Direito Administrativo

Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos

Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

1. Conceito

 

É muito comum encontrar na prática a invocação do princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como forma de melhorar as condições do contrato, visando obtenção de lucros maiores.

 

Trata-se de um procedimento equivocado. Se o contratado apresentou proposta inviável ou inexeqüível do ponto de vista financeiro, para vencer a concorrência, a cláusula do equilíbrio econômico-financeiro não poderá ser invocada para obtenção de melhoria financeira. O equilíbrio econômico-financeiro não significa o fato de o contratado recuperar o prejuízo ou buscar uma situação lucrativa.

 

No dizer de Caio Tácito, o princípio do equilíbrio econômico-financeiro se traduz no direito do contratado ‘à permanente equivalência entre a obrigação de fazer do contratante privado e a obrigação de pagar da Administração Pública’ e teria se consolidado desde o ‘famoso acordo do Conselho de Estado Francês, no caso da Compagnie Générale de Transways (21 de março de 1910) no sentido de que sempre que se agravassem os encargos do outro contratante por ato unilateral da Administração cabia a esta indenizar a álea extraordinária acrescida ao contrato (Hauriou – La jurisprudence administrative – 1822 a 1929, t. III, p. 470/s.)[1].

 

Para Odete Medauar, o chamado equilíbrio econômico-financeiro, também conhecido como equação financeira do contrato ‘significa a proporção entre os encargos do contratado e a sua remuneração, proporção esta fixada no momento da celebração do contrato; diz respeito às chamadas cláusulas contratuais, terminologia redundante, classicamente usada para designar as cláusulas referentes sobretudo à remuneração do contratado’[2].

 

Finalmente, na precisa lição de Marçal Justen Filho, ‘a garantia constitucional se reporta à relação original entre encargos e vantagens. O equilíbrio exigido envolve essa contraposição entre encargos e vantagens, tal como fixada por ocasião da contratação’. Prosseguindo, arremata: ‘O equilíbrio de que se cogita é puramente estipulativo. As partes reputam que os encargos equivalem às vantagens, o que não significa que, efetivamente, haja um equilíbrio econômico real, material, de conteúdo[3]’.

 

 

2 Confusão entre recomposição do preço e reajuste do preço

 

Pode-se observar que, não raras vezes, a Administração Pública invoca o art. 65, II, letra d da Lei nº 8.666/93, para condicionar o reajuste do preço ao implemento das situações aí previstas.  Trata-se de inadmissível confusão entre recomposição de preços e reajustamento de preços, cada qual operando em campos diferentes.

 

Distinguindo as duas figuras, Marçal Justen Filho, com muita propriedade, assim se pronuncia:

 

 ‘A recomposição é o procedimento destinado a avaliar a ocorrência de evento que afeta a equação econômico-financeira do contrato e promove adequação das cláusulas contratuais aos parâmetros necessários para recompor o equilíbrio original. Já o reajuste é procedimento automático, em que a recomposição se produz sempre que ocorra a variação de certos índices, independentemente de averiguação efetiva do desequilíbrio’[4].

 

            Como se verifica, a recomposição de preço tem lugar quando ocorrer alteração extraordinária de preços, independentemente do processo inflacionário. Pressupõe superveniência de situações previstas na letra d, do inciso II, do art. 65 da lei de regência.

 

O reajuste de preço outra coisa não é senão mera atualização do poder aquisitivo da moeda. Todo país que convive permanentemente com a inflação passou a incorporar o instituto do reajuste como prática contratual, à vista da impossibilidade ou da  inconveniência da prática de preços nominais fixos. No nosso País, a partir do final da década de sessenta generalizou-se a prática da indexação em todos os campos, antes restrita às indenizações de natureza trabalhista, tributos e seguros.

 

Dessa forma, não resta dúvida de que o reajuste de preços é destinado exclusivamente ao restabelecimento da equação econômico-financeira, rompida pelas variações inflacionárias e independe de própria previsão contratual, por ser de origem constitucional. Daí porque Marçal Justen Filho acoima de inconstitucional o art. 2º, I, do Decreto Federal nº 94.684, de 24.07.1987, que só permitia o reajuste de preços quando ‘previamente estabelecidos os respectivos critérios nos instrumentos convocatórios da licitação ou nos atos formais de sua despensa’[5]

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Por outro lado, não há negar que, mesmo na conjuntura vigorante após o advento do Plano Real, a variação de preços decorrentes da inflação causa impacto no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Daí a necessidade de atualização monetária do preço, decorrido determinado período, utilizando-se  de índice oficial previsto na lei ou no contrato.

 

 

3. Momento da definição do equilíbrio econômico-financeiro

 

Parece não haver dúvidas, quer na doutrina, quer na jurisprudência de nossos tribunais no sentido de que o reajustamento do preço se faz a partir da data da apresentação da proposta.

 

O problema surge quando, entre a data da apresentação da proposta e a data da celebração do contrato decorre um longo período, por fatores que independem da vontade do contratado. Nessas hipóteses, é comum a Administração Pública pretender fixar o termo inicial do reajustamento do preço na data da assinatura do respectivo contrato, o que é um procedimento equivocado ao nosso ver.

 

Ora, a equação financeira do contrato se aperfeiçoa na data da apresentação da proposta à Administração Pública. Uma vez aceita a proposta pelo poder público, consagrada fica a equação econômico-financeira dela decorrente, não sendo mais possível alteração unilateral pela Administração, porque aquela equação passou a ser protegida pelo direito.

 

E aqui é oportuno invocar a lição de Marçal Justen Filho, que examina essa questão à luz do Plano Real:

 

‘A disciplina ao reajuste foi objeto de modificações em virtude do Plano Real.  Somente se admite reajuste após decorridos doze meses, com efeitos para o futuro.  Segundo a nova sistemática, não se produz reajuste entre a data da proposta (ou do orçamento a que ela se refere) e a data da contratação.  Computa-se sempre o prazo de doze meses.  Logo, é possível reajuste antes de um ano da contratação, desde que decorrido um ano da formulação da proposta’[6].

 

            Outro não é o entendimento do conhecido publicista, Ivan Barbosa Rigolin que, comentado o dispositivo pertinente da lei de regência da matéria, assim se manifesta:

 

 ‘Reajuste (art. 40, XI).  Também tratado por reajustamento, essa comum e freqüente causa de acréscimo do valor contratual  tornou-se praticamente obrigatória em contratos de largo fôlego, com mais de um ano de duração a contar da data da proposta. E é de bem  que o seja, porque constitui apenas a reposição da perda do poder aquisitivo da moeda, ou da inflação havida, seja ela geral, seja compartimentada por segmentos específicos da economia, e como tal não constitui alteração do contrato, nem exige termo aditivo que a conceda, mas mera anotação do gestor, independentemente de requerimento  do contratado, observado o índice expresso no edital da licitação respectiva ou no próprio contrato, ou em ambos.  Sempre insistimos em que reajuste é assunto sério, de profissionais sérios, que repõe seriamente a perda inflacionária ou altista de preços; nesse ponto difere radicalmente da revisão, que como se irá em parte examinar muita vez pouco tem de sério’.

E prossegue o renomado autor:

Em havendo a previsão editalícia ou contratual de reajuste – que atualmente tem periodicidade mínima de um ano a contar da data da proposta ou do orçamento da própria Administração (o que se revelou  tecnicamente muito desaconselhável na prática) por força da legislação regedora do assim denominado plano real ([7]) – o reajuste, vencido o prazo  aquisitivo pré-estabelecido, deve ser atribuído ao contrato em favor do contratado[8]’.

 

Aliás, é de se lembrar que  o termo inicial do reajuste está claramente definido no inciso XI do art. 40 da Lei nº 8.666/93:

 

‘Art. 40 – O edital conterá ….. e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

……………………………………………………………………

XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para a apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela’.

 

O direito ao reajuste do preço surge sempre que decorrido o prazo de doze meses a contar da data a apresentação da proposta, pouco importando que contrato tenha consignado, como é comum, o decurso do prazo de  doze meses de vigência do contrato, como condição para promover o reajuste. É que não  há, nem pode haver pactuação contra expressos dispositivos de ordem pública.

 

Aliás, o reajustamento, em decorrência dos índices inflacionários, não depende de previsão  contratual.  Ele decorre de lei.  De fato, prescreve o § 1º do art. 5º da Lei nº 8.666/93, não bastasse a previsão do já citado art. 40, XI:

 

‘§ 1º – Os créditos a que se refere este artigo terão seus valores corrigidos por critérios previstos no ato convocatório e que lhes preservem o valor’.

 

Outrossim, importante distinguir a correção monetária em si, que independe de previsão no ato convocatório, e os critérios de correção previstos no ato convocatório. São duas coisas distintas.

 

A correção monetária é obrigatória nos termos do § 1º do art. 5º retrotranscrito, não dependendo de concessão do poder público contratante. Outra coisa são os critérios de atualização monetária que, de conformidade com o inciso III do art. 55 da lei de regência da matéria, devem constar obrigatoriamente das cláusulas contratuais.

 

Concluindo, o reajuste de preço, a partir da data da apresentação da proposta, e não da data da celebração do contrato, é uma exigência legal só podendo ser dispensado na hipótese de previsibilidade da inflação para curto prazo, como é, por exemplo,  o caso previsto no § 4º do art. 40 da Lei nº 8.666/93.

 

SP, 17.04.06.

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br

site: www.haradaadvogados.com.br



[1] O equilíbrio financeiro nos contratos administrativos (texto inédito). Apud  Toshio Mukai, Direito administrativo sistematizado.  São Paulo: Saraiva, 1999, p.340.

[2] Direito administrativo moderno. São Paulo:Revista dos Tribunais, , 8ª ed., 2004, p. 254.

[3] Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 10ª edição, 2004,  p. 528.

[4] Ob. Cit., p. 389.

[5] Ob. cit, p.535.

[6] Ob. cit, p. 482.

[7] Muito particularmente centrado, quanto à questão dos reajustes anuais de contratos,  no art. 2º, da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2.001, oriunda de uma medida provisória que foi reeditada 71 (setenta e uma) vezes, e que por último foi a MP nº 2.074-72, de 27 de dezembro de 2.000.

[8] Contratos administrativos na Lei nº 8.666/93: nove causas para elevação do seu valor. Boletim de Administração Pública Municipal, ed. Fiorilli, junho/04, p. 131.

 

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/equilibrio-economico-financeiro-dos-contratos-administrativos/ Acesso em: 28 mar. 2024