de formação de corredores entre elas, ocupados por agricultores.

 

Sistemas modernos de rastreamento eletrônico de árvores-matrizes, combinados com estratégias de cenário ou paisagem rural, fornecem condições adequadas para isso. A domesticação de espécies arbóreas nativas resultante, aumenta a capacidade das florestas de fornecer madeira de forma sustentável e contínua. Investimentos em melhoramento genético dessas espécies levam ao aumento da sua produtividade e rentabilidade, levando a sustentabilidade ao longo do tempo. Isso pode ocorrer com a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, ou pela implantação de bosques de sementes nativas nas propriedades rurais (bancos ativos de germoplasma).

 

            A domestição envolve a identificação e caracterização dos recursos de germoplasma, a captura, seleção e manejo dos recursos genéticos e a regeneração e cultivo dessas espécies em ecossistemas manejados. No caso do manejo florestal sustentável, cria-se ainda o ambiente ideal para que, de fato, sejam remunerados os produtores rurais pela sua contribuição efetiva para a mitigação das mudançãs climáticas.

 

            Como já foi estabelecido anteriormente, a silvicultura moderna aumenta o estoque de espécies comerciais e a produtividade das florestas, principalmente para fornecimento de madeira industrial. Essa madeira industrial pode ser utilizada para substituir outros materiais industriais com altas emissões de GEE associadas, como cimento, ferro e tijolos. Ao fazer isso, estão diminuindo ainda mais os efeitos negativos do uso de materiais, por exemplo, na construção civil. Com o uso da madeira na construção civil intensificado para combater mudanças climáticas, estão criadas as condições de mercado para que o cultivo de mais florestas industriais seja realizado, com conservação e uso dos recursos genéticos que elas representam.

 

            O Brasil está inserido dentro do contexto de país em desenvolvimento, que tem uma vasta disponibilidade de recursos florestais para impulsionar o seu crescimento sustentado. Demonizar o desmatamento não faz sentido, e transforma uma situação altamente favorável em um tabú. A Amazônia Brasileira é tratada como uma entidade, algo que pudesse ser “morto” ou “destruído”, mas trata-se na realidade de um imenso espaço territorial, que os brasileiros estão ocupando e desenvolvendo. Esse processo deve passar pelo desmatamento para outros usos da terra, pois além de ser uma etapa inicial natural do desenvolvimento sustentável, a agricultura é fundamental para que o assentamento humano ocorra de forma ordenada.

 

            Sem a agricultura, as populações humanas utilizam das florestas e da sua fauna para sua alimentação e vestuário, causando impactos ainda mais significativos, e descontrolados, sobre os recursos naturais. O cultivo agrícola e de animais domésticos diminui a pressão sobre as áreas que podem ser resguardadas para conservação, nas Unidades de Conservação, e fornece a matéria-prima para a sustentação das populações.

                       

Como citar e referenciar este artigo:
ZANETTI, Eder. Desmistificando o Demônio do Desmatamento – A Amazônia Brasileira. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/desmistificando-o-demonio-do-desmatamento-a-amazonia-brasileira/ Acesso em: 20 abr. 2024