Direito Administrativo

O Processo Disciplinar e a Lei do Processo Administrativo

O Processo Disciplinar e a Lei do Processo Administrativo

Princípios da Lei do Processo aplicáveis em matéria disciplinar

 

 

Léo da Silva Alves *

 

 

Em Portugal, os confrontos são regulados pelo Código de Procedimento Administrativo. Foi uma grande conquista da cidadania, pois esse diploma regula as relações processuais do cidadão com o os entes administrativos.  Naquele país, a exemplo de outros países da Europa, há os Tribunais Administrativos, especializados no julgamento de causas em que pelo menos uma das partes é a Administração Pública.

 

No Brasil, não há nem tribunal especializado, nem Código. Em uma cidade pequena do interior, um único juiz julga ação de divórcio, briga de cachorros de vizinhos, furto de galinhas, mandado de segurança contra o prefeito e ainda aprecia processos administrativos de toda ordem. É fácil compreender o grau de insegurança, por mais inteligente e dedicado que seja o titular da comarca.

 

Uma medida paliativa chegou entre nós no fim dos anos 90. A Administração Pública federal ganhou a chamada Lei do Processo Administrativo – Lei nº 9.784, de janeiro de 1999. Um mês antes, São Paulo editou a sua. O Estado de Sergipe seguiu na mesma linha. Mato Grosso e Amazonas idem. E a tendência é que cada unidade da Federação venha a ter um regramento relativo à tramitação dos seus processos administrativos.

 

      Tomemos por base a lei federal e examinemos os princípios que devem orientar os processos administrativos em geral.

 

 

LEI Nº 9.784 , DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

 

Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

 

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

 

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

 

 

Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

 

§ 1o Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.

 

§ 2o Para os fins desta Lei, consideram-se:

 

I – órgão – a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta;

II – entidade – a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;

III – autoridade – o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.

 

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (Grifamos)

 

 

      Como se vê no art. 2º, lá estão novamente os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, extraídos da própria Constituição Federal. Mas outros princípios foram inseridos, a saber:

 

·         finalidade

·         motivação

·         razoabilidade

·         proporcionalidade

·         ampla defesa

·         contraditório

·         segurança jurídica,

·         interesse público

 

 

A INTERPRETAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

 

FINALIDADE – Significa que a ação pública se destina, sempre, ao atendimento do interesse coletivo, do bem comum. Toda reação administrativa, portanto, está vinculada a este fim. A finalidade do controle da disciplina é melhorar o funcionário e melhorar o serviço.

 

Mesmo em um processo administrativo, onde o advogado defende o direito de um particular, em sendo direito, está presente a finalidade do Estado, que tem a obrigação, perante todos os cidadãos, de resguardar as garantias individuais e os direitos confirmados nos textos legais. A própria Constituição Federal assegura, como um dos seus fundamentos, a segurança jurídica, que deve estar presente em todas as relações.

 

MOTIVAÇÃO – As decisões administrativas têm que ser motivadas. Quaisquer decisões que tenham reflexo em relação a terceiros. E isso não ocorre apenas com as chamadas decisões terminativas, mas vale, também, para as interlocutórias, isto é, aquelas tomadas no curso de um processo.

 

Assim, se a defesa postula a produção de determinada prova, o indeferimento, se for o caso, deverá ser motivado. Não o sendo, a autoridade administrativa incorre na figura do cerceamento de defesa.

 

O que é motivar? Motivar não é, com pensam alguns, apresentar uma desculpa lacônica ou genérica, como, por exemplo, dizer que a prova pretendida é de caráter protelatório. Isso não é motivação! Motivar de verdade significa apresentar as razões de fato e de direito que sustentam a decisão. Neste sentido, é a posição do Superior Tribunal de Justiça:

 

Conforme entendimento firmado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no processo administrativo disciplinar, o presidente da comissão deve fundamentar adequadamente a rejeição de pedido de oitiva de testemunhas formulado pelo servidor (art. 156, § 1º, da Lei 8.112/90), em obediência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). No caso, a autoridade administrativa indeferiu os depoimentos requeridos na defesa escrita, pois não trariam maiores esclarecimentos para o desfecho da investigação. Deveria, contudo, ter explicitado o motivo porque tais testemunhos seriam desnecessários, e não fazer mera repetição da regra do citado art. 156, § 1º, da Lei nº 8.112/90.

 

A insuficiente fundamentação da recusa ao pleito do impetrante configura cerceamento de defesa, o que importa na declaração de nulidade do processo administrativo disciplinar desde tal ato.

 

MS 10468 / DF; MANDADO DE SEGURANÇA 2005/0030834-5

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – TERCEIRA SEÇÃO

DJ 30.10.2006 p. 237

 

      RAZOABILIDADE – Todos acham que os seus atos são razoáveis. Por isso, é muito difícil explicar o que é razoável. Mais fácil é dizer o que não é razoável.

 

Não é razoável aquilo que, especialmente:

 

·         contraria o senso comum das pessoas;

·         afronta a lógica;

·         não apresenta nexo entre o pressuposto e o resultado.

 

Como exemplo, podemos citar o seguinte: A legislação, seguindo Súmulas do Supremo Tribunal Federal, garante que a Administração pode rever, a qualquer tempo, os atos eivados de irregularidade. O a qualquer tempo, entretanto, não tem sentido de infinito. Prevalece a prescrição qüinqüenária. Vale dizer, os atos podem ser revistos a qualquer tempo, dentro do tempo hábil não fulminado pela prescrição, que é regra de ordem pública. Então, cinco anos. Entretanto, em 1969, um servidor foi punido pelo Governo Militar, em ato “assinado” pelo então presidente Costa e Silva. Descobriu-se, dez anos depois, que a assinatura do presidente da República fora falsificada. Alguém, em palácio, querendo ser prático, assinou por ele, imitando a assinatura (lembre-se que o presidente, à época, estava gravemente enfermo). A verdade é que o ato continha vício fundamental, só descoberto uma década depois. E a prova, de ordem pericial, era irrefutável. Seria razoável aplicar, no caso, a regra da prescrição em 5 anos? O princípio da razoabilidade, no caso, combinado com a eqüidade, vem em socorro para garantir a proclamação da justiça.

 

Veja-se, então, como o cruzamento de um princípio com a lei e com o fato concreto pode oferecer a solução justa. E a justiça é o objeto do Direito.

 

PROPORCIONALIDADE – Esse princípio tem especial importância na avaliação das penas aplicadas pela Administração. Diz respeito, portanto, à dosagem da reprimenda. Ela não pode ser maior do que a lesão sofrida pelo Estado. Todo ato punitivo, portanto, deve ser proporcional à gravidade da falta cometida pelo agente.

 

AMPLA DEFESA – O princípio da ampla defesa, que tem dignidade constitucional, vale plenamente para o processo administrativo. Em outros tempos, interpretava-se como sendo válido unicamente na esfera judicial. Hoje, não há diferença. Tanto em juízo quanto na esfera administrativa, o direito à plenitude da defesa é regra inafastável.

 

      O direito à defesa plena traz no seu bojo três outros direitos:

 

·         Direito a informação – o advogado (ou a parte) deve ter acesso a tudo o que acontece no processo);

 

·         Direito de manifestação – em qualquer momento, pode-se peticionar, para impugnar atos, requerer diligências, suscitar incidentes;

 

·         Direito de ter as suas razões consideradas – as razões apresentadas pela defesa devem ser objetivamente enfrentadas pela Administração, que não pode julgar a causa sem explicar o porquê de não acolher cada item da sustentação de quem se defende.

 

 

Podemos, também, adotar a didática lição de Romeu Felipe Bacellar Filho[1]:

 

“O princípio da ampla defesa, aplicado ao processo administrativo disciplinar, é compreendido de forma conjugada com o princípio do contraditório, desdobrando-se I) no estabelecimento da oportunidade da defesa, que deve ser prévia a toda decisão capaz de influir no convencimento do julgador; II) na exigência de defesa técnica; III) no direito à instrução probatória que, se de um lado impõe à Administração a obrigatoriedade de provar suas alegações, de outro, assegura ao servidor a possibilidade de produção probatória compatível; IV) na previsão de recursos administrativos, garantindo o duplo grau de exame no processo”.

 

 

CONTRADITÓRIO – Há quem o confunda com a ampla defesa. O contraditório, todavia, é a oportunidade de desmontar as provas em desfavor. Enquanto no exercício da defesa a pessoa demonstra a verdade dela, no contaditório procura derrubar a verdade (ou a mentira) posta contra si.

 

Assim, se é juntado um documento, o argüido pode contraditar, impugnando e suscitando incidente de falsidade; se uma testemunha depõe contra o seu cliente, o advogado, ao fazer a reinquirição, buscará destruir a versão. E assim por diante. Afinal, toda prova admite contraprova.

 

SEGURANÇA JURÍDICA – O processo deve contar com a certeza jurídica e segurança jurídica. No primeiro caso, trata-se de recolher provas para os autos. O processo será juridicamente certo se tiver elementos de convicção. Mas isso não basta. É preciso que essa certeza seja alcançada por meios que o direito reconhece ou, pelo menos, não vede. Uma prova obtida por meio ilícito, por exemplo, pode dar certeza, mas não dá segurança do ponto de vista jurídico.

 

INTERESSE PÚBLICO – Já vimos que a finalidade da Administração é a satisfação do interesse público. Cabe á autoridade administrativa mostrar, com provas robustas, que a conduta do agente fere, direta ou indiretamente, a regularidade do serviço e, por conseguinte, o interesse público. A sanção não pode ser uma reação mecânica, desprovida de um sentido. É da essência do Direito Penal o sentido de proteção. A norma posta no Código Penal visa proteger o corpo social; a norma posta no estatuto funcional visa proteger a ordem administrativa.

 

 

* Léo da Silva Alves é conferencista especializado em Direito Disciplinar, com trabalhos no Brasil e na Europa. Autor de 35 livros



[1]Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar”. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 347.

Como citar e referenciar este artigo:
, Léo da Silva Alves. O Processo Disciplinar e a Lei do Processo Administrativo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/o-processo-disciplinar-e-a-lei-do-processo-administrativo/ Acesso em: 19 abr. 2024