Direito Ambiental

A Ética Neoliberal e o Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa:(Im)Possibilidade de Flexibilização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente

 

“todo consiste en ganar dinero. Con él se

pueden hacer las aquisiciones que se quieran.”

Adam Smith

 

resumo Os últimos anos têm sido caracterizados por importantes avanços na área de proteção jurídica ao meio ambiente, e, paradoxalmente, pelo progressivo crescimento de situações degradantes consentidas em favor da expansão econômica. o presente artigo objetiva apresentar a impossibilidade de flexibilização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente ante o princípio constitucional da eficiência administrativa, previsto no art. 37 caput da CRFB/1988. Para tanto, genericamente se estuda o princípio da eficiência administrativa investigando-se a ética neoliberal e a análise econômica do Direito, cujo intuito é a subserviência do Direito às questões econômicas. Neste propósito, estuda-se a história, as causas e os efeitos desse movimento. Noutra parte observa-se o Direito ao Meio Ambiente como Direito e Dever Fundamental inscrito na CRFB/1988. Neste diapasão, o Direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida às presentes e futuras gerações, reveste-se do manto de núcleo essencial intangível, blindado das interferências do Mercado interessado tão somente na maximização de riquezas, na plenitude da propriedade, na execução dos contratos e na violenta repressão dos desobedientes em prejuízo aos Direitos Fundamentais. O Direito Fundamental ao Meio Ambiente resiste até mesmo contra a bricolagem de princípios constitucionalmente previstos, que legitimam a ética neoliberal. 

 

palavras-chave: neoliberalismo; Direitos fundamentais; Meio ambiente.

 

ABSTRACT: The recent years have been characterized by significant advances in the field of legal protection for the environment, and, paradoxically, by the gradual growth of degrading situations consented in favor of economic expansion. This article presents the impossibility of relaxation of the Fundamental Right to the Environment before the constitutional principle of administrative efficiency, the art. 37 caption of CRFB/1988. For this, we study the general principle of administrative efficiency by investigating the ethics and neoliberal economic analysis of law, whose intent is the subservience of law to economic issues. In this regard, we study the history, causes and effects of this movement. Elsewhere there is the Law of the Environment as a fundamental right and duty placed on CRFB/1988. In this vein, the right to an ecologically balanced environment, essential to a healthy quality of life for present and future generations, takes up the mantle of intangible essential core, shielded from the interference of the market as only interested in maximizing wealth, in the prime property in contract enforcement and the violent repression of disobedient in injury to fundamental rights. The Fundamental Right to the Environment resists even against the DIY principles of constitutionally provided for, that legitimize the neoliberal ethic.

KEYWORDS: Neoliberalism, Fundamental Rights, Environment.
  

 

1. INtroduÇÃO

 

o presente artigo objetiva avaliar a ética neoliberal e a impossibilidade de flexibilização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente ante o princípio constitucional da eficiência administrativa, previsto no art. 37, caput, da CRFB/1988, apresentando os fundamentos à impossibilidade de flexibilização deste Direito Fundamental.

 

A abordagem deste tema reserva em si grandiosa pertinência, especialmente neste momento em que se debate a tutela ambiental como condição de permanência da vida na Terra. Todavia, a elevação dos direitos ao meio ambiente à categoria de Direitos Fundamentais cria uma série de empecilhos para vários setores sociais, dentre eles a Economia movida pelo discurso neoliberal. Por esta razão, aos neoliberais interessa um Direito Ambiental alienável, justificável pela relação custo-benefício do negócio, sendo que jamais deverá barrar a maximização de riquezas, a plenitude da propriedade e a execução fiel dos contratos.

 

Desse modo, neste artigo serão desenvolvidas as ideias sobre a ética neoliberal, o princípio da eficiência administrativa (art. 37, caput, da CRFB/1988) sob o viés da análise econômica do Direito, bem como acerca do Meio Ambiente como direito e dever fundamental da coletividade (art. 225 da CRFB/1988), de modo a demonstrar a impossibilidade da flexibilização deste Direito Fundamental, ante a ética neoliberal.

 

 

2. Considerações sobre a Ética neoliberal e a Eficiência Administrativa

 

A ideia de impor à Administração Pública direta e indireta o exercício de um dever/poder eficiente germina no discurso neoliberal, nas orientações emanadas das instituições de Bretton Woods, e impulsionado pelo Consenso de Washington, cujo novel mirava a reformulação político-econômica para a América Latina. Tais diretrizes visavam justamente preencher uma lacuna deixada pela escola welfariana, no exato momento que as nações sul-americanas abandonavam suas ditaduras e almejavam a abertura de mercado. [1]

 

Todavia, no Brasil, consoante Marcellino Junior, o ideário neoliberal não gozava do consenso, principalmente por setores legalistas que julgavam a nova concepção do discurso econômico, cada vez mais político, carente de legitimidade, haja vista inexistir em nosso ordenamento respaldo constitucional-normativo que sustentasse o neoliberalismo, peculiarmente no que diz respeito à Administração Pública.[2]

 

Tal impasse não perdurou por muito tempo. Se faltava legitimidade, esta foi construída mediante pretensões messiânicas para a salvação da pátria divulgada pela imprensa indiretamente, quando apresentava a burocracia administrativa, imputando à estrutura estatal desconfiança, descrédito e desesperança.  Nesse sentido, segundo Salinas “o Estado é apresentado como a causa dos males de que sofrem as sociedades da América Latina”[3]. Logo, não demorou muito para que a máxima da propaganda neoliberal, contrária a um Estado social democrático, lograsse êxito com a promulgação da EC n. 19/1998, tipificando a eficiência como princípio da Administração Pública ao colocá-lo no caput do art. 37 da CRFB/1988, qualificando-o como paradigma aos demais princípios administrativos, “de sorte que todas as práticas no âmbito da administração pública passaram a ser pautadas pela lógica da relação custo-benefício eficiente.”[4]

 

Contudo, lastreado pela representação espiritual da efetividade (que visa os fins) aprovou-se a eficiência (onde importa os meios) como se sinônimo fosse da primeira. Assim, este golpe institucional como quer Bonavides[5], representa a tomada do Direito pelo movimento neoliberal, transformando-o, em mecanismo e instrumento a serviço de seu projeto ideológico-econômico, cujo propósito para Coutinho “é nos legar um Estado mínimo, sonegador de direitos e garantias”[6]. Destarte, eficiência assume a feição de concorrência, produtividade e competitividade, em cuja seara o Direito deixa de ser quem salvaguarda para ser um obstáculo burocratizante.  

 

À luz de Marcellino Junior para a eficiência da Administração “O que importa não são os fins que um serviço público efetivo poderia alcançar […], mas sim a produtividade numérica e estatística que se poderia verificar, voltada, é claro, para a ‘otimização’ dos gastos”[7].  Logo, o cidadão passa a ser um cliente e a democracia sucumbe ante a ideologia pragmática da economia de mercado auto-suficiente.

 

Para Rosa e Linhares:

 

Dito diretamente: o «Direito» foi transformado em instrumento econômico diante da mundialização do neoliberalismo. Logo, submetido a uma racionalidade diversa, manifestamente «pragmática» de «custos e benefícios» (pragmatic turn), capaz de refundar os alicerces do pensamento jurídico, não sem ranhuras democráticas. [8]

 

De fato, a doutrina Law and Economics também reconhecida como Análise Econômica do Direito[9] abertamente torna o Direito em mera técnica de vinculação compulsória ao custo-benefício, procurando erradicar as texturas abertas da legislação, os conceitos imprecisos, autorizando a maximização das riquezas ao preço dos Direitos Fundamentais, pois vigora the justice of the market, enquanto na prática produz um processo de exclusão social. Em síntese, o direito é analisado exclusivamente em função de seus custos.

 

Neste diapasão, observa-se uma transferência do critério de validade do Direito do plano normativo para a esfera econômica, prevalecendo esta como fator decisivo. Assim, pela doutrina Law and Economics não se quer a continuidade de um Direito positivista rígido, ao contrário, vê o direito sem distinção nenhuma como uma mercadoria, sempre disponível à negociação, ou na propaganda neoliberal, apto à flexibilização.

 

Para ilustrar tais afirmações colhe-se a orientação de um dos expoentes do neoliberalismo, von Hayek, a qual tem o condão de demonstrar com precisão a ética do regime:

Uma sociedade livre requer certas morais que, em última instância, se reduzem à manutenção das vidas: não à manutenção de todas as vidas, porque seria ser necessário sacrificar vidas individuais para preservar um número maior de outras vidas. Portanto, as únicas normas morais são as que levam ao Cálculo de Vidas: a propriedade e o contrato. [10] 

 

Na mesma senda, em solo brasileiro, pela carga das palavras, colhe-se do prefácio da obra de Grau o posicionamento de Belluzo:

 

Ela, a justiça dos mercados, não pretende reconhecer, na verdade, nenhum direito senão o que nasce do intercâmbio entre valores abstratos. Qualquer conteúdo, qualquer relação substancial deve ser sumariamente eliminada. Você quer comer? Pois venda seu produto no mercado. Não conseguiu? Então tente vender a sua capacidade de trabalho. O homem vale o que seu esforço vale, e o seu esforço vale se a mercadoria que ele produz para o patrão for reconhecida pela transformação em dinheiro. Não basta ser um bom empregado, um ótimo empresário, para viver uma vida decente. Mas a justiça dos mercados que ensina e divulga que se você fracassou, a culpa é sua. Valer significa, apenas, ser aceito em troca de uma determinada quantidade de dinheiro. Caso contrário, nada feito.[11]  

 

Por isso, a conclusão se faz evidente, a ética neoliberal que, para o presente estudo objetiva “refletir sobre os fundamentos da moral na busca de explicação dos fatos morais”, como quer Melo[12], desdenha a vida, avilta o Direito, e considera o aparato jurisdicional um empecilho, que necessariamente precisa ser extinto, sobretudo considera o Direito Fundamental ao Meio Ambiente uma barreira que lhe estorva para o pretendido sucesso mercantil. Sob esta óptica o Direito e o Estado só existem em razão do econômico, sendo que, o mercado libertará a sociedade e lhe dará a máxima felicidade coletiva.

 

Diante destes fundamentos e com a percepção do contexto social, torna-se necessário e essencial esclarecer que o protagonismo das administrações é imprescindível para a sadia qualidade de vida e por isso incumbe à Administração Pública – em todos os seus setores, da forma mais ampla e abrangente – organizar e garantir as principais tarefas em prol dos bens ambientais, conforme determina a CRFB/1988. Desta forma, combater-se-á a ética neoliberal-eficientista, visando sempre o bem comum e a dignidade da pessoa humana como valores supremos de uma sociedade democrática de Direito.

 

 

3. Meio Ambiente: direito e dever fundamental

 

A CRFB/1988 abordou com significativa importância o tema dos direitos fundamentais. Sarlet[13] explica que há três características atribuídas à Carta Magna de 1988 que podem ser extensivas aos direitos fundamentais: caráter analítico, seu pluralismo e, seu cunho programático e dirigente. 

 

O caráter analítico se dá em virtude dos inúmeros dispositivos legais apresentados pela Constituição, e, em especial, sobre os direitos e garantias fundamentais, foi reservado o Título II (arts. 5º a 17), sem mencionar os diversos direitos fundamentais dispersos pelo texto constitucional.

 

O pluralismo está caracterizado em virtude da redação final do texto constitucional ter acolhido posições algumas vezes confrontantes entre si. Em relação aos direitos fundamentais, verifica-se tal característica na reunião de dispositivos de direitos sociais ao lado de diversos direitos de liberdade, direitos políticos, dentre outros. [14]

 

Outro aspecto inovador, orienta Kretz[15], é o fato da Lei Fundamental apresentar o principal rol de direitos fundamentais logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais. Ademais, utiliza-se a terminologia “direitos e garantias fundamentais”, a qual era apresentada como “direitos e garantias individuais” nas Constituições Brasileiras pretéritas, não obstante o texto constitucional não seja uniforme quanto ao uso terminológico da categoria “direitos e garantias fundamentais”.

 

Quanto ao cunho programático e dirigente, Sarlet[16] explica que “resulta do grande número de disposições constitucionais dependentes de regulamentação legislativa, estabelecendo programas, fins, imposições legiferantes e diretrizes a serem perseguidos, implementados e assegurados pelos poderes públicos.” Ainda que a redação do art. 5º, § 1º, da CRFB/1988 preveja a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais, constata-se a subsistência de elementos programáticos e de uma dimensão diretiva também nesta área.

 

O catálogo dos direitos fundamentais abrange as diversas dimensões e está em harmonia com a Declaração Universal de 1948, bem como com os principais pactos internacionais sobre Direitos Humanos. Em relação às duas primeiras dimensões, resta clara no texto constitucional, que acolheu tanto os direitos tradicionais da vida, liberdade e propriedade, quanto o princípio da igualdade e os direitos e garantias políticos, tratando, de igual forma, os direitos sociais de segunda dimensão. Quanto aos direitos de terceira e quarta dimensões, deve-se tratar com maior cautela. Como exemplo, cita-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CRFB/1988) sem prejuízo de estar fora do título dos direitos fundamentais.[17]

 

Registra-se que os direitos e garantias fundamentais expressos na CRFB/1988 “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, § 2º, CRFB/1988). Por isso há muitos direitos fundamentais que não estão inseridos no art. 5º da CRFB/1988.

 

Assim, pode-se afirmar com segurança que, apesar de não estar inserido no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – da CRFB/1988, o Meio Ambiente de fato é um direito e dever fundamental. Logo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações têm aplicação imediata, nos termos do art. 5º, § 1º, da CRFB/1988, de modo que não depende da lei. A posterior regulamentação legislativa ajudará somente na sua exeqüibilidade [18]. Ademais, o Brasil, como signatário da Declaração do Meio Ambiente, confeccionada na Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em 1972, por força do disposto no Princípio 1[19], atribuiu ao Direito ao Meio Ambiente caráter de Direito Fundamental.

 

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, já declarou ser o meio ambiente um direito fundamental:

 

MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE – […] – A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) – DECISÃO NÃO REFERENDADA – CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS.[20]

 

A importância do significado dos direitos fundamentais é ressaltada por Ferrajoli[21], que afirma que são “aqueles direitos cuja garantia é igualmente necessária para satisfazer o valor das pessoas e para realizar sua igualdade […].” Com efeito, tais direitos não são negociáveis e correspondem universalmente a todos os seres humanos, como é o caso do meio ambiente.

 

Todavia, há entendimento diverso. Hernandéz[22] sustenta que o direito ao ambiente não é um direito fundamental, nos seguintes termos:

 

Neste contexto, ainda que o direito a um ambiente adequado seja premissa básica para garantir o direito à vida, à saúde e ao desenvolvimento; formalmente não é um direito fundamental, já que colide com a natureza dos direitos clássicos, caracterizados por sua individualização e concretização, os quais requerem, primordialmente, uma abstenção dos órgãos estatais; enquanto que o direito ao ambiente essencialmente é abstrato e socializado e alcança sua realização, como bem aponta o professor REAL FERRER, através do cumprimento da legalidade.

 

Respeita-se, no entanto, rejeita-se este entendimento, conforme os fundamentos consignados anteriormente. O entendimento de
parte isolada da doutrina estrangeira, acima citado, não invalida a
conclusão de que na ordem jurídica constitucional brasileira o meio
ambiente foi positivado enquanto direito e dever fundamental. Demais, se fosse considerar este o argumento para retirar do meio ambiente seu caráter fundamental, também não caberia qualificar o direito do consumidor – inserido expressamente no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, no art. 5º, XXXII, da CRFB/1988 – como direito fundamental, que é garantido através da legalidade.

 

Benjamin[23] esclarece que a fundamentalidade do direito ao meio ambiente justifica-se em três aspectos: primeiro, em virtude da estrutura normativa do tipo constitucional, ao afirmar que “Todos têm direito […]”, expresso no art. 225, caput, da CRFB/1988; segundo, em razão de que o rol do art. 5º – sede principal dos direitos fundamentais – por força do seu § 2º, não é exaustivo, pois há muitos direitos e garantias que não estão contidos no art. 5º da CRFB/1988; terceiro, pois é uma extensão material do direito à vida, garantido no caput do art. 5º da CRFB/1988, já que protege suas bases ecológicas vitais.

 

Por isso, ressalta-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está intimamente interligado com o direito à vida – dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/1988), pois não se pode afirmar que a qualidade de vida dispensa a proteção e defesa ambiental. Nesse sentido é que se mostra a importância de considerar o meio ambiente como um direito e dever fundamental. Compartilham deste entendimento Canotilho e Moreira, ensinando que “o direito ao ambiente é um dos novos direitos fundamentais” e Mirra, concluindo é “direito humano fundamental.”[24]

 

 

4. A impossibilidade de flexibilização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente

 

Pelas razões consignadas alhures torna-se evidente que os direitos ao Meio Ambiente necessitam ser classificados como Direitos Fundamentais, num panorama idêntico de igualdade ao direito à vida. Pensar que o meio ambiente é algo supérfluo equivale a negar o direito à vida, à saúde, dentre outros.

 

Deve-se reforçar a ideia de que os Direitos Fundamentais, dentre eles o Direito ao Meio Ambiente, são universais, inclusivos, indisponíveis, inalienáveis, imprescritíveis, invioláveis e intransigíveis. Logo, formam um núcleo jurídico irredutível, blindado até mesmo contra a vontade da maioria.

 

Para os fins deste artigo, faz-se útil transcrever a lição de Rosa e Linhares: “O fato de serem indisponíveis impede que interesses políticos e/ou econômicos violem os Direitos Fundamentais […]”[25]. Neste diapasão, é cristalina a impossibilidade de flexibilização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente, simplesmente porque com os Direitos Fundamentais não se negocia, não se transige, não se permuta, mesmo que o discurso eficientista seja sonoramente cativante. Nem mesmo por decisão da Administração Pública fundamentada na vontade da maioria,

 

Atribuir para o Direito Fundamental ao Meio Ambiente uma relação de custo-benefício à luz da ética neoliberal resulta na prática autorizada de negociação sobre questões ambientais, de dignidade da pessoa humana e da preservação digna da vida ecologicamente equilibrada favorável a maximização de riquezas e opressão pela liberdade de Mercado.  

 

Aderir à ética e ao projeto neoliberal importa além da negativa dos Direitos Fundamentais, principalmente em, comprometer as estruturas da democracia e do próprio Estado Democrático de Direito. Neste desiderato, o Garantismo Jurídico, cuja teoria geral estabelece a garantia dos Direitos Fundamentais como condição de existência e validade de qualquer ordenamento jurídico, alcançando todos os indivíduos, indistintamente[26], apresenta-se como um bom começo para conter o discurso neoliberal-eficientista que põem em risco o Estado e o Direito.     

 

 

 5. À guisa de considerações finais

 

A compreensão fechada para a impossibilidade de conexão entre várias ciências resta superada na Pós-Modernidade. Logo, a grandeza das questões econômicas no mundo atual significa o desenvolvimento de novas relações entre campos até então complementares. Direito e Economia, como ciências autônomas, sempre dialogaram, especialmente nos campos em que haviam necessidades recíprocas[27]. Todavia, na atualidade esta situação alterou-se. Hoje, torna-se inegável a proeminência economicista, nem sempre ética, frente ao discurso jurídico.

 

A adoção a ética neoliberal e, consequentemente a aceitação da liberdade de Mercado, na seara ambiental significa aceitar a irresponsabilidade de um sistema altamente consumista e degradante, lastreado no deixe fazer, deixe passar, que sustenta a ideia que o consumo ilimitado resulta em progresso, sem, contudo, esclarecer que tal proposta somente se presta para a marginalização progressiva daqueles que não conseguem manter seu poder aquisitivo e, especialmente, de que nossos recursos naturais são finitos se não usados com moderação.

Neste momento histórico as relações sociais imploram por uma nova ética, nos dizeres de Boff um ethos mundial, preocupado com um consenso mínimo entre os humanos, que orientará as relações humanas para com a natureza, para com a Sociedade, para com as alteridades, para com o terrenal e o cósmico. Todavia, este ethos carece ser edificado “a partir de um mergulho profundo na experiência do ser, de uma nova percepção do todo ligado, re-ligado em suas partes e conectado com a fonte originária donde promanam todos os entes”[28]. Importa reconhecer igualmente que, nas correntes da transnacionalidade tal ética, destinada a salvaguarda da Terra e a manutenção das condições de vida e reprodução, precisa ser pensada globalmente, com base na cooperação, solidariedade e consenso, além do modelo humano ocidental de matriz judaico-cristão[29], preocupado com o homem econômico, especialmente preocupado com os custos financeiros.   

 

Ante o exposto, fica claro que a Análise Econômica do Direito, decorrente do discurso neoliberal, busca conferir à atividade administrativa uma atuação conforme estudo de custo-benefício das ações praticadas. Assim, para a obtenção deste objetivo o Direito e o Estado Democrático de Direito passam a ser um grande obstáculo, bem como os Direitos Fundamentais, devido sua característica indisponível e inalienável, uma vez que dificultam a maximização de riquezas e a liberdade de Mercado.

 

Não escapa desse golpe os Direitos Fundamentais ao Meio Ambiente, insuscetíveis de negociação, disponibilidade, alienação, violação e transação. Neste núcleo reside a impossibilidade de flexibilização desses direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana e à digna preservação humana. Nesse pensar, a continuidade da existência de vida na Terra não tem preço. Negar o caráter de Direito Fundamental ao Meio Ambiente resulta em negar a vida como Direito Fundamental. Por isso o motivo da insuportabilidade da ética neoliberal que, ao atribuir um preço ao meio ambiente, simbolicamente, faz da vida da atual e das futuras gerações uma mercadoria qualquer. Eis o motivo da recusa!     

 

 

6. Referências Bibliográficas

 

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* Márcio Ricardo Staffen, Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí, na linha de pesquisa Principiologia, Constitucionalismo e Produção do Direito. Professor.

 

 

** Zenildo Bodnar, Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Mestrado em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí, Doutorado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pós Doutorado em Direito Ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina e Pós Doutorado em Direito Ambiental pela Universidad de Alicante – Espanha. Professor nos programas de Doutorado e Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí. Pesquisador CNPq. Juiz Federal.



[1] Nesse sentido: MARCELLINO JUNIOR, Julio Cesar. Princípio constitucional da eficiência administrativa: (des)encontros entre economia e direito. Florianópolis: Habitus, 2009, p. 180-181.

[2] MARCELLINO JUNIOR. Princípio …, op. cit., p. 180-181.

[3] SALINAS, Dario. O Estado latino-americano: notas para a análise de suas recentes transformações. In: LAURELL, Asa Cristina (Org.). Estado e política sociais no neoliberalismo. Trad. Rodrigo Leon Contrera. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 141.

[4] MARCELLINO JUNIOR. Princípio …, op. cit., p. 182.

[5] BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 23. 

[6] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Efetividade do processo penal e golpe de cena: um problema às reformas processuais. JURIPOIESES – Revista Jurídica dos Cursos de Direito da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, ano 4, n. 5, 2002, p. 34.

[7] MARCELLINO JUNIOR. Princípio …, op. cit., p. 195.

[8] ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a Law & Economics. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009, p. 55.

[9] Denomina-se Análise Econômica do Direito o movimento surgido na Universidade de Chicago, nos idos de 1960, influenciado pelo liberalismo econômico, o qual procura os ditames das Ciências Econômicas na produção, interpretação e aplicação do Direito, sendo seus expoentes Richard Posner, Ronald Coase e Guido Calabresi.  

[10] HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. A miragem da justiça social. Trad. Maria Luiza Borges. São Paulo: Visão, 1985, p. 45. 

[11] BELLUZO, Luiz Gonzaga. Prefácio à obra GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 05.

[12] MELO, Osvaldo Ferreira de. Ética e Direito. In: DIAS, Maria da Graça dos Santos; SILVA, Moacyr Motta da; MELO, Osvaldo Ferreira de. Política jurídica e pós-modernidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 73.

[13] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 75-77.

[14] SARLET. A eficácia…, op. cit., p. 77.

[15] KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005, p. 68.

[16] SARLET. A eficácia…, op. cit., p. 78.

[17] SARLET. A eficácia…, op. cit., p. 79-80.

[18] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato. (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 98.

[19] Dispõe o Princípio 1: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de adequadas condições de vida em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.”

[20] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3540 MC / DF – Distrito Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 01.09.2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em 13 jun. 2009.

[21] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón; Teoría del garantismo penal. 4a ed., Madrid: Trotta, 2000, p. 908.

[22] HERNÁNDEZ, Marisol Anglés. La Construcción..., op. cit., p. 126. Tradução livre do seguinte trecho: “En este contexto, aunque el derecho a un ambiente adecuado es premisa básica para garantizar el derecho a la vida, a la salud y al desarrollo; formalmente no es um derecho fundamental, ya que colisiona con la naturaleza de los derechos clásicos, caracterizados por su individualización y concretización, los cuales requieren, primordialmente, de uma abstención de los órganos estatales; mientras que el derecho al ambiente esencialmente es abstracto y socializado y alcanza su realización, como bien apunta el profesor REAL FERRER, a través del cumplimiento de la legalidad.”

[23] CANOTILHO; LEITE. (org.). Direito…, op. cit., p. 102.

[24] In: CANOTILHO; LEITE. Direito…, op. cit., p. 97.

[25] ROSA; LINHARES. Diálogos…, op. cit., p. 18.  

[26] FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Trad. Perfecto Andrés Ibanez. Madrid: Trotta, 2001, p. 21. 

[27] ROSA, Alexandre Morais da. Direito transnacional, soberania e o discurso da law and economics. In: CRUZ, Paulo Márcio; STELZER, Joana (Orgs). Direito e transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2009, p. 74.

[28] BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília: Letraviva, 2000, p. 20-21.

[29] CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergência do Estado e do Direito Transnacionais. In: CRUZ; STELZER. Direito…, op. cit., p. 55-71.

Como citar e referenciar este artigo:
BODNAR, Márcio Ricardo Staffen e Zenildo. A Ética Neoliberal e o Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa:(Im)Possibilidade de Flexibilização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/a-etica-neoliberal-e-o-principio-constitucional-da-eficiencia-administrativaimpossibilidade-de-flexibilizacao-do-direito-fundamental-ao-meio-ambiente/ Acesso em: 25 abr. 2024