Direito Administrativo

O desvio de função e suas consequencias no serviço público

RESUMO

O estudo debruça-se sobre os diversos aspectos que gravitam ao tema desvio de função no serviço público. O objetivo do trabalho foi abordar a temática identificando as causas e as consequências do desvio de função e, ainda, seus desdobramentos jurídicos. A análise observou os pontos de vista funcional, administrativo e financeiro à Administração Pública. Com referencial teórico em estudos de renomados juristas e nas decisões reiteradas dos Tribunais Superiores, o resultado expõe uma realidade nociva encontrada de norte ao sul do Brasil, seja do ponto de vista do servidor, da população ou da Administração Pública.

PALAVRAS-CHAVE: Serviço Público. Desvio de Função. AdministraçãoPública.

I – INTRODUÇÃO

O desvio de função se caracteriza quando o servidor público é submetido a funções as quais não estão delineadas no rol de atribuições do cargo público (descritos por lei, em sentido formal) em que esteja provido.

As consequências da pratica deletéria são derradeiramente negativas, o desvio de função gera danos diversos ao servidor, a prestação de serviço e a própria Administração Pública.

O panorama da realidade nacional identifica que gestores visando solucionar a falta de recursos humanos aplicam o famoso “jeitinho brasileiro”, impondo o desvio de função aos servidores, contudo, com nefastas consequências que vão desde o cunho institucional ao patrimônio estatal – que deve indenizar os servidores submetidos à atividade.

Atenta-se ao fim a conscientização dos gestores públicos, no sentido que não permitam a ocorrência do evento em foco, pois latentes os efeitos jurídicos de tal ocorrência e, inclusive, pode gerar a responsabilização pessoal do gestor por ato de improbidade administrativa.

II – DO SERVIDOR EM DESVIO DE FUNÇÃO

Em tempos de crise econômica aumenta, cada vez mais, o número de brasileiros que procuram no serviço público uma melhora de vida para si e seus familiares.

A visão coletiva de que os servidores públicos possuem altos salários – e pagos em dia, estabilidade, horário de trabalho flexível e pouca cobrança funcional faz com que a concorrência aos cargos chegue as centenas – eventualmente aos milhares – de postulante por vaga.

Tão árduos esforços para atingir o cargo público, com tantas expectativas criadas, acabam por se tornar grandes frustações quando empossado, a realidade no serviço público, muitas vezes, passa longe daquilo previsto no imaginário popular.

Dentre os aspectos identificados que mais afetam o servidor, não raras vezes causando sérios problemas psicológicos, está o famigerado desvio de função.

Importante se anotar que, eventualmente, o próprio servidor prefere atuar na função adversa, contudo, na maioria das vezes, este não opera por opção, mas pela imposição seja da chefia imediata, seja pela cúpula do órgão (flagrante falha na gestão governamental), trazendo o “jeitinho brasileiro” à frente da gestão de pessoal.

Nesse sentido, àquele cidadão, outrora almejante as benesses do serviço público, sente a realidade um tanto quanto diferente quando submetido à atuação em desvio de função e isso reflete na qualidade do serviço prestado à população.

Como consequência deste contexto, tem-se um servidor desestimulado e, em sua maioria, despreparado para a atuação naquela atividade com a qual não teve preparação técnica e muitas vezes este se quer possui a formação acadêmica mínima exigida por lei ao cargo, ora suprido – casos excepcionais se deflagram, por postura de profissionais extraordinários que acabam suprindo tais constatações, pois investem em formação particular ou, por empatia louvável a prestação do serviço à sociedade, se desdobram em suas funções legais em acumulação às avessas.

III – DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE (DA ILEGALIDADE)

Por outro viés, a ordem constitucional vigente aponta que os cargos públicos sejam de providos por concurso público de provas, ou provas e títulos.

De toda sorte, cargos públicos possuem suas atribuições, número de cargos da carreira, remuneração, direitos e vantagens, e demais aspectos basilares, delimitados pela lei.

Ou seja, o administrador público não pode determinar aos agentes comandados que façam aquilo que este entender e que, eventualmente, seja “a necessidade da Administração”.

O gestor público somente pode determinar aos servidores que atuem dentro do limite das atribuições que a lei consigna. Tal vinculação a lei ocorre em razão da previsão constitucional de observância ao principio da legalidade.

O insigne jurista Meirelles (2005) define o princípio da legalidade como:

A legalidade, como principio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. (Meirelles, 2005, p.315)

O que se depreende da realidade corriqueira na administração pública é que em faltando servidores ocupantes de determinado cargo, o chefe da repartição ordena que outro servidor – com atribuição diversa – faça o serviço, ainda que sem o respectivo amparo legal.

Na maioria dos casos, o chefe da repartição ou mesmo o gestor público superior (Secretários de Estado, Chefes de Órgão, etc.) determina o desvio de função visando o interesse coletivo, ocorre, todavia, que tal tratativa não possui respaldo legal/constitucional e deve ser combatida.

Ao princípio da legalidade é importante se esclarecer que o mandamento constitucional tem duas acepções diferentes: quando da relação entre os particulares (art. 5º, inciso II, da CF/88) e quando da atuação dos agentes públicos (art. 37º CF/88).

Nas relações privadas, o princípio da legalidade permite que o cidadão faça tudo àquilo que a lei não proíba. A lei serve como um limitador da liberdade e esta determina quais condutas não são permitidas. Ou seja, não havendo proibição legal, os particulares possuem liberdade para agir como convir.

Por outro turno, quando se trata do princípio da legalidade aos agentes públicos, o postuladotem acepção bem diversa e visa à supremacia e indisponibilidade do interesse público.

Nesse viés, o princípio da legalidade passa a exigir que a Administração, e seus agentes, somente façam aquilo que a lei lhe permita, ou seja, somente se exterioriza comportamentos que sejam permitidos pela norma.

Há, portanto, uma descrição das atribuições do servidor público na lei que trata sobre seu respectivo cargo público e esta fixação legal deve ser restritamente obedecida.

A atuação funcional fora dos limites delineados pela legislação do cargo trata do famigerado desvio de função.

 IV – DA INDENIZAÇÃO AO SERVIDOR

No plano jurídico, mostra-se transparente que o desvio de função é atuação ilegal.

O primeiro reflexo exala-se ao fato que o servidor terá direito de ser indenizado e receber eventual diferença de salário, caso a função a qual esteja exercendo seja de cargo público que remunere em quantia superior daquela recebida pelo servidor no seu cargo de origem.

Nesse sentido, são vários os julgados na jurisprudência nacional que condenaram a Administração a pagar a respectiva diferença salarial, sendo, inclusive, tal entendimento sumulado no Tribunal da Cidadania (Sum. 378), senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO. MATÉRIA PREQUESTIONADA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DESVIO DE FUNÇÃO RECONHECIDO. DIFERENÇAS SALARIAIS.SÚMULA 378/STJ. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS

1. Apesar do reconhecimento de que a autora, ora agravada, exerceu, de fato, a função de Enfermeira – embora tenha sido investida no cargo de Auxiliar de Enfermagem -, o Tribunal de origem entendeu não ser devido o pagamento das diferenças salariais decorrentes do referido desvio.

2. Assim, observa-se que o acórdão recorrido contraria a jurisprudência consolidada por esta Corte Superior de Justiça, notadamente a Súmula 378/STJ, segundo a qual: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”. 3. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças de vencimentos decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado.

4. Por fim, mostra-se inviável a apreciação da alegada ofensa ao artigo 37 da Constituição Federal, uma vez que não cabe a esta Corte, em recurso especial, o exame de matéria constitucional, cuja competência é reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, inciso III, da Carta Magna.

5. O acórdão embargado foi categórico ao afirmar que a fixação da verba no importe de R$ 1.000,00 evidencia-se, de fato, irrisória para a hipótese dos autos, dada a complexidade do caso, razão pela qual a majoração é medida que se impõe, sob pena de aviltamento da atividade advocatícia. (…)

(AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1382874/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 17/02/2014)

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. SÚMULA 378/STF. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. QUANTUM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta ao art. 535, II, do CPC, não se devendo confundir “fundamentação sucinta com ausência de fundamentação” (REsp 763.983/RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJ 28/11/05).

2. “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes” (Súmula 378/STJ).

3. “Em sendo vencida a Fazenda Pública, tem aplicação o parágrafo 4º e, não, o parágrafo 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, devendo os honorários ser fixados consoante apreciação equitativa do juiz, insuscetíveis de revisão na forma da Súmula n. 7/STJ” (AgRg no REsp 995.879/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 23/5/12).

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag 1427331/RN, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 30/08/2012)

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS. PRESCRIÇÃO. SÚMULA 85/STJ. SÚMULA 378/STJ.

1. Esta Corte perfilha entendimento no sentido de que, em se tratando de desvio de função e não havendo negativa do direito reclamado, o servidor não tem direito apenas às parcelas anteriores aos cinco anos que antecederam a propositura da ação, nos termos da Súmula 85/STJ.

2. “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”. Inteligência da Súmula 378/STJ.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 68.451/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 13/12/2011)

Ante a contumácia da matéria, o Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização jurisdicional no plano da legalidade infraconstitucional, já editou súmula, sobre o tema que diz “SÚMULA N.378 Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes” (Súmula 378, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 05/05/2009).

Nessa esteira, não há dúvida que aquele que exercer a atividade em desvio de função terá direito a receber eventual diferença salarial, contudo, não há no atual ordenamento jurídico a possibilidade de equiparação salarial ou eventual promoção/enquadramento funcional.

Muitos casos foram levados ao judiciário, em que os servidores que estiveram em desvio de função pleiteavam o reenquadramento no cargo que efetivamente estavam exercendo suas funções, muitas vezes por anos, contudo, reiteradamente, a Justiça tem negado tal pedido.

A negativa judicial ao reenquadramento, se mostra necessária tendo em vista que teríamos uma forma indireta de burlar a isonomia prevista na Constituição Federal – que estabeleceu o concurso público como regra de acesso aos cargos públicos. Vejamos a jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO OCUPANTE DO CARGO DE ARQUIVISTA. REDISTRIBUIÇÃO. POSTERIOR ENQUADRAMENTO COMO PROCURADOR. IMPOSSIBILIDADE. ATOS NULOS. PRAZO DECADENCIAL. ART. 54 DA LEI 9.784/1999. TERMO INICIAL. ATOS PRATICADOS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI 9.784/1999. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO.SÚMULA 7/STJ.

1. Hipótese em que o Tribunal local consignou: “A portaria tornada sem efeito pela Administração não encontrava respaldo na ordem legal e constitucional então vigente, cuidando-se, portanto, de ato nulo de pleno direito. A redistribuição de seu emprego não exigiu transformação do mesmo; em todo caso, consolidada anos antes que a Lei n° 8.270/91 entrasse em vigor” e “O desvio de função vislumbrado não poderia justificar a transformação do cargo ocupado pela Embargante. Embora fizesse jus, em tese, às diferenças salariais, nos termos da Súmula n° 233 do antigo Tribunal Federal de Recursos e da Súmula n° 378 do STJ – já adimplidas, no caso, exatamente por conta do indevido enquadramento -, não teria direito a permanecer naquela situação e menos ainda ao reenquadramento. Precedentes do STJ e deste TRF2” (fl. 1.428, e-STJ).

2. O Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que mesmo os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da Lei Federal 9.784, de 1.2.99, estão sujeitos ao prazo decadencial quinquenal contado da sua entrada em vigor. A partir de sua vigência, o prazo decadencial para a Administração rever seus atos é de cinco anos, nos termos do artigo 54. 3. Depreende-se da leitura de trechos do acórdão acima transcritos que o Tribunal a quo foi categórico ao afirmar que: a) os documentos trazidos aos autos comprovam que as atividades típicas e os requisitos próprios aos cargos de procurador e arquivista são distintos entre si; b) nenhum elemento sugere tenha sido necessária transformação de seu emprego para tal fim, cumprindo observar que, uma vez desfeito o enquadramento, a servidora já voltou a figurar, na Portaria 152, de 10.04.1997, como “ocupante do cargo de Arquivista “; c) houve uma tentativa de adequar o direito aos fatos concretamente observados no âmbito da CEFET/QUÍMICA, prestando-se somente a mascarar a flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade da manobra; e d) não poderia o desvio de função ocorrido legitimar a transformação do cargo ocupado pela ora recorrente. Assim, é evidente que, para modificar o entendimento firmado no acórdão recorrido, seria necessário exceder as razões colacionadas no acórdão vergastado, o que demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, vedada em Recurso Especial, conforme Súmula 7/STJ.4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.(REsp 1678831/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 09/10/2017)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. DIREITO ÀS DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DE DESVIO DE FUNÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 375/STJ.1. A jurisprudência do STJ há muito se consolidou no sentido de que o servidor que desempenha função diversa daquela inerente ao cargo para o qual foi investido, embora não faça jus ao reenquadramento, tem direito de perceber as diferenças remuneratórias relativas ao período, sob pena de se gerar locupletamento indevido em favor da Administração.2. Entendimento cristalizado na Súmula 378/STJ: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” 3. Recurso Especial não provido.(REsp 1689938/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 10/10/2017)

V – DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Nesse diapasão, salutar o fato que eventual condenação da Administração ao pagamento de respectiva indenização, não impede de o respectivo Ente Público acionar, em ação de regresso, o servidor/gestor público que permitiu a ocorrência do desvio de função.

Por derradeiro, verificamos que o gestor público que impõe a seus subordinados, ou mesmo que somente consinta, a ocorrência do desvio de função ocorrerá em ato de improbidade administrativa.

Prima facie, isso ocorre porque o desvio de função fere a legalidade e a moralidade administrativa, e, a afronta a esses princípios importa em ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).

O segundo motivo ensejador de ato de improbidade é àquele previsto no art. 10, da lei em apreço, o qual pune situações nas quais o agente público cause prejuízo ao erário – e no caso haverá, pois, o Estado terá de indenizar àquele servidor que foi submetido ao respectivo desvio de função!

Vejamos a jurisprudência do tribunal da cidadania:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOMEAÇÃO DE SERVIDORA COMISSIONADA CONTRATAÇÃO PARA EXERCER, COM DESVIO DE FUNÇÃO, CARGO DE PSICÓLOGA, EM PRETERIÇÃO A APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/92. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADA.

1. Trata-se de Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Sergipe contra prefeita por ter nomeado servidora para cargo comissionado, designando-a, todavia, para desempenhar, com desvio de função pública, a atividade de psicóloga, em preterição dos aprovados em concurso público para tal cargo.

2. Conduta que viola os princípios da administração pública da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, insculpidos no art. 37 da Constituição, assim como o disposto no inciso II de tal dispositivo, além de atentar contra os deveres da imparcialidade e legalidade. Caracterização do ato ímprobo previsto no art. 11 da Lei 8.429/1192.

3. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/1992 não exige demonstração de dano ao erário ou de enriquecimento ilícito, não prescindindo, todavia, da demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico.

4. Recurso Especial provido para reconhecer a prática do ao ímprobo descrito no art. 11 da Lei 8.429/1992 com a imposição da sanção fixada pela sentença, com base no princípio da economia processual.

(REsp 1505360/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 12/02/2016)

Importante, salientar que, seja o chefe imediato ou gestores do primeiro escalão do governo, todos os agentes públicos envolvidos podem ser responsabilizados por tais atos de improbidade.

Nesse sentido, em havendo falta de servidores para determinada função a chefia local deve formalizar imediatamente tal fato ao superior hierárquico – e este, de igual forma, ao seu Superior até que chegue ao Gestor responsável – não permitindo a reiteração de atos em desvio de função, sob pena de responsabilidade pessoal.

VI – CONCLUSÃO

Ab initio, reflexo do jeitinho brasileiro para resolver o problema de recursos humanos/falta de verba orçamentária, o desvio de função se mostra como fenômeno extremamente nocivo a Administração Pública.

O estudo demonstrou que a ocorrência do instituto gera o dever de indenizar ao servidor que é submetido à atividade a qual não possui atribuição legal, bem como, que é possível a responsabilização, por ato de improbidade administrativa, do gestor que permite, ou submete, a ocorrência do ato.

Além do constrangimento àquele que é submetido à tarefa com a qual não prestou certamente público, notadamente, há o perigo institucional que a prática ilegal acarreta seja no sentido de abalo orgânico, financeiro, ou mesmo da própria prestação do serviço público, sendo necessário o combate de tal comportamento deletério pelos gestores públicos.

VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativos, Malheiros Editores,1993.

BRASIL. Consituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.

BRASIL. Lei nº 8.429/92. Lei de Improbidade Administrativa, de 02 junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8429.htm.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ªed.São Paulo: Saraiva, 2013.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 30ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.29ªed. São Paulo: Atlas, 2013.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Método, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.36ªed. São Paulo: Malheiros, 2013.

 

AUTOR: José de Jesus Hemerly Filho

Advogado e professor universitário, pós-graduado em gestão pública (UFES).

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, José de Jesus Hemerly. O desvio de função e suas consequencias no serviço público. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/o-desvio-de-funcao-e-suas-consequencias-no-servico-publico/ Acesso em: 28 mar. 2024