Direito Administrativo

A atuação do Ministério Público na fiscalização dos recursos da saúde pública

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INTRODUÇÃO

A gestão da saúde pública no Brasil é um assunto complexo que envolve uma série de discussões. Em que pese à promulgação da Constituição Federal de 1988 e a consequente transformação da saúde pública pátria, tem-se que os recursos a serem aplicados na área, além de não receberem a correta destinação legal, muitas vezes são objeto de atos ilícitos por parte de seus gestores, que se apropriam, desviam e malbarateiam o erário público, influenciando diretamente na prestação dos serviços e no bem-estar físico e psíquico do usuário.

Deste modo, o objetivo do presente trabalho é demonstrar a distribuição e a vinculação dos recursos públicos a serem aplicados nas políticas de saúde pública, no âmbito dos entes federativos, bem como a atuação dos órgãos fiscalizadores na tutela do patrimônio da saúde, demonstrando os procedimentos investigativos e as medidas a serem tomadas na defesa sanitária, mormente realizadas pelo Ministério Público.

Para tanto, busca-se no primeiro capítulo elencar o contexto histórico e as mudanças ocorridas no Sistema Único de Saúde, assim como expor sua disciplina e funcionamento. No segundo capítulo será abordada a definição e constituição dos atos de improbidade administrativa, de modo a serem analisados no contexto da saúde pública. Por fim, no terceiro capítulo será enfatizada a atuação do Ministério Público na fiscalização dos mencionados recursos, e como se dá o combate aos atos de improbidade administrativa no âmbito de aplicação das verbas públicas destinadas às políticas de saúde.

Trata-se de pesquisa bibliográfica e documental, com a consequente análise de casos práticos e demonstração de dados.

I – O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

1.1 História e Criação do Sistema Único de Saúde

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a saúde pública estava a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, que tornava cada vez mais restrito o acesso aos serviços àquelas pessoas que fossem empregadas e que contribuíssem com a Previdência Social. Ou seja, quem não era contribuinte era atendido pelos serviços filantrópicos, e não pelos serviços do Estado. Naquele período, entre 1970 a meados de 1980, as atividades médicas públicas eram restritas aos chamados Centros de Saúde, que exerciam as atividades de prevenção, como vacinação e atendimentos básicos.

No final da década de 1970, o INAMPS começa a passar por uma grande crise financeira, o que acarretou problemas ainda maiores à assistência à saúde, de vez que o orçamento era o mesmo para a Previdência e a as despesas da saúde. Automaticamente, o erário público destinado à saúde, que já pouco, encontrava-se ainda mais comprometido. Diante desse quadro, e nesse bojo, surgiu o Movimento pela Reforma Sanitária no Brasil, que foi um grande movimento encampado pelos sanitaristas e alguns seguimentos mais democráticos do país, à época (POLIGNANO, 2013).

Em 1986, com o advento da 8ª Conferência Nacional de Saúde, foram definidos os princípios basilares de um novo sistema de saúde e previdência para o Brasil. Uma das propostas oferecidas pelo Movimento da Reforma Sanitária era a divisão do INAMPS, a fim de que a Previdência Social fosse separada da assistência médica, fundamentalmente, em seu orçamento.

Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, as diretrizes da 8ª Conferência Nacional de Saúde foram aprovadas pelos parlamentares constituintes, o que resultou na inserção do Título VIII, Capítulo II, Sessão II no texto da Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988. Nesta mesma época, criou-se, então, o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência e Assistência Social, com orçamentos distintos.

Com a efetiva promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, no ano 1988, um novo sistema de gestão de saúde pública foi implementado, nos moldes dos princípios e diretrizes anteriormente discutidos e definidos na 8ª Conferência Nacional de Saúde, criando-se, assim, o Sistema Único de Saúde.

Assim, definiu-se o Sistema Único de Saúde como uma formulação política e organizacional para o reordenamento dos serviços e ações de saúde, composto por princípios doutrinários (universalidade, equidade, integralidade e gratuidade) e princípios organizacionais (regionalização, hierarquização, resolubilidade, descentralização, participação popular e complementariedade do setor privado).

1.2 Disciplina Constitucional

A Constituição Federal de 1988 é considerada uma Constituição Social, por ser base de um ordenamento normativo que busca abrangência dos setores estatais, de modo que intervenham, por meio de prestações sociais, visando oportunizar as relações sociais de uma maneira mais digna e compacta. Dentro deste contexto, é abordada pelo Título VIII – Da Ordem Social, art. 193, a diretriz da ordem social constitucional, baseando-se no primado do trabalho e objetivando o bem-estar e a justiça social.

O texto constitucional, criador do Sistema Único de Saúde, o menciona em seu artigo 198 e incisos, onde descreve a criação de uma rede regionalizada e hierarquizada, que constitui um sistema único, organizado com as seguintes diretrizes, em suma: descentralização, atendimento integral e participação da comunidade.

Trata-se de uma norma constitucional de eficácia limitada, de princípio programático, conforme a classificação de José Afonso da Silva, uma vez que o constituinte, ao invés de regular, direta e imediatamente, determinado interesse, limitou-se a traçar os princípios a serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais, e administrativos), como programas de respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado (SILVA, 2006, p. 138).

Ou então, nas simples palavras de Pedro Lenza (2010, p. 181), tais normas “veiculam programas a serem implementados pelo Estado, visando à realização de fins sociais”.

Sabido que a saúde é um direito fundamental, uma vez que se trata de desentranhamento do próprio direito à vida. Considerado, também, um direito social, constando no rol do art. 6º do diploma constitucional. Assim, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, consoante redação do artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal, segundo o qual “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Ocorre a Carta Magna, ao instituir o Sistema Único de Saúde, determinou que devesse ser disciplinado por lei infraconstitucional, levando ao entendimento de que a norma seria de eficácia limitada e princípio programático. Diante desta incoerência, fica a contundente dúvida de como uma norma instituidora de um programa social a ser regulamentado, poderia ter aplicação imediata.

A questão é solucionada quando se analisa a natureza do objeto disciplinado. Saúde é um direito constitucional, público, subjetivo, autônomo e abstrato, inserido na Constituição Federal no rol de direitos fundamentais, porque está intimamente ligado ao direito à vida. O Sistema Único de Saúde é um programa governamental que tem por fim garantir o direito à saúde plena ao usuário, e que tem por necessidade ser regulamentado por norma infraconstitucional, a fim de que se exponham as diretrizes, procedimentos e bases a serem executados pelo Estado, para que o cidadão possa ter este acesso à saúde integral. É entendido como o veículo ou instrumento ao acesso à garantia fundamental da saúde.

Por tratar-se de concepção axiológica, o direito à saúde como norma fundamental serve para que o Estado o coloque sempre em primeiro plano, sendo que o legislador constitucional entendeu que, para isso, havia a obrigatoriedade de estampar, na própria Carta Magna, o veículo programático responsável pelos procedimentos que concedem o pleno direito à saúde.

 

 Desta feita, vale o ensinamento da Professora Camila Paula de Barros Gomes, em sua dissertação de mestrado (2011, p. 93).

No caso dos direitos sociais, a melhor eficácia possível só será obtida por meio da implementação de políticas públicas que respeitem os limites orçamentários, sendo plenamente admissível a intervenção do Poder Judiciário a fim de averiguar se tais políticas são coerentes com o texto constitucional e questionar uma eventual ausência de políticas destinadas a implementar direitos sociais.

 

O estudo da saúde pública, antes mesmo de adentrar nas disciplinas do Sistema Único de Saúde, se inicia no artigo 196 da Constituição Federal, que dispõe: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

 

 

Em ensinamento dos ilustres doutrinadores Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2009, p. 486), o artigo 196 supracitado introduz um direito público subjetivo de atenção integral à saúde, sendo que a tutela se dá pela via coletiva[1] ou pela via individual[2].

 

Cumpre, ainda, salientar que o direito subjetivo à saúde pública, no embasamento no artigo constitucional 196, é regrado por dois princípios explícitos, veja-se: o Princípio do Acesso Universal e o Princípio do Acesso Igualitário.

 

Ambos estão interligados, e expõem que os serviços públicos de saúde e demais ações na área devem sempre atingir o ser humano, como coletivo, sem se restringir a grupos ou categorias específicas. Em básica reflexão, conclui-se que os dois princípios se coadunam por inteiro com o princípio administrativo da Impessoalidade (estampado no artigo 37), uma vez que a Administração Pública, por seu gestor de saúde, deve dispensar tratamento igualitário a todos os usuários, levando em consideração sua situação clínica.

 

Desta maneira, o Sistema Único de Saúde é embasado na colaboração entre os entes federativos, de modo que União, Estados e Municípios têm o dever de assistir e atuar nas políticas públicas de saúde, sendo que suas competências são divididas administrativamente pela Lei nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde Pública. Tal norma é responsável pela delimitação da atuação de cada ente administrativo, devendo pautar-se sempre no embasamento dos três princípios inicialmente citados: descentralização, atendimento integral e participação da comunidade.

 

1.3 Disciplina Legal – Lei nº 8.080/90

 

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi necessária a regulamentação do dispositivo da lei maior que tratava sobre o Sistema Único de Saúde. Deste modo, em 19 de setembro de 1990, foi sancionada a Lei Federal nº 8.080/90 que, conforme seu próprio preâmbulo, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

 

Esta lei tem como finalidade detalhar todas as competências e atribuições dos entes federativos na execução das políticas públicas de saúde. Diante disto, é importante afirmar que constituem como objetivos do Sistema Único de Saúde, expostos no artigo 5º da presente lei, a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde, a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, o dever do Estado de garantir a saúde, e a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

 

O primeiro deles diz respeito aos mecanismos que fornecem compreensão da situação de saúde de um indivíduo ou grupo de pessoas, levando-se em consideração o modo de vida, as relações econômico-sociais, culturais, biológicas, entre outras. Têm-se estes os fatos condicionantes de saúde. De outro modo, os gestores e atuantes da área da saúde devem captar informações relevantes do usuário do sistema de modo integral, pois em análise das condições biológicas, físicas e socioeconômicas, traça-se o perfil epidemiológico de referida região, para que sejam implementadas as políticas de atenção integral ao usuário da saúde.

 

Ainda nesta toada, o inciso II do artigo 5º da norma em tela refere-se ao segundo objetivo do Sistema Único de Saúde, que está estritamente ligado ao §1º do artigo 2º da mesma lei, veja-se: “§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

 

São as chamadas medidas preventivas. A ideia é prevenir a doença e seus agravos, para impedi-las de proliferar, uma vez que é mais dificultoso e oneroso tratar a doença já desencadeada. A título de exemplo, as campanhas de vacinação ocorrem duas vezes por ano, custeadas pela União, bem como as políticas de prevenção e promoção da saúde contra o tabagismo, hipertensão arterial, DST-AIDS, e outras. Pertinente frisar que todas estas medidas são tomadas sempre considerando as determinantes e condicionantes de saúde supracitadas. Novamente como exemplo, o estudo do aspecto biológico da raça humana levou a conclusão de que pessoas negras têm maior incidência em adquirir anemia falciforme[3]. Diante disto, o Estado deve traçar políticas de saúde a fim de que seja dada maior atenção a estas pessoas no controle e tratamento da referida doença, levando em consideração o local onde há maior concentração de negros, para que seja propiciado o amplo atendimento.

 

Por fim, o inciso III do artigo 5º mantém um elo com o dispositivo acima referido, uma vez que se trata de assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e atividades preventivas.

 

 

O estudo da Lei nº 8.080/90 faz com que a análise das situações recaia sobre o próprio texto constitucional, em especial, na parte que menciona a cooperação entre os entes federativos, uma vez que, como já mencionado, a lei regulamentadora é de suma importância na divisão das políticas públicas de saúde que cada ente federativo deve implementar. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.006.697 – SC, assim se manifestou:

A Lei 8.080/90 – que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes – prevê as atribuições e competências da União, Estados, Distrito Federal e Municípios quanto aos serviços de saúde pública. Nesse contexto, compete à União, na condição de gestora nacional do SUS: elaborar normas para regular as relações entre o sistema e os serviços privados contratados de assistência à saúde; promover a descentralização para os Estados e Municípios dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal; acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais (Lei 8.080/90, art. 16, XIV, XV e XVII). Por sua vez, os Municípios, entre outras atribuições, têm competência para planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do SUS, em articulação com sua direção estadual; celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução; controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde (Lei 8.080/90, art. 18, I, II, X e XI).

 

1.4 Atribuições do Sistema Único de Saúde

1.4.1 Atribuições constitucionais

O artigo 200 do diploma constitucional definiu as competências do Sistema Único de Saúde de modo generalizado, ou seja, comum a cada ente federativo. União, Estados e Municípios devem obedecer, por primeiro, ao texto deste dispositivo, que será sempre aplicado em conjunto com suas competências específicas, regulamentadas pela Lei nº 8.080/90.

 

Dispostas entre os incisos I a VIII, a primeira delas é controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos.

 

Esta função é exercida, especialmente, pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, criada em 1999. É uma agência reguladora federal, que tem como atividade a fiscalização e verificação da qualidade e segurança técnica dos produtos e estabelecimentos que atuam na produção e circulação de bens e serviços relacionados à saúde e alimentação (farmácias, supermercados, lojas de conveniência, etc.). A ANVISA autoriza a fabricação e venda de produtos que serão comercializados, bem como atua na propaganda e divulgação desses produtos, a fim de que não permita a circulação de artigos que causem dano à saúde do consumidor. Incumbe a ela, ainda, a averiguação dos setores responsáveis pela prestação dos serviços de saúde (strictu sensu), como hospitais e clínicas. Cumpre acrescentar que, como agência reguladora, a ANVISA possui discricionariedade técnica para criar normas de caráter obrigatório a todos que estão sujeitos à sua fiscalização[4] (ANVISA, 2013).

 

O inciso II do artigo 200 determina que é atribuição do SUS executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador. A Lei nº 8.080/90 conceitua, de modo estritamente técnico, todos os elementos contidos neste inciso. Considera-se vigilância sanitária um “conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde” (art. 6º, §1º). Em suma, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo definiu como função da Vigilância Sanitária “evitar a propagação de doenças nos grupos urbanos” (TCE, 2007).

 

Tem-se por vigilância epidemiológica um “conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos” (art. 6º, §2º).

 

Por saúde do trabalhador, entende-se como um “conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho” (art. 6º, §3º).

 

Dentro deste item, a legislação em mote ainda discrimina as abrangências da atuação dos serviços de vigilância sanitária, epidemiológica e saúde do trabalhador, de modo que aumenta ainda mais as atividades dos órgãos de saúde pública.

 

O inciso III menciona que o SUS deve ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde. Isto significa que os gestores são responsáveis pela formação, capacitação, atualização, reciclagem, e aprimoramento dos trabalhadores dos serviços de saúde. A título de exemplo, as equipes do Programa de Saúde da Família são treinadas através de módulos de treinamento (divisão em níveis de aprendizado), para serem capacitados para a execução das tarefas e, periodicamente, reciclados e atualizados. A finalidade é proporcionar ao trabalhador as condições técnicas necessárias para o desenvolvimento das suas atividades junto à população de cada área de atuação, o que tem estrita ligação com a saúde do trabalhador supracitada.

 

O SUS também deve participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, IV), que são medidas utilizadas pelo Poder Público para impedir que fatores de efeitos nocivos prejudiquem a saúde da população. Estão enquadrados neste conceito, dentre outros, o abastecimento e controle da água potável, a coleta, tratamento e destinação final do lixo e esgoto, limpeza urbana e controle de resíduos sólidos.

 

Outra atribuição do SUS, exposta no inciso V, é incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico, que é uma medida de estímulo e financiamento das atividades ligadas aos serviços mais complexos, como produção de medicamentos e insumos, de vacinas, equipamentos tecnológicos de diagnóstico, etc.

 

O inciso VI dispõe sobre a função de fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano. A ANVISA, conforme dito anteriormente, autoriza a fabricação do produto, e, no âmbito municipal, ocorre a fiscalização específica da venda do produto.

 

A sétima atribuição constitucional do SUS é participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos (inciso VII).

 

 

Por fim, o inciso VIII dispõe sobre o papel do SUS de colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Esta alçada cresceu com o advento dos chamados direitos fundamentais de terceira geração, denominados direitos de fraternidade ou solidariedade (SARLET, 2002, p. 53), destinados à proteção do ser humano, ao meio ambiente, a preocupação do homem como futuro do planeta, o que tem estrito elo com as políticas de saúde pública.

 

1.4.2 Atribuições legais

 

Primeiramente, cumpre esclarecer que a Lei nº 8.080/90 discrimina especificamente a limitação de atuação de cada ente federativo, na esfera da saúde pública. O campo é muito grande. As políticas sanitárias dependem de uma atuação cooperativa, pois detém um mesmo objetivo central, ou seja, proporcionar acesso a todos os níveis de serviços com qualidade e quantidade pra atender as demandas pré-existentes, de forma universal, regionalizada e gratuita.

 

O Princípio da Descentralização é a base de toda a divisão de competências do SUS. Significa “a transferência de atribuições em maior ou menor número dos órgãos centrais para os órgãos locais ou para pessoas físicas ou jurídicas. Centralização é a convergência de atribuições, em maior ou menor número, para órgãos centrais” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 4346).

 

Deste modo, o artigo 4º, caput, da própria Lei Orgânica do SUS assim dispõe: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)”. E esta divisão clara de atribuições conceitua-se como Responsabilidade Sanitária.

 

1.4.2.1 União

 

No âmbito da União, o Ministério da Saúde é o órgão responsável pela gestão e direção do Sistema Único de Saúde. Suas competências estão vastamente descritas no artigo 16 da referida norma. Em suma, a Política Nacional de Saúde e suas variantes são traçadas pela União, que estabelece normas gerais, repassa recursos, fiscaliza, não só a transferência financeira, mas também sua aplicação conforme os planos estaduais e municipais de saúde, aprovados pelos seus Conselhos.

 

O Ministério da Saúde define normas e regulamentos a serem cumpridos pela rede pública e privada de serviços de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios, etc.), desde o procedimento mais simples, como a aplicação de vacinas, até tratamentos de alta complexidade, como o transplante de órgãos. Dentre outros mecanismos regulatórios, foi criado o Sistema Nacional de Auditoria, ao qual compete coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS, em todo o território nacional e em cada esfera de governo (artigo 16, XIX).

 

Também é da alçada da União formular, avaliar, elaborar normas e participar da execução da política nacional e produção de insumos e equipamentos para a saúde (equipamentos, medicamentos, vacinas, alimentos, controle de qualidade da água, etc.). Como já foi dito anteriormente, cumpre ressaltar a atuação da ANVISA na fiscalização de todos os tipos de produtos alimentícios e medicamentosos que serão comercializados e utilizados em várias atividades. Estes insumos são as mais variadas substâncias que, de alguma forma, possam interferir na saúde da população ou do meio em que elas vivem (por exemplo, agrotóxicos, perfumes, saneantes, produtos de limpeza, etc.).

 

No texto constitucional, como já dito anteriormente, é assegurada a participação da comunidade na elaboração e fiscalização das políticas de saúde. Neste contexto, o artigo 7º da Lei Orgânica do SUS, inciso VIII, garantiu a participação popular como um dos princípios e diretrizes básicas do sistema. Este dispositivo foi regulamentado pela Lei 8.142/90, que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intragovernamentais de recursos financeiros na área da saúde”.

 

 

Nesta toada, foi criado o Conselho Nacional de Saúde, instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde. É um órgão de caráter permanente e deliberativo, que tem como finalidade a deliberação, a fiscalização, o acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde. Assim como nas demais esferas, é um órgão assessor e composto por representantes de entidades e movimentos representativos de usuários, trabalhadores da saúde, governo e prestadores de serviços, sendo que sua formação é paritária (Decreto nº 99.438/90 e Resolução 333/03, do Conselho Nacional de Saúde, que “aprova as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde”). Dentre outras competências, cabe a ele aprovar o orçamento da saúde, assim como acompanhar sua execução orçamentária (artigo 1º, §2º da Lei 8.142/90). Sempre ressaltando que estes regramentos se aplicam às três esferas de governo.

 

1.4.2.2 Estados-membros

 

Acerca das atribuições dos Estados-membros nas políticas de saúde, não se trata de competência estritamente residual, como ocorre na hermenêutica da Carta Magna, (uma vez que esta não descreve com minúcias a atuação privativa dos Estados, sendo que o Poder Constituinte Decorrente confere a cada um dele a possibilidade de promulgar sua própria Constituição Estadual, com as atuações de seus órgãos). O artigo 17 da Lei Orgânica do SUS detalha as atribuições da gestão estadual, exercidas pela Secretaria de Estado da Saúde, ou qualquer órgão equivalente.

 

Em explanação técnica, a atuação dos Estados-membros, em suma, ocorre nos seguintes setores: fomentar, em caráter suplementar, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde, incluídos fornecimento de medicamentos que não estejam ofertados em caráter regular; e identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional.

 

 

A alta complexidade é caracterizada de maneira residual, em determinadas situações, uma vez que o Estado atua diretamente quando o Município não possui condições de arcar com a demanda, como nos casos das Santas Casas, que realizam diversos tratamentos, cirurgias, internações, e necessitam de grande quantidade de subsídios.

 

 

A título de exemplo, quando a Fazenda Pública Municipal é demandada em juízo e obrigada a custear tratamento de saúde especializado e oneroso, de modo que, se assim fornecesse para todos os usuários necessitados que pleiteassem na justiça, o erário público ficaria comprometido, o Estado arcará com as despesas de tratamento médico e hospitalar. Entende-se que, aquilo que não for de alta complexidade, será considerado de interesse local, em face do Princípio da Descentralização, onde ocorrerá a atuação do Município.

 

O papel do Estado-membro é suplementar, de modo que cumpre medidas já estabelecidas em normas gerais, implementadas pela União. Esta atuação suplementar é baseada no artigo 24 da Constituição, que dispõe sobre a competência concorrente. Conveniente relembrar que, neste caso, o Estado legisla suplementarmente às normas gerais, e exerce competência legislativa plena, caso a União não tenha estabelecido as referidas normas gerais. Em outras palavras, o Estado fomenta o Município, apresentando maneiras de atuação efetiva, a fim de que este possa promover a adequada execução do sistema em âmbito local.

 

A Norma Operacional da Assistência à Saúde nº 01/2001 regulamenta o Plano Diretor de Regionalização. Conforme conceito técnico do Ministério da Saúde, o Plano Diretor de Regionalização é o instrumento de ordenamento do processo de regionalização da atenção à saúde. Sua elaboração ocorre mediante análises e estudos de territorialidade, planejamento integrado e identificação das prioridades de intervenção, de modo que o objetivo principal é aperfeiçoar os recursos e aplicações disponíveis (e, assim, reduzir as desigualdades territoriais e sociais, para que toda a população tenha acesso os níveis de atenção à saúde).

 

O Plano Diretor de Regionalização deverá ser elaborado pelas Secretarias de Estado da Saúde, de todos os Estados-membros do território brasileiro. A ideia é possibilitar que o paciente seja tratado, medicado, atendido, no local onde reside, sem necessitar de se deslocar a maiores distâncias, muitas vezes correndo riscos. O Plano é feito sempre em análise das necessidades dos Municípios, sendo que o estudo revela as prioridades e determina quais serviços públicos serão primordialmente implantados na região.

 

1.4.2.3 Municípios

 

Quanto aos Municípios, as peculiaridades são ainda mais singulares. Estão expostas no artigo 18 da Lei nº 8.080/90, e o órgão responsável por cumpri-las é a Secretaria de Saúde de cada Município.

 

Os gestores de saúde municipais devem assumir a responsabilidade pelos resultados, no que diz respeito, principalmente, na redução de riscos de mortalidade (em especial, materna e infantil) e doenças que possam ser evitadas, como, por exemplo, a Hanseníase e a Tuberculose. Isto se alcança por meio de ações de prevenção de doenças e recuperação de enfermos. É a chamada Atenção Básica.

 

A Atenção Básica foi definida pela OMS – Organização Mundial da Saúde:

Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde (Declaração de Alma-Ata).

 

A Atenção Básica é o foco do gestor municipal, pois sua principal finalidade, quando bem administrada, é possibilitar acesso rápido por parte da população aos serviços basilares de saúde (consultas médicas, vigilância em saúde, urgência e emergência, especialidades, saúde bucal, entre outros).

 

Consoante determinações legais, o Ministério da Saúde obriga que cada Município tenha, pelo menos, três profissionais de saúde em determinadas áreas, caso contrário, o ente municipal deixa de obter parte dos recursos destinados ao seu orçamento. Os médicos são: ginecologista/obstetra, clínico geral e pediatra. São atendimentos básicos. Todos que os usuários que necessitarem de atendimento médico em uma Unidade de Saúde, devem ser atendidos por um destes três mencionados.

 

A Portaria nº 648 GM/2006 aprovou a Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2006), estabelecendo diretrizes, procedimentos, normas e caminhos da Atenção Básica, a serem aplicados no Programa de Saúde da Família (PSF) e no Programa Agentes Comunitários de Saúde. Esta norma conceitua Atenção Básica como:

Um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior frequência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social.

 

De acordo com Barbara Starfield[5] (2002, p. 46), a Atenção Básica é pautada por quatro principais características que devem ser preservadas pelo gestor municipal de saúde. A primeira delas é que constitui uma verdadeira porta de entrada ao serviço público, pois, como salientado no parágrafo anterior, constitui o primeiro recurso a ser buscado pela população, o primeiro contato entre a medicina pública e o cidadão.

 

A longitudinalidade é mais uma peculiar característica da Atenção Básica, que confere ao cidadão um vínculo com o serviço ao longo do tempo, de modo que o surgimento de uma nova demanda possa proporcionar uma evolução nas ações a serem promovidas, a fim de que haja uma forma cada vez mais eficiente de atenção ao paciente.

 

A integralidade é o atributo que responsabiliza a Atenção Básica por todos os problemas de saúde, ainda que os setores secundários de gestão de saúde sejam os responsáveis pelo serviço. Trata-se de natureza extremamente ampla, uma vez que não se limita a vincular apenas com o aspecto biológico da saúde pública. A política integral da Atenção Básica engloba desde reuniões com a população, campanhas, visitas domiciliares, até ações intersetoriais, em conjunto com outros órgãos públicos.

 

A quarta e última principal marca da Atenção Básica é a coordenação do cuidado. Esta particularidade significa que, mesmo que outros órgãos sejam os responsáveis iniciais por determinado serviço ou atribuição, a Atenção Básica tem o dever de coordenar e fiscalizar estas execuções, principalmente porque, como ocorre de praxe, tais serviços são realizados por terceiros com pouco convívio e diálogo entre si.

 

Como já dito anteriormente, o Sistema Único de Saúde é pautado pela participação da comunidade, e isto ocorre, principalmente, nos Municípios. A participação social na saúde tem como principal finalidade efetivar o diálogo e a democracia, para possibilitar que participantes ativos e demais interessados possam debater, formular propostas, indagações, fiscalizar o exercício das políticas de saúde, apresentar sugestões, etc.

 

 

O SUS, através de suas normas e leis, prevê canais institucionalizados, incluindo nestes as chamadas Conferências Municipais de Saúde, os Conselhos Municipais de Saúde, Conselhos de Gestores de Serviços, Audiências Públicas e Orçamentos Participativos. Todos estes colegiados proporcionam a inserção dos cidadãos interessados a exercerem seus direitos, participando das decisões políticas de saúde pública. Tais canais estão previstos na Lei 8.142/1990, chamados pelos estudiosos de Instâncias Colegiadas de Discussão.

 

Ainda no foco da participação popular no SUS, a Administração Pública é composta por um órgão dentro da Secretaria de Saúde, a chamada Ouvidoria. Por esta, bem como pesquisas de opinião e consultas públicas, o cidadão pode direcionar opiniões, reclamações, sugestões e informações para a melhoria do serviço. O Ouvidor, por mais que tenha o dever profissional de ser leal à Administração Pública e seus interesses, deve, por obrigação legal, registrar a solicitação do usuário do serviço e remeter, com celeridade, para apreciação.

 

 

Consoante determinação do Ministério da Saúde, “A informação sobre saúde é um direito da população e uma ferramenta decisiva para a democratização da gestão da saúde” (2004, p. 17).

 

Cabe aos Municípios, também, a gestão das Unidades Básicas de Saúde, que é o órgão mais importante da saúde pública municipal. A chamada UBS tem como função atender a 80% (oitenta por cento) dos problemas de saúde da população, sem que haja necessidade de encaminhamento a hospitais.

 

Com as Unidades Básicas de Saúde em pleno e regular funcionamento, com higiene e estruturas adequadas, com profissionais competentes, preparados e responsáveis, os serviços prestados são capazes de resolver a maioria dos problemas da população, pois é o primeiro local procurado pelo usuário necessitado.

 

Apesar de todos os serviços oferecidos pelo SUS serem de extrema importância, a Atenção Básica é o principal deles, justamente por envolver atividades de prevenção das doenças e seus agravos. Quando o objetivo de impedir que a população fique doente é alcançado, os demais setores de tratamento não necessitam de serem utilizados, desonerando a Administração Pública, diminuindo o número de internações, de cirurgias, de tratamentos de alto custo, e demais providências tomadas em casos bem mais graves.

A devida atenção primária é essencial ao serviço de saúde. Analisando logicamente, é notório que o cidadão prefere receber um atendimento de prevenção das doenças prestado pelo Poder Público, do que quedar-se em tratamento, após adquirir a enfermidade. Além do mais, o serviço básico regularmente prestado faz com que o cidadão detenha maior confiança na Administração Pública.

 

A Saúde da Família é outro programa instituído pelo SUS, a ser cumprido e fiscalizado pelos Municípios. É um método de atendimento ao usuário, mediante a implantação de profissionais de diversos ramos nas Unidades Básicas de Saúde. Estas equipes de profissionais têm a função de acompanhar um número estabelecido de famílias, nas regiões do Município, fixando as atividades conforme delimitação da área geográfica.

 

As equipes são compostas por diversos profissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde, agentes de combate de endemias e profissionais da saúde bucal), que, periodicamente, visitam a residência do usuário previamente cadastrado, e prestam serviços médicos, orientações, fiscalizações, e demais atividades de prevenção, levando em consideração sempre as necessidades familiares e condições sociais, econômicas e ambientais da entidade familiar.

 

De acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde, “é determinante para o bom resultado das ações e dos serviços que as equipes da Saúde da Família atuem de forma articulada com as demais equipes de saúde do município” (2004, p. 31).

 

O Município deve se responsabilizar e garantir saúde integral a todos os cidadãos, assegurando acesso à Atenção Básica e aos serviços especializados, mesmo quando localizados fora de sua área de abrangência.

 

 Vigilância em saúde, como já dito anteriormente, é mais uma das atribuições do SUS, de modo que sua atuação é articulada e regionalizada, para que todos os entes possam executar suas medidas nos moldes estabelecidos em lei.

 

De acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde:

Compete aos gestores municipais, entre outras atribuições, as atividades de notificação e busca ativa de doenças compulsórias, surtos e agravos inusitados; investigação de casos notificados em seu território; busca ativa de declaração de óbitos e de nascidos vivos; garantia a exames laboratoriais para o diagnóstico de doenças de notificação compulsória; monitoramento da qualidade da água para o consumo humano; coordenação e execução das ações de vacinação de rotina e especiais (campanhas e vacinações de bloqueio); vigilância epidemiológica; monitoramento da mortalidade infantil e materna; execução das ações básicas de vigilância sanitária; gestão e/ou gerência dos sistemas de informação epidemiológica, no âmbito municipal; coordenação, execução e divulgação das atividades de informação, educação e comunicação de abrangência municipal; participação no financiamento das ações de vigilância em saúde e capacitação de recursos.

 

Ante a discussão, frisa-se que a execução das alçadas deve ser sempre em cooperação, de modo que cada ente federativo promova sua ação nos termos da legislação, mas sempre focando o objetivo fundamental, que é a integralidade e universalidade das políticas públicas de saúde.

 

1.5 Princípios e Doutrinas do Sistema Único de Saúde

 

Inicialmente, cumpre exaltar que os mais diversos estudiosos do assunto dividem as basilares do Sistema Único de Saúde em diversos modos de interpretação. Das mais distintas maneiras, os doutrinadores do tema optam por separar princípios de doutrinas, princípios organizacionais de princípios ideológicos, diretrizes de princípios, princípios doutrinários de princípios organizativos.

 

Conforme João Paulo Pinto da Cunha[6] (2001, p. 298), há a divisão em Princípios Doutrinários, os quais correspondem às bases axiológicas e de criação do SUS, e Princípios Organizativos, que são aqueles que descrevem e embasam a atuação do Sistema Único de Saúde, nos moldes da legislação.

 

Por outro lado, Gilberto Natalini[7] (2011) declara que o SUS define-se em alguns princípios, divididos em Princípios Ideológicos e Organizacionais, os quais seus conceitos se assemelham aos de J. P. P. Cunha.

 

 É necessário frisar que esta separação existe como se fosse uma norma hipotética fundamental, de modo que as diretrizes iniciais devem ser axiologicamente e praticamente seguidas pelos demais princípios de organização, emoldando a base de atuação de todo o Sistema Único de Saúde.

 

1.5.1 Universalidade

 

 Estampado no artigo 196 da Carta Constitucional de 1988, a Saúde é “um direito de todos e dever do Estado”. Qualificado como direito social, sem dúvida um direito fundamental, pois estritamente ligado ao direito à vida, e princípio fundamental da República, uma vez que coadunado com a dignidade da pessoa humana.

 

Consoante J. P. P. Cunha (2001, p. 301), o acesso às ações e serviços de saúde deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, renda, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. A Administração Pública deve implementar programas que possam assegurar esta garantia, de modo que, não promovida, o usuário pode exigir a obtenção deste direito por meio do Poder Judiciário e do Ministério Público.

 

Em análise do contexto histórico, reporta-se à situação anterior a 1988, onde apenas os trabalhadores segurados do INPS (posteriormente, INAMPS) tinham direito à assistência à saúde no Brasil, sendo que os demais eram assistidos por entidades filantrópicas.

 

Com o advento do SUS e, consequentemente, a Universalidade, esta situação não mais existe, pois é premissa basilar que à assistência à saúde seja direito de absolutamente todas as pessoas, caracterizando-se, conforme já afirmado, garantia fundamental.

 

1.5.2 Gratuidade

 

Apesar de não estar explícito no Texto Constitucional, o Princípio da Gratuidade da assistência à saúde é uma consequência da união de todas as demais diretrizes do sistema, pois se a ideia do Sistema Único de Saúde é proporcionar atendimento integral e igualitário, incoerente seria se não fosse gratuito. Caso assim fosse, ocorreria a restrição do acesso àqueles de maior poder aquisitivo, o que não estaria nos moldes do sistema, e também oferecia mecanismo de privatização dos serviços públicos de saúde.

 

A fim de que seja exteriorizada e regulamentada esta diretriz, está em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei 3087/2012, que pretende explicitar a gratuidade como um princípio do SUS, vedando a intenção de cobrança de ações de saúde pelas unidades da rede própria do Sistema Único de Saúde, o que ocorre com extrema frequência.

 

É rotineira, infelizmente, a cobrança de serviços e ações de saúde públicos por parte de profissionais e/ou entidades conveniadas e/ou contratadas, considerada prática abusiva, haja vista que o SUS cobre todas as despesas financeiras dos atendimentos ofertados. Ou seja, em havendo uma cobrança paralela (o famoso “por fora”), caracteriza-se a duplicidade de pagamento, bem como crime de corrupção passiva ou concussão.

 

A título de exemplo, em trâmite na 3ª Vara Criminal da Comarca de Araçatuba, encontra-se o processo 0024628-16.2007.8.26.0032 (ordem nº 1394/2007), cuja decisão foi proferida no sentido de condenar o médico/réu José Clineu Luvizuto à pena de três anos de reclusão, por crime de concussão. O processo encontra-se em grau de apelação. Consoante sentença:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal para CONDENAR o réu JOSÉ CLINEU LUVIZUTO, qualificado nos autos, à pena de três (3) anos de reclusão e pagamento de quinze (15) dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 316, caput, c.c. o artigo 327, parágrafo 1º, todos do Código Penal devendo, após o trânsito em julgado, ter seu nome lançado no rol dos culpados. Sendo primário e diante do disposto no inciso III do artigo 44 do Código Penal, substituo o pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistente, a primeira, no pagamento de dez salários mínimos para a Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba e a segunda, em prestação de serviços à comunidade, a ser fixada no juízo da execução penal. No caso de descumprimento, fica estabelecido o regime semiaberto para o cumprimento da pena.

 

No mesmo sentido, a 11ª Vara Criminal da Capital condenou o médico Américo Tângari Júnior a mais de dois anos de prisão, sendo que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao apelo do Ministério Público para majorar a pena (autos do processo 9165119-21.2004.8.26.0000).

 

A interpretação do Princípio da Gratuidade vai além da simples cobrança por um serviço que é público. Os estudiosos declaram que é um grande desafio do gestor público administrar o orçamento de modo que seja suficiente a garantir o serviço de saúde inteiramente gratuito a todos. Isto inclui a concessão de medicamentos.

 

 

O Supremo Tribunal Federal tem aplicado com frequência o Princípio da Máxima Efetividade Constitucional, conforme decisão do Ministério Celso de Mello:

PACIENTE COM HIV/AIDS – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQUÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. – O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. – O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. – O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (RE 271286 AgR/RS – RIO GRANDE DO SUL – AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO – Julgamento: 12/09/2000 – Órgão Julgador: Segunda Turma).

 

A discussão acerca da gratuidade de medicamentos é um assunto muito sensível. É notória a atuação do Poder Judiciário nas demandas ajuizadas em face da Administração Pública em que a parte autora pleiteia entrega de medicações ou tratamentos médicos cujos gastos são altos e não possui condições de arcar com o custeio. Porém, fica a dúvida: o Poder Público tem condições de arcar com tal montante, dispensando medicações a todos que simplesmente ajuízam ações?

 

Alguns municípios e estados padronizam determinados medicamentos, exatamente com a finalidade de entregar a quem necessita, sem que haja ajuizamento de ações judiciais. Basta mero requerimento administrativo, ou o comparecimento às Farmácias Municipais para retirar a medicação.

 

Quanto à fundamentação das ações judicias, os entes públicos normalmente citam o Princípio da Reserva do Possível. Por esta teoria, a Administração não teria condições orçamentárias de arcar com toda a medicação e tratamentos que fossem exigidos singularmente. Ou seja, o ente público reserva uma parte do erário para o custeio destas medicações, mas, seria impossível arcar com absolutamente tudo, pois há outros serviços de saúde em que o orçamento deve ser aplicado.

 

A contrario sensu”, tem-se que a Reserva do Possível é tida como uma válvula de escape alegada pelo Poder Público para justificar a inexecução do serviço público e o fato de não proporcionar o direito subjetivo pleiteado pelo cidadão.

 

É uma discussão muito polêmica, pois existem economistas e demais estudiosos do assunto que afirmam a possibilidade comprovada de o Poder Público arcar com todos os medicamentos pleiteados pela população. No entanto, administrativistas afirmam que não é possível, uma vez que o erário público é extremamente combalido.

 

1.5.3 Equidade

 

 A Cartilha do Sistema Único de Saúde afirma que o cumprimento ao Princípio da Equidade é atingido quando o SUS disponibiliza recursos e serviços com justiça, de acordo com as necessidades de cada um, canalizando maior atenção aos que mais necessitam.

 

A Fundação Oswaldo Cruz afirma que este termo foi incluído recentemente com a Reforma Sanitária, e exposto com a promulgação da Constituição de 1988. Tem estrita relação com o Princípio da Igualdade, disciplinado no artigo 5º da Carta Magna, significa o direito de todos de exigir do Estado o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde.

É pertinente mencionar que o conceito de Equidade foi estabelecido por Margaret Whitehead[8] (1992), sendo que “Iniquidades em saúde referem-se a diferenças desnecessárias e evitáveis e que são ao mesmo tempo consideradas injustas e indesejáveis. O termo iniquidade tem, assim, uma dimensão ética e social”.

 

Sabe-se que o Princípio da Isonomia tem seu parâmetro em “tratar os iguais como iguais, e os desiguais como desiguais, na medida de suas desigualdades” (LENZA, 2010, p. 751). É semelhante na discussão em mote. Consoante determinação do próprio Ministério da Saúde (2000), “Se o SUS oferecesse exatamente o mesmo atendimento para todas as pessoas, da mesma maneira, em todos os lugares, estaria provavelmente oferecendo coisas desnecessárias para alguns, deixando de atender às necessidades de outros, mantendo as desigualdades”.

 

Deste modo, surge a Equidade para estabelecer uma divisão justa e igualitária a todos que necessitem dos serviços de saúde, priorizando aqueles que mais necessitam. Há locais onde a população deve ser olhada com maior amparo, pois o risco de adoecer ou morrer é maior.

      

As condições de saúde de uma população estão fortemente associadas ao padrão de desigualdades sociais existentes na sociedade. Já as desigualdades sociais no acesso e utilização de serviços de saúde são expressão direta das características do sistema de saúde. A disponibilidade de serviços e de equipamentos diagnósticos e terapêuticos, a sua distribuição geográfica, os mecanismos de financiamento dos serviços e a sua organização representam características do sistema que podem facilitar ou dificultar o acesso aos serviços de saúde. Modificações nas características do sistema de saúde alteram diretamente as desigualdades sociais no acesso e no uso, mas não são capazes de mudar por si só as desigualdades sociais nas condições de saúde entre os grupos sociais (Travassos & Castro, 2008).

 

Assim, em suma, a Equidade caracteriza-se pela garantia de que todo usuário do serviço de saúde deve ser tratado pelo SUS igualitariamente, na medida em que prestação da atividade proporcione o resultado adequado para todos os tipos de problemas, em qualquer nível de complexidade de assistência, independente do local de residência de cada um.

 

1.5.4 Integralidade

 

 Integralizar a saúde significa disponibilizar a maior parte possível de serviços e atendimentos em todos os ramos de atuação dos entes públicos, possibilitando ao usuário a assistência sempre que necessitar, em qualquer situação de risco ou agravo, em todos os níveis de complexidade.

Advindo da evolução da saúde pública, a integralidade não era aplicada na época em que o INPS era o responsável por implementar os serviços públicos de saúde no país. Na ocorrência, eram mínimas e extremamente reduzidas as atividades e serviços de saúde oferecidos pelo Poder Público, sendo resumidos em alguns procedimentos médicos, odontológicos e ambulatoriais.

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, este princípio, consoante descrição explicativa promovida pela Fundação Oswaldo Cruz, destina-se a reunir as ações de saúde, de modo a materializá-las como direito e como serviço. Em outras palavras, o que é objetivo passa a ser subjetivo, nos moldes das necessidades de cada usuário.

R. Mattos (2005) ensina que a integralidade é estudada partindo-se de três conjunturas. A primeira delas consiste na resposta ao infortúnio do usuário que procura o serviço, no sentido de o profissional promover o aumento do tempo de vida, mas nunca a redução do sistema biológico.

A segunda conjuntura é a subjetivação dos programas implementados e sistematizados pela União, de modo que os demais entes federativos possam, também, incluí-los em suas competências. Seria a horizontalização dos programas que, inicialmente, foram criados obedecendo a uma hierarquia. A ideia é facilitar a aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação das situações de risco, possibilitando o desenvolvimento de atividades que envolvam a atuação da comunidade, aproximando, principalmente nos Municípios, a participação da coletividade nos serviços.

Por fim, há um terceiro ponto de apreciação da integralidade, constante no sentido de se desenhar políticas públicas que deem as respectivas e pertinentes respostas a determinados problemas de saúde que preocupam os diversos grupos populacionais.

Nos termos do exímio ensinamento de Túlio Batista Franco[9] (2013), “A Integralidade é uma diretriz que traz em si o significado ético-político do cuidado-cuidador, de trabalho em rede”. Acrescenta o estudioso que a assistência englobada pelo referido princípio vai desde a garantia de boas condições de vida, como ser acolhido nas Unidades de Saúde e ter seus problemas resolvidos, até, sobretudo, possuir acesso a todas as tecnologias de cuidado.

1.5.5 Participação da Comunidade

 Há a necessidade de se mencionar, primeiramente, a conjuntura política apresentada por este princípio, uma vez que a ideia a ser implantada é de decisão compartilhada, união dos cidadãos, em prol do bem comum em relação à saúde, opinando na aplicação das diretrizes e fiscalizando os recursos destinados.

Trata-se de um direito e um dever do usuário/cidadão, uma vez que a gestão pública em saúde é interesse coletivo e, imprescindivelmente, está ligada ao dinheiro público. O ente estatal também deve assegurar a participação, promovendo a gestão comunitária do SUS.

A atuação da coletividade tem previsão, inclusive, na Lei 8.142/90, a qual cria ferramentas que garantem sua participação, através das Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde (artigo 1º e 2º).

As Conferências de Saúde ocorrem no âmbito das três esferas de governo, onde toda a população participa, com direito a voz, e voto dos delegados escolhidos por seus seguimentos. Tem a função de avaliar a situação de saúde de cada esfera estatal, apresentando propostas a serem encaminhas aos níveis de governo superiores, com a finalidade de criação de novas políticas que possam melhorar as condições de saúde da população. Devem ocorrer, no mínimo, uma vez a cada quatro anos.

Já os Conselhos de Saúde, previstos na mesma legislação, foram regulamentados pela Resolução nº 333/2003, modificada pela Resolução nº 453/2012, ambas do CNS, conforme menção supra. São caracterizados como o principal instrumento de atuação da comunidade, sendo considerada uma instância privilegiada pela possibilidade de proposição, discussão, acompanhamento, deliberação, avaliação e implementação das políticas de saúde (texto da Terceira Diretriz – Resolução nº 453/2012).

Em suma, tem composição paritária de entidades e movimentos representativos de usuários (associação de moradores, sociedades amigos de bairro, entre outras), entidades representativas dos trabalhadores da saúde, de representantes do governo e prestadores de serviços privados conveniados e/ou sem fins lucrativos (santas casas, hospitais, clínicas).

É pertinente salientar um tópico quanto à composição do Conselho. É proibida a recondução ao cargo de representante de qualquer seguimento por mais de dois mandatos consecutivos, para que se preserve a garantia da participação popular em todas as suas instâncias. Infelizmente, isto ocorre com frequência em nosso Município. A “vitaliciedade” é comum em alguns seguimentos, impedindo, desta forma, a rotatividade dos conselheiros.

1.5.6 Descentralização

 Não há melhor definição deste princípio do que o próprio conceito determinado pelo Ministério da Saúde (2004, p. 10).

É o processo de transferência de responsabilidades de gestão para os municípios, atendendo às determinações constitucionais e legais que embasam o SUS, definidor de atribuições comuns e competências específicas à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

A descentralização dos serviços é primordial para que a atuação dos Municípios seja, ao mesmo tempo, pautada pela lei e determinações da União, e enquadrada na real situação da comunidade local.

Deste modo, possibilita-se que os projetos, atividades e diretrizes sejam realizados nos moldes de cada Município, considerando os problemas da população e buscando resultados específicos para a melhoria da saúde pública local.

A Descentralização visa trazer os serviços para perto da população, sendo este o grande objetivo. Assim, ocorre a cessão de responsabilidades e recursos aos municípios, permitindo a atuação destes entes em prol da integralidade da assistência regional e macrorregional.

 1.5.7 Hierarquização/Regionalização

Tem-se a Hierarquização como um contraponto ao sistema anteriormente vigente, sendo que as ações e serviços de saúde, hoje, devem ser propagados, espalhados, ampliados, para as mais diversas fronteiras do território brasileiro, ultrapassando a esfera urbana municipal, de modo que seja organizada geograficamente para melhor adaptação às necessidades locais.

Ocorre uma divisão de complexidades, iniciando-se do atendimento básico em uma unidade de saúde, passando pelas ações secundárias, que são os atendimentos especializados e/ou específicos, até o terceiro nível de prestação de serviços, que são os considerados de alta complexidade.

A prestação ocorre por meio da atuação de vários órgãos e estabelecimentos diferentes, o que não era aplicado anteriormente, onde os serviços quedavam-se unificados em apenas um local, que deveria atender a todos os usuários sem quaisquer divisões.

Com base no Princípio da Hierarquização dos Serviços, outro fundamento está intrinsicamente ligado: a Regionalização dos Serviços de Saúde.

Sabe-se que o território nacional é composto de diversas pequenas urbes com características diversas umas das outras. A grande maioria dos municípios brasileiros que assumiram a municipalização dos serviços, não possuem condições de atender sua população.

A título de exemplo, tem-se o Município de Araçatuba como sede de região, que conta com uma gama de serviços de saúde disponíveis aos usuários, entre eles, hospitais clínicas, laboratórios clínicos e de imagem, entre outros. A região possui quarenta e dois municípios e, em sua grande parte, não possuem capacidade técnica para atender seus pacientes em todos os níveis. Por isto, Araçatuba é referência regional no atendimento a esses municípios, recebendo pacientes de toda a região para serem atendidos e tratados no município sede. Para isto, o município de referência recebe recursos extraorçamentários com o fim de fazer face às despesas da demanda referenciada.

Tem-se, portanto, a possibilidade do paciente de município menor ser atendido em outra cidade referência regional, o que é extremamente importante e essencial, pois, assim, oferece a todos o acesso aos serviços de saúde, desde a mais simples consulta até o mais complexo tratamento, cumprindo-se a universalidade do atendimento.

 

 1.5.8 Resolubilidade

 

 É busca pelo resultado. A prestação dos serviços de saúde deve ter um fim, e este fim deve ser alcançado. Os objetivos são a prevenção, a cura ou a diminuição dos agravos, decorrentes das enfermidades.

 

Desde o atendimento mais simples em uma unidade básica de saúde, até o mais complexo tratamento, o paciente necessita de uma resposta em relação ao quadro que apresenta. Assim, a Resolubilidade consiste na “capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência” (BOAVENTURA, 2003, p. 25).

 

A saúde pública deve ser efetiva e precisa atingir o resultado esperado pelo paciente. Para isto, deve enfrentar o problema, aplicar os moldes e instrumentos de solução, para chegar a um dos três resultados supracitados.

 

 1.5.9 Humanização do atendimento

O objetivo desta diretriz é aproximar usuários dos serviços de saúde com os profissionais que realizam os atendimentos.

Dentre as descrições constitucionais axiológicas, é o princípio que mais se aproxima dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, pois advém destes. Proporcionar atendimento digno, promover o diálogo entre as partes, estabelecer um vínculo de acolhimento para com o paciente, é dever de todo e qualquer profissional de saúde, desde os meros trabalhadores até os gestores públicos e privados. O compromisso e a solidariedade são parâmetros básicos para atingir este objetivo, pois o usuário deve ser visto na sua integralidade.

Com o advento desta concepção, o Ministério da Saúde criou, no ano de 2003, a Política Nacional de Humanização, implementando suas concepções e entendimentos.

1) Valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de  produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores;

2) Fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos;

3) Aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde e de sujeitos;

4) Estabelecimento de vínculos solidários e de participação coletiva no processo de gestão;

5) Identificação das necessidades sociais de saúde;

6) Mudança nos modelos de atenção e gestão dos processos de trabalho tendo como foco as necessidades dos cidadãos e a produção de saúde;

7) Compromisso com a ambiência, melhoria das condições de trabalho e de atendimento.

Deste modo, a busca pela mútua consideração é entendida como um dos caminhos principais para que se atinja a satisfação na qualidade das ações e serviços prestados.

 1.5.10 Intersetorialidade

São as chamadas “ações intersetoriais de saúde”, as quais consistem no conjunto de atuação dos diversos órgãos de governo, com o objetivo central de atingir as metas preconizadas pelo Sistema Único de Saúde.

Em outras palavras, é necessária a atuação de vários outros setores para que se atinja a saúde plena, pois, por meio das ações competentes específicas de cada um, resultará no objetivo primário do Sistema Único de Saúde, ou seja, a integralidade de assistência.

Entre esses setores que compõe e auxiliam nas políticas de saúde, os principais são: Saneamento Básico, Habitação, Educação, Meio Ambiente e Agricultura Familiar (alimentação).

Em análise destes componentes, exemplifica-se o caso da habitação. A incidência de doenças infectocontagiosas e parasitárias nas comunidades que não possuem as mínimas condições de moradia, saneamento básico e água potável, é muito maior do que em regiões com acesso às condições primárias de vida e bem estar.

Naturalmente, a maioria destes órgãos, ao traçarem suas metas e políticas de atuação, não vislumbra, de imediato, o resultado na saúde da população. Para isto, é necessário um estudo mais aprofundado das condições de vida de cada comunidade, assim como uma atuação mais efetiva, no sentido de que se tenha maior união e cooperação.

1.6  O Financiamento da Saúde Pública e a Vinculação dos Recursos para a Saúde

 

Antes da promulgação da Constituição de 1988, os recursos públicos da área social eram estabelecidos, em sua maior parte, à Previdência, aplicados em três principais frentes: benefícios previdenciários, assistência social e atenção médico-hospitalar. Isto acontecia devido à junção dos sistemas de saúde e previdência social, conforme destacado inicialmente.

 

O grande problema é que o orçamento era aplicado de modo independente, sem apreciação do Congresso Nacional, e sem qualquer vinculação obrigatória, conforme se vê:

fig1

 

fig2

Fonte: Grupo de custeio do MPAS, balanços do FPAS e SINTESE. In: Oliveira, f. et al. Metodologia de Projeção dos Gastos Previdenciário e Assistenciais. Rio de Janeiro, ipea (INPES) 1990 (Estudos sobre Economia do Setor Público, n. 4), citado por Piola; VIANNA, 1991, op. cit.

Por outro lado, os programas relacionados diretamente à saúde pública eram concorridos com educação, transportes, defesa nacional, e outras competências, inclusive dos Poderes Legislativo e Judiciário.

 

Dentre os vários empecilhos que ocorriam à época, destacam-se a inexistência de dispositivo legal que obrigava os entes públicos a destinarem recursos para a área da saúde, a instabilidade das fontes orçamentárias no âmbito da União, ente obviamente responsável pela maior parte da divisão de verba às políticas de saúde (instabilidade esta associada às políticas de economia e ciclos de crise), e as medidas emergências e de caráter urgente aplicadas justamente pela falta de recursos quando mais se precisava.

 

Percebe-se que todas estas complicações ocorriam na época da redemocratização do país, final da Ditadura Militar, fazendo com que houvesse várias tentativas de vinculação ou, ao menos, a disposição legal do orçamento público e sua regular divisão e aplicação.

 

 

A Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), criada no ano de 1986, por determinação da 8ª Conferência Nacional de Saúde, havia proposto um meio de vinculação orçamentária e repartição dos recursos da saúde com os da seguridade social. A CNRS idealizou uma concepção de se vincular à saúde pública o valor equivalente a 10% (dez por cento) do Produto Interno Bruto. Contudo, sem êxito.

 

Após diversas tentativas de vinculação dos recursos, finalmente, com o advento da Carta Constitucional de 1988, juntamente com a criação do Sistema Único de Saúde, o orçamento da seguridade social passou a ser separado, destinado exclusivamente a apenas uma área, enquanto à saúde pública passou a ter o seu próprio cofre. Dentre as inovações relativas à gestão orçamentária, destaca-se a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA).

 

Iniciando-se na década passada, a chamada Reforma do Estado implementou no modelo gestacional da Administração Pública diretrizes que visam a responsabilidade na aplicação dos recursos públicos, criando um novo modelo de financiamento da previdência, saúde e educação.

 

 

Novamente, foram realizadas conferências e discussões acerca do assunto. Desde o início da década de 1990, deputados propuseram vários projetos de emenda constitucional, destacando-se entre eles, a PEC 169-A e a PEC 82-A. Esta última determinava a vinculação dos recursos financeiros da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para a saúde pública.

 

A PEC 82-A, após intensas negociações que a alteraram, passando-se a incluir na vinculação 30% das Contribuições Sociais, obrigando Estados e Municípios a cumprirem índices que variavam entre 8% e 15% da receita própria de impostos e transferências, foi aprovada em dois turnos de votação nas duas casas do Congresso Nacional. Foi promulgada, então, a Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, dispondo em seu preâmbulo:

Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.

 

O esparadrapo constitucional alterou completamente os parâmetros do orçamento público da saúde, estabelecendo uma participação orçamentária mínima por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Adicionou o artigo 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a seguinte redação:

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

I – no caso da União:

a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;

b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e

III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.

§ 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.

§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal.

§ 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo.

 

É de ressaltar que antes da promulgação da referida emenda constitucional, havia uma dificuldade muito grande na especificação do orçamento. Em decorrência dos problemas econômicos e das dificuldades em estipular metas políticas e governamentais, os recursos públicos sofriam variações e bruscas mudanças, principalmente entre a passagem de um ano para outro.

 

A promulgação da nova emenda teve uma função importantíssima, mormente em relação ao cumprimento das diretrizes constitucionais das políticas de saúde, explicitadas nos parágrafos acima. A ideia de se estabelecer uma aplicação cogente dos recursos visou garantir a segurança jurídica e a evolução das políticas de saúde, dificultando o desvio de recursos públicos e facilitando a fiscalização por parte dos Conselhos de Saúde, da população, das Cortes de Contas e demais órgãos e poderes estatais, incluindo o Ministério Público.

 

A partir da exegese exposta no ADCT, os parágrafos do artigo 198 da Constituição Federal foram alterados, passando-se a vigorar da seguinte forma, após a promulgação da EC nº 29/2000:

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I – os percentuais de que trata o § 2º;

II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.

 

É pertinente ressaltar alguns pontos principais acrescidos pela Emenda Constitucional nº 29/2000. Primeiramente, a possibilidade de intervenção por parte da União nos Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como os Estados nos seus Municípios, no caso de não aplicação dos recursos mínimos, provenientes de suas receitas, nas ações e serviços de saúde, nos moldes da lei.

 

Determina aos entes públicos, como condição de recebimento de recursos da União, a aplicação destes nos moldes da legislação, respeitando e cumprindo a vinculação.

Permite, ao contrário da regra geral, a vinculação de impostos os serviços públicos e ações de saúde.

 

Como regra principal, obriga os entes públicos a aplicarem, anualmente, recursos mínimos para as ações e serviços de saúde. A recomendação das Cortes de Contas e demais órgãos de fiscalização é que se aplique mais do que o mínimo. Quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, esta parte deve corresponder aos impostos e transferências constitucionais. Para a União, o valor deve ser definido conforme lei complementar.

 

Determina a revisão destes valores a cada cinco anos, por meio de lei complementar, tanto para estabelecer índices mínimos de aplicação, quanto para estabelecer critérios de divisão dos recursos repassados pela União aos demais entes federativos.

 

Quanto a real distribuição dos recursos orçamentários, principal finalidade da Emenda Constitucional nº 29/2000, e de toda a luta iniciada com a Reforma Sanitária, cumpre detalhar friamente a aplicação a ser realizada por cada ente público. A alteração constitucional especifica a evolução dos índices a cada ano, desde a promulgação da emenda.

Para a União, no ano 2000, à vinculação de recursos corresponderia ao montante empenhado no exercício financeiro de 1999, acrescidos de 5%. Do ano 2001 ao ano 2004, em diante, o valor mínimo passara a ser aquele aferido no ano anterior, corrigido pela variação nominal do PIB.

 

No caso dos Estados e do Distrito Federal, a vinculação obrigatória corresponde, no mínimo, a 12% da arrecadação de impostos e das transferências constitucionais.

 

Por fim, para os Municípios, o valor vinculado será de 15% da arrecadação dos impostos e das transferências constitucionais. É necessário frisar que, no caso dos entes municipais, o percentual determinado pela EC 29/2000 fora maior do que os outros entes federativos, justamente porque a política local de saúde é a principal de todas, conforme exposto anteriormente. Tanto a atenção básica como as especialidades correspondem a 80% dos problemas da população, que deverão ser olhados com mais preocupação por parte da Administração Pública.

 

 

Da mesma forma, os repasses do Fundo Nacional de Saúde constituem grande parcela dos valores que devem ser aplicados nos serviços locais, o que auxilia, e muito, o orçamento municipal. São altas quantias transferidas, mormente com o intuito de não onerar a municipalidade apenas com despesas do orçamento próprio. Assim, determinou-se maior percentual aos entes municipais.

 

O esparadrapo constitucional determina, ainda, que os repasses efetuados aos Municípios, Estados e Distrito Federal, deverão ser aplicados por meio dos Fundos de Saúde, que serão fiscalizados pelos Conselhos de Saúde. Os Fundos de Saúde são os gestores financeiros dos recursos do SUS, implementados em todas as esferas de governo.

 

 

Finalmente, verifica-se que o texto do art. 77 acrescido ao ADCT dispõe sobre as diretrizes de vinculação apenas até o ano de 2004, porém, determina que, se não houvesse regulamentação por lei complementar, as regras seriam mantidas até a superveniência da norma regulamentadora.

 

Deste modo, no início do ano de 2012, foi sancionada a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, cujo preâmbulo dispõe:

Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências.

 

A referida lei definiu o que são despesas para serviços e ações de saúde, logo em seu art. 2º. Tal conceituação foi determinante, mormente no que diz respeito aos órgãos de fiscalização, uma vez que a EC 29/2000 foi criticada por não disciplinar o conceito de serviços e ações de saúde, o que criava controvérsias em relação ao cumprimento da lei, originando entendimentos diversos no âmbito dos Tribunais de Contas.

 

A norma complementar reiterou, definitivamente, os índices e percentuais de aplicação mínima do orçamento da saúde, assim como dos repasses da União, entre outras regulamentações.

 

 Ainda no sentido de especificar e regulamentar tecnicamente a Emenda Constitucional nº 29/2000, o Conselho Nacional de Saúde editou a Resolução nº 316, de abril de 2002. A referida norma disciplinou a base de cálculo, por onde serão aplicadas as alíquotas, determinando o valor bruto destinado às políticas de saúde, consoante tabela abaixo.

fig.3

 

fig.4

fig5

fig.6

fig.7

 Fonte: Conselho Nacional de Secretários de Saúde

 

Diante de toda a evolução do sistema orçamentário da saúde pública, em análise das concepções axiológicas, foi estabelecido o Princípio da Vinculação dos Recursos para a Saúde, determinado como base para o texto da Emenda Constitucional nº 29/2000, para a Resolução nº 316, do Conselho Nacional de Saúde, e, da mesma forma, para a criação da Lei Complementar nº 141/2012.

 

Consoante lição de Raquel Elias Ferreira Dodge (2013):

A regularidade no fluxo das verbas públicas destinadas ao financiamento do SUS é a única alternativa compatível com a Constituição para realizar ações e serviços que, por sua natureza, devem ser prestados diuturnamente, sem interrupção, com a qualidade e eficiência necessárias para preservar a vida e saúde do ser humano, pois estes são os bens fundamentais, dos que decorremos demais.

 

Da mesma forma, criou-se uma concepção de que há outros princípios de que norteiam o sistema orçamentário da saúde pública, determinando que ele deva ser suficiente, oportuno, acompanhado da correção monetária (caso haja atrasos nos repasses) e proporcional ao gasto previsto no orçamento.

 

Para garantir a publicidade de todas as transferências, repasses, índices, aplicações e demais valores do orçamento da saúde de todo o país, criou-se um mecanismo informatizado denominado SIOPS – Sistema de Informação de Orçamentos Públicos em Saúde. Consoante definição do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o SIOPS consiste em um “banco de dados cujo objetivo é coletar informações sobre receitas totais e despesas com ações e serviços públicos de saúde das três esferas de governo”.

 

A verba pública, para chegar ao seu destino, percorre um caminho direto, caracterizado pelo repasse fundo a fundo. O Fundo Nacional de Saúde, gestor do orçamento da União, transfere ao Fundo Municipal de Saúde o recurso determinado, realizado de tal forma que possibilita que o dinheiro esteja, rapidamente, nas mãos do ente municipal. Não há burocracia como de costume.

 

No entanto, o problema maior se inicia depois de efetivado o repasse do recurso, quando já incorporado no patrimônio público do ente destinatário. A aplicação da verba muitas vezes não é realizada nos moldes constitucionais e legais, ou melhor, em grande parte dos casos nem é aplicada.

 

 

O gestor do dinheiro público, muitas vezes, acaba desviando o recurso, destinando-o à outra finalidade, muitas vezes com fins particulares, cometendo condutas caracterizadoras de improbidade administrativa e até crimes.

II – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

2.1 Aspectos Gerais

A evolução político-administrativa inerente à gestão pública vem sofrendo inúmeras mudanças com o passar dos anos. A concepção ética toma espaço e preocupação, tanto dos legisladores, administrativistas, estudiosos do ramo e, também, da própria população, cujo interesse em fiscalizar a Administração Pública aumenta em proporções consideráveis.

O Estado Democrático de Direito passa a ter nova percepção, no que tange à gestão ética, proba, e moralmente correta do administrador público, e isto tem início com a promulgação da Constituição Federal de 1988, deixando para trás os rastros ilegais da administração ditatorial.

Essa exigência de um novo molde de administrar passa, não só pela interpretação dos cinco princípios constitucionais da gestão pública, mas engloba, também, a possibilidade e a necessidade de maior fiscalização e atuação da sociedade, o que determina o dever do gestor administrativo de executar suas tarefas mediante critérios como respeito, lealdade, imparcialidade, e boa-fé em relação destinatários do serviço público. Nestes moldes, ressalta Jesús González Pérez (2000, p. 32) que não poderia o administrador dirigir e exercer ações encaminhadas à defesa da moralidade se o mesmo carecesse de moral.

A moralidade e a probidade, em que pese serem elementos distintos, encontram-se interligados para todos os sentidos, que, com o passar dos anos, foram amplamente enfatizados dentro do conceito de honestidade na gestão pública. No entanto, conceituar moralidade e distingui-la de probidade não é uma tarefa das mais simples.

Sob o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello (1992, p. 61), tem-se a seguinte concepção:

Segundo os cânones da lealdade e boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar os exercícios de direitos por parte dos cidadãos.

Acrescenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com sua sabedoria, (1994, p. 70) o exímio ensinamento:

Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, o princípio de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo uma ofensa ao princípio da moralidade administrativa.

Waldo Fazzio Júnior (2007, p. 77) define o ato de improbidade como aquele “ato ilegal, fundado na má-fé do agente público que, isoladamente ou com a participação de terceiro, viola o dever de probidade administrativa, com ou sem proveito econômico, produzindo ou não lesão ao patrimônio público econômico”.

Luiz Alberto Ferracini (1997, p. 16) ensina: “Entende-se por ato de improbidade a má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente liga-se ao sentido de desonestidade, má-fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter”.

Francisco Octávio de Almeida Prado (2001, p. 37) aprofunda ainda mais a definição:

Probidade significa honradez, honestidade. Improbidade é desonestidade, ausência de honradez. O termo que o constituinte se serviu para designar a categoria de ilícito que se quis instituir tem carga significativa acentuada, que interfere profundamente com o elemento subjetivo das condutas configuradoras de improbidade administrativa. O elemento subjetivo é o vínculo psicológico, o nexo subjetivo que une o agente ao resultado. A improbidade pressupõe, sempre, um desvio ético na conduta do agente, a transgressão consciente de um preceito de observância obrigatória. Não deve, pois, existir ato de improbidade, ainda que de caráter omissivo, sem impulso subjetivo, sem propósito de violação de um dever jurídico – dever este tomado na sua acepção mais ampla, compreendendo tanto a transgressão direta à fórmula literal do preceito legal como a contrariedade velada, que importa desvio em relação aos fins legais ou desatendimento as motivos legalmente qualificados.

Vale ressaltar, ainda, a opinião de Alexandre de Moraes (2007, p. 339):

O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da presente lei.

Por outro lado, Hely Lopes cita em sua obra (2003, p. 87) o entendimento do principal sistematizador da Teoria da Moralidade Administrativa, Maurice Hauriou, que conceitua esta como a moral jurídica, definida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Por esta concepção, o gestor deveria praticar o ato administrativo em harmonia com o conjunto de normas que satisfaçam os méritos pertinentes para a Administração Pública, ou seja, o alcance da finalidade pública.

Todavia, fato é que o desconhecimento da conduta imoral ou ilícita não pode ser motivo para o agente público se eximir de responsabilidade, sendo que, pela definição supra, o gestor poderia fazer o que bem desejasse para se obter o fim público, mesmo infringindo a moralidade, alegando a própria torpeza.

Entre diversas visões, é necessário destacar que a imoralidade não é improbidade, porque nem sempre um ato imoral é um ato improbo (a recíproca não corresponde). A conduta improba é a conduta desonesta, conforme já salientado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 604.151/RS), sendo que a imoralidade é definida por qualquer ato que não esteja de acordo com a ética e os bons costumes, mesmo não sendo especificamente pautado pela ilegalidade ou desonestidade.

O §4º do art. 37 da Carta Constitucional não definiu o que é improbidade, porém, apenas descreveu as sanções correspondentes ao ato, quais sejam: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. Desta feita, a dificuldade na elaboração de um entendimento objetivo passou-se à doutrina e jurisprudência, o que dificulta ainda mais a interpretação (é importante frisar que a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da União, dispõe, em seu art. 2º, IV, que o princípio da moralidade administrativa deve ser pautado por uma atuação segundo os padrões éticos e probidade, decoro e boa fé).

No início da década de 1990, portanto, pouco tempo após a promulgação da Carta Magna de 1988, foi sancionada a Lei nº 8.429/1992, mais conhecida como LIA – Lei de Improbidade Administrativa, que adentrou no contexto de controle da Administração Pública contra os atos improbos. Esta norma regulamentou o §4º do art. 37 da CF, supracitado, e foi além, ampliando as diretrizes de aplicação, sendo entendida como uma legislação bem rígida.

Deste modo, houve uma facilitação no entendimento sobre a improbidade administrativa, partindo do pressuposto da realização do ato. A referida norma disciplinou três tipos de condutas que configuram atos de improbidade administrativa, em suma, aqueles que importam em enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário e que violam princípios da Administração Pública.

Por esta diretriz, a conclusão que se tem é que a improbidade administrativa é um ato ilegal (porque vai de encontro à lei), imoral (pois viola a boa-fé e os bons costumes) e desonesto, uma vez que é pautado de má índole, malícia, revelando a pessoa que não tem caráter, que age indignamente, e, na maioria das vezes, visa o próprio benefício ilícito (SILVA, 1987, p. 431).

Apesar da discussão doutrinária quanto à admissão de conduta culposa nos atos que causam prejuízo ao erário, é notório o entendimento no sentido de que a pessoa autora das referidas ações não é considerada honesta, de boa índole. Por este lado é que se afirma que a definição de improbidade administrativa deve ser elaborada, principalmente, com análise das três condutas estampadas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992.

2.2 Elementos Constitutivos

Para a constituição de um ato de improbidade administrativa são necessários alguns elementos, quais sejam: sujeito ativo, sujeito passivo, ato danoso, elemento subjetivo (dolo ou culpa, em determinados casos) e tipicidade.

Consoante exegese dos artigos 1º e 2º da Lei 8.429/92, os atos de improbidade são praticados por qualquer agente público, servidor ou não. Uma das inovações no combate à improbidade administrativa foi justamente a amplitude dada pela LIA ao disciplinar quem poderia ser autor da conduta improba.

O dispositivo é extremamente abrangente, englobando quaisquer pessoas físicas detentoras de cargo ou função pública (entre eles os temporários, agentes honoríficos e gestores de negócio), podendo ser de natureza efetiva ou comissionada, bem como empregados contratos por regime da CLT, delegatários de serviços públicos e agentes de pessoas jurídicas sem fim lucrativos integrantes do chamado Terceiro Setor. Waldo Fazzio Júnior complementa a interpretação, acrescentando que o legislador não leva em consideração, para fins de enquadramento na conduta, “o tempo de exercício, a modalidade remuneratória e a natureza do vínculo” (2008, p. 252).

O art. 3º da referida norma merece maior destaque, uma vez que ampliou significativamente o rol de sujeitos ativos das condutas de improbidade. Seu texto afirma que terceiro estranho aos quadros da Administração Pública, que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie, sob qualquer forma direta ou indireta, também será responsabilizado.

Neste sentido, vale a jurisprudência retirada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento da Apelação Cível nº 200751010233408/RJ:

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA ISOLADA DE PARTICULAR NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

1.             Não há vislumbrar ato de improbidade administrativa praticado unicamente por particular que deu destinação irregular às verbas públicas captadas na forma da Lei nº 8.313/1991 (Lei Rouanet) para a produção de filme, na medida em que não houve qualquer atuação de agente público. 

2.             A Lei nº 8.429/1992, tem por escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário público (art. 10) e atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11). 

3.             O art. 3º da Lei de Improbidade Administrativa preconiza que suas disposições também se aplicam aos particulares que induzam, concorram ou se beneficiem do ato praticado pelo agente público. Todavia, não cogita da aplicação das sanções ali impostas exclusivamente ao particular, sem que tenha havido atuação de algum agente público. 

4.             Recurso desprovido. 

O segundo elemento constitutivo a ser destacado é o sujeito passivo, ou seja, as entidades protegidas. Mateus Bertoncini (2007, p. 255) ensina:

Em última análise, os atos de improbidade administrativa são cometidos contra o interesse público, contra o interesse da coletividade, contra o interesse do povo brasileiro, de cuja força ou poder emana o próprio Estado, como sociedade politicamente organizada (preâmbulo da Constituição de 1988).

 

O elemento diretamente lesado é o interesse público secundário, partindo da ótica do erário público; o orçamento que deveria ser dispensado em serviços públicos e, em decorrência do ato desonesto, acaba sendo prejudicado, refletindo na prestação da atividade pública. De outro norte, obviamente que isto influencia no interesse público primário, consoante explanação supra, uma vez que o erário público é proveniente, boa parte, dos tributos pagos pela coletividade, a qual tem pleno direito de vê-los aplicados em seu benefício.

 

Tal discussão reflete, também, no âmbito processual da ação de improbidade administrativa, sendo que o Poder Público, ao ser citado, deve optar por permanecer no polo passivo e se defender (sob uma ótica de réu, agente ativo do ato de improbidade que lesou o interesse público secundário), quedar-se inerte e observar o bom andamento da ação, ou migrar para o polo ativo da demanda (atuando como parte lesada). É a exegese do artigo 17, §3º, da Lei nº 8.429/92, em combinação com o artigo 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular).

 

Ato danoso é o terceiro elemento ensejador da improbidade administrativa. Frisa-se o pequeno detalhe de que o ato deve ser o causador efetivo do enriquecimento ilícito, do prejuízo ao erário ou do atentado aos princípios da Administração Pública.

 

A discussão sobre o elemento subjetivo é ampla. A regra pacificada entre os doutrinadores do ramo é de que o dolo é estritamente necessário para a constituição da conduta. No entanto, fica a discussão da possibilidade do elemento culpa nos atos descritos no art. 10 da LIA, quais sejam, aqueles que causam prejuízo ao erário.

 

Como será visto posteriormente, o legislador utilizou-se de critério diferente neste dispositivo, sendo que para José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 1024), considerou-se a exigência do dano e do elemento subjetivo para a punição das condutas culposas que causem prejuízo ao erário público.

 

 

Pautando-se do conhecimento da área penal, sabe-se que a conduta culposa exige, para sua consumação, resultado naturalístico, e foi com esta concepção que o legislador adotou a possibilidade de existência do ato de improbidade culposo para o art. 10 da LIA. Exigindo-se o efetivo dano ao erário, conclui-se que, mesmo sem dolo, é possível lesar o patrimônio quando o agente público pauta-se de modo negligente, imprudente ou imperito.

 

No entanto, para Calil Simão (2012, p. 19), “o elemento culpa previsto pelo tipo do art. 10 vem sendo questionado pela doutrina e jurisprudência e deve, em pouco tempo, ser considerado apenas suporte do pedido de ressarcimento”.

 

 Por fim, tem-se o último elemento, qual seja, a tipicidade. Novamente emprestando-se dos conhecimentos penais, tipicidade é característica do fato típico, sendo definida como o perfeito e completo enquadramento do fato à norma. Em outras palavras, para haver ato de improbidade, a conduta deve estar inteiramente descrita na lei.

2.3 Atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito – art. 9º da Lei 8.429/92

Composto por doze incisos, o art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa regulou a tipificação das condutas ímprobas consideradas mais graves, quais sejam, aquelas em que o agente aufere aumento patrimonial em ofensa a uma norma jurídica (SIMÃO, 2012, p. 22), considerada uma “derivação lógica e consequência inevitável dos atos de corrupção” (GARCIA apud NEIVA, 2012, p. 73).

O enriquecimento ilícito corresponde à ideia que mais se adequa à deslealdade e desonestidade e, por isso, é punido mais severamente que as demais condutas expostas nos artigos 10 e 11 da LIA.

Obviamente, deve haver o elemento volitivo doloso para que seja caracterizada uma das situações de enriquecimento ilícito, uma vez que não ser possível auferir vantagem ilícita culposamente.

Para configurar a conduta improba do enriquecimento ilícito, alguns requisitos devem ser preenchidos: a) recebimento de vantagem patrimonial indevida (salvo o inciso V do art. 9º, o qual se consuma com a mera aceitação de promessa de vantagem); b) dolo do agente; c) ligação entre o recebimento da vantagem ilícita e o exercício de cargo, mandato, emprego ou qualquer outra função pública; d) nexo causal entre a conduta do agente e o recebimento da vantagem.

Importante frisar que a vantagem indevida precisa, necessariamente, ser ilícita, podendo ser obtida direta ou indiretamente (por meio de terceiro), tanto por ação ou por abstenção do agente. A vantagem por ação é caracterizada por uma adição econômica no patrimônio, à medida que o privilégio por abstenção ocorre quando uma prerrogativa impede que o montante econômico do agente sofra redução.

Neste sentido, exímio ensinamento de Pedro Roberto Decomain (2007, p. 85):

Se a vantagem percebida, ou cuja promessa foi aceita, não tiver caráter econômico, nem mesmo da maneira indireta, a sua percepção (ou a aceitação da promessa feita) continuará configurando ato de improbidade administrativa. Este já não mais será enquadrável, porém, no art. 9º da Lei, na medida em que a tônica desse artigo está no enriquecimento ilícito, representado pelo auferimento da vantagem de cunho patrimonial. A improbidade será subsumível, em caso de vantagem sem caráter econômico, ou no art. 10 da Lei, quando do ato resulte prejuízo patrimonial para o Erário, ou, pelo menos, em seu art. 11, porque caracterizada violação a princípio norteador da Administração Pública.

Como já dito, a investidura em cargo, mandato, função, emprego ou atividade pública é requisito essencial, sendo pertinente salientar que o “caput” do art. 9º é hialino no sentido de que não é necessário o efetivo exercício da colocação pública, bastando que a vantagem se dê em razão desta. Interpretação inteiramente semelhante aos crimes contra a Administração Pública, previstos no Título XI do Código Penal.

O elemento volitivo dolo também é necessário para a consumação de uma das condutas expostas no art. 9º supracitado. Nas palavras de Calil Simão (2012, p. 22), “O propósito do direito punitivo, no tocante ao enriquecimento ilícito, é punir apenas aquele que intencionalmente se vale da sua qualidade de agente público para angariar vantagens econômicas e se enriquecer indevidamente”.

As condutas tipificadas entre os incisos I e XII compõem um rol meramente exemplificativo (“numerus apertus”), sendo comparado, penalmente, ao tipo penal aberto, uma vez que o legislador não poderia prever absolutamente todas as situações que se relacionariam ao enriquecimento ilícito do servidor público na execução de seus atos.

2.4 Atos de improbidade que causam prejuízo ao erário – art. 10 da Lei 8.429/92

O rol adstrito ao art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa regulamenta as condutas que causam dilapidação ao patrimônio público, ou, nos termos da lei, prejuízo ao erário, de qualquer forma possível. O legislador, ao sintetizar a exegese do dispositivo, implicou em inserir palavras como “perda patrimonial”, “desvio”, “apropriação” e “malbaratamento”, demonstrando a intenção de punir todos os atos que impliquem em detrimento do tesouro administrativo, inclusive aqueles que partem de condutas culposas.

Sobre o assunto, acentua Waldo Fazzio Júnior (2007, p. 122):

Perda patrimonial é desfalque, privação, extravio de bens, rendas e valores do erário. Desvio significa mudança de direção, desvirtuamento ou alteração de destinação do bem ou valor. Apropriação é apoderamento, usurpação, inversão de posse. Malbaratamento é desperdício, venda com prejuízo, gasto malfeito. Dilapidação é esbanjamento destrutivo, consumição.

Nestas condutas, o dano consiste em elemento essencial do tipo, o que possibilita a conduta ser punida quando ocorre por negligência, imprudência ou imperícia do agente, uma vez que o resultado culposo necessita, obrigatoriamente, do dano naturalístico. No entanto, a discussão acerca da modalidade culposa para as condutas do art. 10 percorre caminhos mais extensos.

José Antonio Lisbôa Neiva (2012, p. 95) defende que admitir a culpa nos atos de improbidade administrativa destoa da própria finalidade da Lei. 8.429/92, uma vez que a nova ordem constitucional introduziu o §4º do art. 37 justamente para fechar o cerco contra os maus agentes administrativos, aqueles que procedem ao exercício da função pública com má qualidade, desonestidade e malícia, o que não poderia ocorrer a não ser por uma conduta volitiva.

Neste sentido, frisa Sérgio de Andréa Ferreira (2002, p. 35) ser “evidente que os atos de improbidade pressupõem conduta dolosa. Ninguém é desonesto, culposamente, por descuido ou imperícia. Ninguém pratica atos de corrupção, a não ser deliberadamente”.

Mais a fundo, Aristides Junqueira Alvarenga sustenta (2001, p. 89):

Estando excluída do conceito constitucional de improbidade administrativa a forma meramente culposa de conduta dos agentes públicos, a conclusão inarredável é a de que a expressão “culposa”, inserta no caput do art. 10 da lei em foco, é inconstitucional.

Com a máxima vênia aos supracitados autores, sem razão o entendimento. Fosse pensar desta maneira e o crime de peculato culposo, previsto no art. 312, §2º, do Código Penal, não seria tipificado. Necessário frisar que este crime é o único dos delitos contra a Administração Pública que prevê modalidade culposa, e o legislador de 1940 foi inteligente ao condicionar o crime culposo do servidor público que age com negligência, imprudência ou imperícia, ao cometimento de outro peculato ou furto, dolosos, por terceiro.

Certo é que a legislação de improbidade administrativa, em interpretação teleológica, adveio com a finalidade de amparar o interesse público, punindo o agente desonesto e violador de regras, no exercício da função administrativa. Porém, também correto está ao se afirmar que o servidor negligente, que age com displicência, desleixo, insensatez, descuido, desídia, inaptidão ou inexperiência, também comete atos que devem ser tutelados pela Lei de Improbidade Administrativa.

Da mesma forma, salienta-se que o art. 37, §4º da Constituição Federal não exigiu expressamente que a conduta improba fosse unicamente dolosa.

Desta feita, o agente que se comporta nestes termos não é apto a pertencer aos quadros da Administração Pública, e se a avaliação periódica de desempenho do servidor é capaz de constatar tais práticas, submetendo-o a processo administrativo disciplinar, óbvio está que a Lei de Improbidade Administrativa também é instrumento hábil para tutelar o patrimônio público, quando o mesmo é lesado pelo agente cometedor de tais condutas.

No entanto, pertinente salientar que a gravidade do ato deve ser levada em consideração. Entendimento doutrinário que aplica a modalidade culposa defende que a culpa deve ser grave ou gravíssima, podendo até ser equiparável à conduta dolosa. Neste sentido (FERREIRA, 2002, p. 35): “Quando a Lei nº 8.429/1992 alude a ‘ação ou omissão, dolosa ou culposa’, é evidente que se está referindo ao dolo e à culpa grave ou gravíssima, culpa consciente, que a ele se equiparam, segundo os mais lúcidos conceitos de direito”.

Neste sentido, o jurista Luiz Alberto Ferracini (2001, p. 86) elucida:

Na culpa seria a falta pelo agente público, de cuidado objetivo. Em face disto, a observância do dever de diligência necessária e a imprevisibilidade objetiva excluem a tipicidade do fato. A imprevisibilidade pessoal exclui a culpabilidade. Assim sendo, incidindo ao agente público a imprevisibilidade dos elementos acima, o fato ser atípico.

Importante acrescentar a opinião do ilustre doutrinador Marçal Justen Filho (2005, p. 687), cujo entendimento é no sentido de que a conduta improba de natureza culposa “apenas pode ser admitida como geradora de uma responsabilidade limitada, em situação excepcional”, não se permitindo que o rol do art. 10 fosse generalizado, de modo que todas as condutas discriminadas tenham sua modalidade culposa, acrescentando, ainda, que a culpa não deve ser confundida com mero deslize profissional. Opinião esta também seguida por Fábio Medina Osório (2007, p. 271), que leciona:

Insista-se que a culpa não se confunde com o erro profissional. Daí por que a jurisprudência pode mencionar a LGIA não pune o “inábil”, mas o desonesto. Essa assertiva, tão explorada por alguns setores há de ser compreendida. O administrador inábil, no dizer do acórdão aqui em comento, significa que erra dentro das margens de erro profissional. A LGIA não pode, realmente, punir todo e qualquer erro dos gestores públicos, sob pena de consagrar como espúria e manifestamente injusta, até mesmo draconiana, para usarmos uma expressão em voga. Porém, o fato de não alcançar a mera inabilidade dos agentes públicos não retira da LGIA a legítima possibilidade de proibir e sancionar comportamentos gravemente culposos, dentro de um esquema de tipicidade montado sobre as bases da legalidade e da segurança jurídica.

O jurista ainda acrescenta (1998, p. 111):

A culpa grave pode fundamentar a responsabilização de Parlamentares, Magistrados e membros do Ministério Público que, no desempenho de suas atribuições, causem, injustificadamente, por manifesto e desproporcional despreparo funcional, lesão ao erário, violando os princípios básicos que regem a Administração Pública, v.g., moralidade e ilegalidade.

Marino Pazzaglini Filho (2006, p. 78-79) complementa o entendimento:

A improbidade lesiva ao patrimônio público financeiro culposa se dá quando o resultado danoso involuntário, porém previsível, é consequência de comportamento voluntário do agente, denotativo de má-fé, pela deslealdade funcional, pelo desvio ético (falta de probidade).

José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 1024) também expõe brilhante lição:

O elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta do caput do dispositivo. Neste ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de agentes, que causem danos ao erário. Aliás, para não deixar que, da mesma forma, dispõe sobre prejuízos ao erário. Em nosso entender, não colhe o argumento de que a conduta culposa não tem gravidade suficiente para propiciar a aplicação de penalidade. Com toda a certeza, há comportamentos culposos que, pela repercussão que acarretam, têm maior densidade que algumas condutas dolosas. Além disso, o princípio da proporcionalidade permite a perfeita adequação da sanção à maior ou menor gravidade do ato de improbidade. O que se exige, isto sim, é que haja comprovada demonstração do elemento subjetivo e também do dano causado ao erário. Tanto quanto na improbidade que importa em enriquecimento ilícito, não há ensejo para a tentativa.

Por fim, cumpre prosseguir com o entendimento liderado pela Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005, p. 727-728), a qual defende e afirma a existência de uma imprecisão legislativa na disposição da modalidade culposa das condutas conditas no rol do art. 10 da LIA.

Para a exímia administrativista, o mencionado dispositivo é o único que fala em ação ou omissão, dolosa ou culposa, o que a faz compreender que o legislador realmente cometeu uma falha ao disciplinar o preceito, problema este que também ocorre com o art. 5º da mesma lei, uma vez que não há pretexto que explique a diferença de interpretação. Neste sentido:

A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. (…) Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.

Para que haja a tipificação da conduta em um dos incisos do art. 10, é substancial que haja o efetivo dano ao erário público, o que deverá ser provado em eventual ação civil pública ou ação popular, caso contrário, o ato poderá ser enquadrado no art. 9º ou art. 11, mas não no art. 10.

Finalmente, cumpre apontar interessante compreensão acerca do cabimento de dano moral à coletividade lesada, possibilitando o pleito de ressarcimento, o que vem sendo admitido pelo Superior Tribunal de Justiça, caso haja estipulação concreta (REsp nº 821.891/RS, REsp nº 960.926/MG).

2.5 Atos de improbidade que violam os Princípios da Administração Pública – art. 11 da Lei 8.429/92

O art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa regulamenta as condutas consideradas menos graves, quais sejam, as que meramente violam os princípios da Administração Pública. Tem aplicação subsidiária, uma vez que todos os outros atos ilícitos descritos nos artigos 9º e 10 também contrariam tais princípios, no entanto, por exclusão, o art. 11 descrimina atos que não causam enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, mas que tão somente caracterizam o desrespeito ético-axiológico do agente (NEIVA, 2012, p. 137).

As referidas violações são toda e qualquer conduta que afronta com os deveres de honestidade, imparcialidade, lealdade e legalidade. Para Arnaldo Rizzardo (2009, p. 484), incluem-se nesta concepção os atos que podem lesar o erário indiretamente, pela omissão ou ineficiência na prestação do serviço, assim como pelo exercício da atividade que desconsidera ou ignora a correta forma de executar as atividades públicas, ferindo efetivamente os princípios da Administração Pública. Neste sentido (RIZZARDO, 2009, p. 484):

Trata-se de atos atentatórios à sanidade e moralidade administrativa porque revelam o desvio ético da conduta do servidor ou agente e dos terceiros favorecidos, a falta de habilidade, o abalo da credibilidade e a degeneração da seriedade administrativa.

Para ser considerada a violação, o ato doloso deve ser saturado de deslealdade, uma vez que a simples violação do Princípio da Legalidade, v. g., não seria razoavelmente aplicada como um ato de improbidade administrativa. É preciso que a moralidade pública seja atingida, não somente a moralidade administrativa. É necessário que o interesse público primário seja violado, abrangendo os interesses da coletividade, não simplesmente da Administração. A ideia é que “não pode o legislador dizer que tudo é improbidade” (FIGUEIREDO, 2000, p. 104).

Calil Simão (2012, p. 44) ressalta que há um posicionamento admitindo a configuração de ato de improbidade administrativa por mera violação a princípios orientadores da Administração Pública. Contudo, a doutrina recente questiona veemente esta orientação, sendo que a tendência é o entendimento se alterar. O argumento é que a pretensão punitiva do Estado só pode ser efetivada quando a lei tipifica especificamente a conduta, o que não ocorre quando há uma regra meramente axiológica.

Também não podem ser confundidos com os princípios políticos constitucionais, assim ensinados por Eros Roberto Grau (2007, p. 159) como:

Os princípios que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador (aí os princípios definidores da forma do Estado – onde os princípios da organização econômico-social; os princípios definidores da estrutura do Estado – unitário ou federal, com descentralização local ou autonomia local; os princípios estruturantes do regime político – princípios do Estado de Direito, princípio democrático, princípio republicano, princípio pluralista, etc.; e os princípios caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral – separação e interdependência dos poderes, princípios eleitorais etc.

Os princípios que realmente devem ser atingidos, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92, são a honestidade, a imparcialidade, a legalidade e a lealdade às instituições. Pelo art. 37 da Constituição Federal são os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Quanto à desonestidade e a deslealdade, é unânime que o agente deve executar o ato envolto do elemento volitivo dolo, uma vez que, por questões óbvias, não é possível ser desonesto e desleal culposamente.

A imparcialidade está inteiramente relacionada à impessoalidade. O agente deve se portar de modo neutro, sem direcionar benefícios ou malefícios terceiros, e sem o intuito de se promover pessoalmente. Consoante lição de Fábio Medina Osório (2007, p. 158), a ofensa à imparcialidade que caracteriza ato de improbidade é aquela em que o agente público “marque sua atividade administrativa pela perseguição de fins particulares, motivações egoístas, ambições pessoais que se sobreponham ao interesse público”.

Acerca do Princípio da Legalidade, a discussão é mais sensível. Improbidade não é mera ilegalidade, mesmo que a conduta, diretamente, tenha violado preceito legal. Ensina Marino Pazzaglini Filho (2006, p. 113):

Ilegalidade não é sinônimo de improbidade e a prática de ato funcional ilegal, por si só, não configura ato de improbidade administrativa. Para tipificá-lo como tal, é necessário que ele tenha origem em comportamento desonesto, denotativo de má-fé, de falta de probidade do agente público.

A legalidade deve ser entendida como a execução de um ato administrativo em estrito cumprimento dos moldes legais. A Administração Pública só poderá praticar atos que estejam determinados pela lei. No entanto, para caracterizar um ato improbo é necessário que a conduta seja praticada, dolosamente, com desonestidade. Neste sentido, importante destacar lição de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2002, p. 75-76), diferenciando moralidade de legalidade.

O princípio da legalidade exige a adequação do ato à lei, enquanto que o da moralidade torna obrigatório que o móvel do agente e o objetivo visado estejam em harmonia com o dever de bem administrar. Ainda que os contornos do ato estejam superpostos à lei, será ele inválido se resultar de caprichos pessoais do administrador, afastando-se do dever de bem administrar e da consecução do bem comum.

Pedro da Silva Dinamarco (2001, p. 335) também ressalta que o dolo é elemento essencial para configuração do ato de improbidade administrativa que afronta o Princípio da Legalidade. Sustenta o autor que o artigo 11 da LIA é de maior complexidade de interpretação, justamente porque é um tipo aberto, amplo, principiológico, podendo nele serem enquadradas diversas condutas. Entende ser inaceitável que o legislador tenha idealizado como atos de improbidade condutas que não estejam efetivamente especificadas em lei.

Ainda acerca do amplo debate sobre a definição de legalidade e moralidade, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 213.994/MG, imprimiu o seguinte raciocínio: “Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil”.

Desta feita, conclui-se que o ato de improbidade administrativa que afronta os princípios da Administração Pública não poderá ser analisado abertamente. As condutas passíveis de serem punidas devem, obrigatoriamente, conter o elemento volitivo doloso, sob pena de ser descaracterizada a razoabilidade e proporcionalidade da situação. Da mesma forma, sob o aspecto da legalidade, o ato deve ser praticado desonestamente, não podendo ser configurado em qualquer mera contrariedade à exegese do dispositivo.

2.6 A probidade administrativa na Saúde Pública

A ideia concreta de probidade administrativa no âmbito sanitário vai muito além da simples análise dos atos de gestão do administrador. Sabe-se que dentro do funcionalismo público ocorre a prática de diversos atos ilícitos, alguns provados, outros não, mas a maioria está relacionado a valores, sejam eles ínfimos ou de grande monta.

Amplamente destacado supra, a saúde possui um dos maiores orçamentos do país, ficando apenas atrás do sistema educacional, partindo da concepção nacional. O dinheiro público destinado às políticas de saúde poderia ser muito melhor aplicado se cumpridas as determinações da Emenda Constitucional nº 29/2000. Porém, não é isto que ocorre, conforme demonstrado pelo SIOPS – Sistema de Informações Orçamentárias Públicas de Saúde.

Logo, muitas vezes a Lei 8.429/92 merece aplicabilidade com o intuito de punir os responsáveis por tais condutas lesivas ao patrimônio da saúde pública, sem deixar de lado, também, a possibilidade do cidadão exercer suas garantias constitucionais a fim de preservar o erário público ante as condutas ímprobas de seus gestores.

Com a concepção coletiva da saúde pública, a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais destinam mecanismos de fiscalização e proteção, tanto do erário público, como da garantia de se proporcionar um serviço correto e adequado à população usuária. Assim, quando o objetivo não for atingido, o cidadão detém a possibilidade de acionar o Poder Judiciário e o Ministério Público, sempre que houver má administração da coisa pública.

Partindo desta premissa, verifica-se que a saúde pública está intimamente ligada com qualquer outro ramo administrativo e político. É assim o entendimento da Organização Mundial da Saúde, quando ao se reportar que “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. E quando se fala em probidade administrativa, a função social da saúde pública deve ser integralmente observada e cumprida.

A título de exemplo, registra-se no contexto atual o íntimo liame entre saúde e meio ambiente. O tema é tão importante que as Promotorias de Justiça possuem competências funcionais próprias para apurar especificamente os casos de má conservação dos rios, esgotos a céu aberto, negligência na preservação da fauna e da flora, e demais problemas que envolvam o prejuízo da saúde física e mental do indivíduo. Neste sentido, acrescenta-se: “não haverá saúde, onde a Administração local não proporcione aos indivíduos a existência da oferta de empregos e salários suficientes para a moradia, a alimentação, a assistência médica e o lazer” (Saúde – Coleção Temas Transversais. São Paulo: Ícone, 2000, p. 27).

Há diversas formas, portanto, do gestor público praticar atos de improbidade administrativa no âmbito sanitário, e é justamente por esta ampla possibilidade que se firma a conclusão de que, na saúde pública, a atenção da prática de atos comissivos e omissivos deve ser aumentada ainda mais. O desleixo, a falta de sensibilidade do gestor e a voluntariedade em praticar atos ilícitos visando benefício próprio ou de outrem são indícios de uma má administração da saúde pública.

2.7 Onde se dá a Improbidade Administrativa

Primeiramente, convém ressaltar que os atos de improbidade não são limitados apenas à esfera executiva, ocorrendo, também, nos poderes Judiciário e Legislativo. É preponderante, no entanto, no âmbito do Poder Executivo, vez que é o órgão responsável por gerir o orçamento público e aplicar o montante conforme as especificações. Basicamente, quando ocorrem, as condutas são praticadas pelos Secretários de Saúde, municipal e estadual, bem como o Ministro da Saúde, e todos os assessores que auxiliam administrativa e politicamente tais gestores.

O Poder Legislativo poderia praticar um ato de improbidade quando, v. g., edita uma lei que prevê alteração no orçamento da saúde sem respeitar competências e determinações constitucionais e legais, ou que prevê a demissão de funcionários efetivos para depois realizar contratações de outros, em desobediência legal.

No âmbito judiciário também ocorre a prática de atos ímprobos, mormente quando o órgão atua em função administrativa, diversa da jurisdicional. Por exemplo, quando realiza licitação ou concurso público para contratação de peritos de diversas áreas.

As principais condutas a serem repudiadas são as que se relacionam com o controle de gastos e desperdícios de recursos, bem como a inadequada aplicação desses valores. Normalmente, ao mesmo tempo em que o ato é considerado ímprobo administrativamente também é considerado crime, v. g., concussão, corrupção, peculato.

Da mesma forma, mesmo que o recurso não seja desviado para fins particulares, mas seja aplicado em localidade diversa da permitida por lei, poderá configurar o crime de emprego irregular de verbas públicas, previsto no artigo 315 do Código Penal. Este ato estaria enquadrado no artigo 10 da LIA.

A título de exemplo, temos a seguinte notícia, veiculada no portal <http://www.luiscardoso.com.br/politica/2013/05/vargem-grande-desvio-de-recursos-da-saud

e-e-alvo-de-acao-civil-publica/>:

O promotor de justiça Benedito de Jesus Nascimento Neto, titular da Comarca de Vargem Grande, ingressou, no último dia 9, com uma Ação Civil Pública por atos de improbidade administrativa contra o ex-prefeito Miguel Rodrigues Fernandes, a ex e a atual secretária Municipal de Saúde, Conceição de Maria Mesquita de Mesquita e Shirlândia das Dores Marinho Sousa, e a ex-tesoureira do Município, Joana Dark Pereira Costa. O motivo da ação foi o repasse de aproximadamente R$ 360 mil ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). O valor é uma parcela dos R$ 965.981,04 recebidos do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), parte da Política Nacional de Atenção em Oftalmologia, voltados para o tratamento de pacientes com glaucoma. Os atendimentos, no entanto, nunca foram realizados. Além disso, foram autorizados procedimentos que teriam sido feitos por profissional que nunca atuou no NASF.

Outra forma de improbidade relatada com bastante frequência é a conduta prevista no inciso VIII, do artigo 10, da Lei 8.429/90, qual seja: “frustrar ou dispensar indevidamente o processo licitatório”. Como exemplo, a ação penal promovida pelo Ministério Público Federal do Estado de Goiás, sob nº 2009.35.00.018308-7, pela ausência de procedimento licitatório para contratação de serviços médicos.

A ementa dispõe: “Denúncia. Contratação de profissionais para prestar serviços médicos à população. Fundo Municipal de Saúde. Sanclerlândia. Inexigência de licitação para a celebração de contrato de particular com a Administração Pública. Tipificação Penal: Artigo 89 da Lei n° 8.666/1993”.

O inciso IX, do artigo 10, da LIA, também dispõe outra conduta relevante e comum no âmbito da saúde pública, qual seja, “ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento”. A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento da Apelação Cível nº 407581-6, muito bem salientou:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 12, INCISOS II E III DA LEI DE Nº 8.429/92. PREFEITO MUNICIPAL. EMISSÃO DE ‘NOTAS DE PAGAMENTO DE EMPENHO’ E EFETIVO PAGAMENTO COM DINHEIRO PÚBLICO DE DESPESAS ESTRANHAS AO INTERESSE PÚBLICO. ALEGAÇÃO PELO RÉU DE QUE OS RECURSOS FORAM DIRECIONADOS PARA TRATAMENTO DE SAÚDE DA POPULAÇÃO LOCAL. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO E DE ENCAMINHAMENTO PARA ATENDIMENTO ATRAVÉS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. SUS. IRREGULARIDADE NO PAGAMENTO DE ‘AJUDA DE CUSTO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE DE TERCEIROS’. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. APLICAÇÃO DA PENA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.

1. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, doloso ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referida no art. 1º desta Lei, e notadamente: VI- realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; IX- ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em Lei ou regulamento; X – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular. Inteligência do artigo 10 e incisos da Lei de nº 8.429/1992.

2. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade das instituições, e notadamente: I – Praticar ato visando fim proibido em Lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência. Inteligência do artigo 11, inciso I, da Lei de nº 8.429/1992.

3. Na aplicação das penas por ato de improbidade administrativa, há que se levar em consideração a gravidade e lesão causadas ao erário público, pautando-se nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

4. Apelação cível conhecida e parcialmente provida.

José Marcelo Menezes Vigliar, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, em sua exímia obra “Saúde Pública e Improbidade Administrativa” (2003, p. 126), registrou fato importantíssimo a ser acrescentado, veja-se:

Basta que pensemos, para a criação de um exemplo, nas hipóteses do inciso II do art. 11, em que o agente público deixa de realizar um ato que, de ofício, deveria ser praticado, como é o caso do o combate a uma determinada epidemia, cujos indicadores de saúde apontavam como muito provável, considerando algumas condições que, uma vez presentes, invariavelmente levariam à sua eclosão, com a conseqüência de prejudicar a saúde pública. A regularidade das condições para tal epidemia tornavam o evento epidêmico certo. Obviamente, suas consequências poderiam e deveriam ser evitadas e/ou minimizadas e controladas, seja para revelar um respeito ao bem público denominado saúde, seja para evitar excessivos e também certos gastos futuros, necessários ao tardio e nem sempre eficaz combate à epidemia, ou no tratamento daqueles que foram acometidos pela doença. A omissão do agente público de saúde, no exemplo ora adotado, acabou por expor indevidamente a saúde da população e, invariavelmente, redundará na conclusão de que não fora observado o princípio da publicidade, fato que gera a caracterização de ato de improbidade administrativa.

Logo, o que se conclui é que as condutas previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA podem ser e são facilmente praticadas no âmbito da saúde pública, conforme depreende-se dos casos concretos expostos supra. Há, porém, métodos de fiscalização e punição exercidos por diversos órgãos cuja finalidade é impedir o malbaratamento do erário público e a consequente aplicação legal dos recursos públicos, para que o usuário possa utilizar o serviço de saúde nos moldes dos preceitos axiológicos do SUS.

III – O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DA SAÚDE PÚBLICA

3.1 Competência institucional do Ministério Público e a relação com a saúde pública

A alçada constitucional do Parquet tem previsão nos artigos 127 e seguintes da Carta Magna, dispondo que é uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

É um órgão autônomo, independente, não vinculado a qualquer outro poder estatal, tem orçamento e gestão funcional própria e seu papel principal é defender os interesses difusos e coletivos, atuando em variadas funções institucionais.

A natureza jurídica do direito tutelado pelo ente em questão é vista sob a ênfase horizontal e vertical. A primeira diz respeito ao enfoque coletivo e a segunda sob os moldes individuais (ALVES et al, 2013, p. 24).

A saúde pública é um direito difuso, visto que não pode ser atribuído a um grupo determinado de pessoas, se relacionando, portanto, com toda a sociedade. Quando o Ministério Público exerce função tutelar da saúde pública visa atender toda a população, sem especificação de destinatários e titulares do direito.

Conforme artigo 129, III, da Constituição Federal, uma das funções institucionais do Parquet é “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Nesta toada, as Promotorias de Justiça da Saúde Pública atuam de forma fiscalizatória, sendo possível, também, sua atuação em juízo. A fiscalização é uma forma primária de atuação do Parquet, realizada por meio de inquéritos civis, procedimentos preparatórios e demais métodos investigativos.

A título de exemplo, o Membro do Parquet tem ampla liberdade para solicitar quaisquer documentações à Administração Pública com a finalidade de apuração de ilícitos, instrução de procedimentos administrativos e judiciais. A omissão do Poder Público autoriza o Parquet a promover a competente ação em juízo. É o que se chama de fiscalização da lei ou atuação “custos legis” do Ministério Público.

O órgão ministerial também detém grande prerrogativa autônoma, que é a possibilidade de firmar Termo de Ajustamento de Conduta. Em conceito muito bem explicitado pelo Ministério Público Federal – Procuradoria Regional da Bahia:

Os termos de ajustamento de Conduta ou TACs, são documentos assinados por partes que se comprometem, perante os procuradores da República, a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a resolver o problema que estão causando ou a compensar danos e prejuízos já causados.

É um método extrajudicial de solução de conflitos, sendo que, uma vez aventado, espera-se que sejam cumpridas as exigências pautadas sem que haja necessidade de ajuizamento de ação judicial. Neste sentido, são as palavras de Luciana Aboim Machado (2004, p. 19):

Nesse diapasão, podemos conceituar o termo de ajuste de conduta como um instituto jurídico que soluciona conflitos metaindividuais, firmado por algum ou alguns dos órgãos públicos legitimados para ajuizar ação civil pública e pelo investigado (empregador), no qual se estatui, de forma voluntária, o modo, lugar e prazo em que o inquirido deve adequar sua conduta aos preceitos normativos, mediante cominação, sem que para tanto, a priori, necessite de provocação do Poder Judiciário, com vistas à natureza jurídica de título executivo extrajudicial.

Também muito bem expostas as palavras de Leonardo Barreto Moreira Alves e Márcio Soares Berclaz (2013, p. 48):

O termo de Ajustamento de Conduta (TAC) nada mais é do que uma transação ou acordo formalizado buscando estabelecer determinada conduta ou comportamento, sob pena de sanção, acerto de vontades que, uma vez firmado, constitui título executivo passível de realizado pelas modalidades executórias disponíveis.

É um meio de atuação peculiar utilizado pelo Ministério Público, exaltando sua autonomia institucional, vez que não é necessária homologação em juízo para que haja validade no acordo.

Há, contudo, demais possibilidade fiscalizatórias e judiciais com o intuito de proteção à garantia difusa da saúde pública.

3.2 A Tutela Jurídica da Saúde Pública

A Constituição Federal determina que os serviços de saúde devem ser garantidos pelo Estado, mediante políticas públicas e financeiras, que não só visem a redução dos riscos de doenças, mas que promova o acesso universal a todos os indivíduos.

Isto significa que o descumprimento das determinações constitucionais e legais, principalmente mediante atos fraudulentos, ilícitos e criminosos, autoriza o Parquet a promover a pertinente medida investigativa e judicial, conforme peculiaridades do caso.

O orçamento da saúde deve ser aplicado com o efetivo respeito aos limites do ordenamento, caso contrário, o Ministério Público instaurará inquérito civil para apuração dos desvios e inobservâncias financeiras, podendo, posteriormente, ingressar com Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa, se houver indícios de que a verba pública foi dilapidada. Esta é uma das hipóteses que ocorre com frequência.

O Parquet pode atuar em juízo de diversas formas e amparado por várias legislações. A própria Lei nº 8.429/92 é a principal delas, pois abarca possibilidades mais amplas de enquadramento de condutas ilícitas. Como já dito, é o verdadeiro instrumento de combate à ilegalidade administrativa, de modo genérico.

Também a Lei nº 1.079/50, que regula os crimes de responsabilidade, de natureza político-administrativa. Pouco utilizada, vez que não tem poder de punição tão rigoroso. Podem ser sujeitos ativos destes crimes o Presidente da República, Vice-Presidente, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador Geral da República, Governadores, Secretários de Estado e Comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica.

Contudo, há discussão acerca da aplicabilidade da Lei 8.429/92 em relação aos atos de improbidade administrativa cometidos por estes agentes políticos. Em suma, três posicionamentos abarcam a polêmica (SIMÃO, 2012, p. 20).

O primeiro entende pela inaplicabilidade, tendo em vista que os mencionados agentes políticos exercem funções peculiares e devem ser responsabilizados por procedimento especial, não estando sujeitos à Lei 8.429/92. A segunda corrente defende a aplicabilidade restrita, sendo que os agentes políticos apenas não se submetem às sanções que impliquem na perda da função pública e na suspensão dos direitos políticos, vez que há regramento específico para tanto, previsto na Constituição Federal. Por fim, o terceiro posicionamento, o qual prevalece no Superior Tribunal de Justiça, adota a aplicabilidade ilimitada da Lei 8.429/92 a todos os agentes políticos, não diferenciando-os de qualquer outro agente público. O argumento é a independência das matérias, vez que os crimes de responsabilidade têm caráter político-administrativo, e a improbidade administrativa possui natureza cível.

O Decreto Lei nº 201/67 disciplina a responsabilidade de Prefeitos. O diploma regulamenta condutas conhecidas como infrações político-administrativas, cujo julgamento compete à Câmara de Vereadores e a sanção é a perda do mandato. Também dispõe sobre os crimes de responsabilidade propriamente ditos, dos quais incidem penas de prisão e compete ao Poder Judiciário a sua apuração.

A relevância do tema acerca da responsabilidade dos agentes é tão grande, que encontra-se em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei do Senado nº 174/2011, de autoria do Senador Humberto Costa, ex-Ministro da Saúde, que altera a Lei nº 8.080/90 e institui normas que regulam a responsabilidade sanitária dos gestores de saúde no âmbito do SUS.

3.2.1 O Projeto de Lei do Senado nº 174/2011 – Lei de Responsabilidade Sanitária

O projeto tem sido discutido amplamente em audiências públicas e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal no dia 29 de maio de 2013. Sua principal finalidade é intensificar a fiscalização do administrador e, mormente, a punição em face dos maus gestores de saúde.

Cria-se o artigo 38-A na Lei Orgânica da Saúde Pública, cuja exegese dispõe sobre cooperação intergovernamental e interinstitucional necessária para assegurar a integralidade e a qualidade da atenção à saúde da população, responsabilizando-se solidariamente pela resposta às necessidades decorrentes do quadro epidemiológico, demográfico e sociocultural das populações de seus respectivos territórios e pela oferta suficiente de ações e serviços de saúde.

A propositura disciplina sanções de advertência e multa para o caso de infrações administrativas, crimes de responsabilidade sanitária, cujas penas encontram-se previstas na Lei 1.079/50 e Decreto-Lei nº 201/67 e, também, o Termo de Ajustamento de Conduta Sanitária, de competência de todas as esferas federativas.

Conforme justificativa apresentada no referido PL, a única maneira administrativa de intimidar o mau gestor seria interromper o repasse de recursos da União aos Estados e Municípios que descumprem as normas, até que a efetiva realização do serviço seja prestada. No entanto, não há qualquer procedimento sancionatório específico destinado ao administrador.

Também foi apontado no PL a criação de um pacto federativo e comissões intergestores, com alçada de apoio mútuo e consolidar compromissos governamentais que fortaleçam as políticas públicas de saúde e a correta destinação e aplicação dos recursos financeiros.

Trata-se de mais um mecanismo de embasamento do Ministério Público no âmbito de sua atuação institucional fiscalizatória.

3.3 Fiscalização dos Recursos e Procedimentos Investigatórios

As demandas públicas são submetidas a uma prerrogativa universal chamada controle da Administração Pública, garantia peculiar de apreciação e fiscalização das políticas de gestão efetivadas por diversas maneiras.

Consoante conceito de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2012, p. 812), controle administrativo é:

O conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a própria administração pública, os Poderes Judiciários e Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder de fiscalização, orientação e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas de Poder.

José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 730) acrescenta que controle administrativo é “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de poder”.

Esta concepção é amplamente aplicada no horizonte da saúde pública, sendo que o exercício funcional do Ministério Público, na grande maioria das vezes, é precedido de procedimentos investigatórios e fiscalizatórios efetuados por outros órgãos, exercendo, portanto, o controle da Administração.

Importante frisar a máxima de que os mecanismos colocados à disposição, juntamente com as determinações do ordenamento jurídico sanitário específico e demais leis que compõe a tutela administrativa são instrumentos extremamente aptos a oferecem a proteção da saúde pública, em quantidade e qualidade mais do que suficiente. A saúde pública é a área social mais normatizada dentre todas as outras, pois abrange desde uma simples consulta médica até as normas relacionadas à saúde do trabalhador.

Não há a necessidade de se criar outros procedimentos e legislações, visto que a norma principal do Sistema Único de Saúde é o melhor recurso para embasar qualquer procedimento investigatório instaurado para apurar irregularidades sanitárias. Contudo, trata-se de uma ferramenta muito específica e, ao mesmo tempo, muito vasta, no sentido de que é possível utilizá-la para tutelar todo e qualquer problema da saúde pública.

Desta feita, a proteção sanitária se efetiva, de melhor modo, quando realizada de maneira coletiva, ou seja, dispensando uma visão mais abrangente do problema e promovendo a fiscalização e a repressão dos ilícitos no ponto onde eles se iniciam, para que a adequada prestação do serviço público não seja prejudicada ao final.

3.3.1 A atuação do Tribunal de Contas

Os Tribunais de Contas são órgãos interligados ao Poder Legislativo, que auxiliam no chamado controle financeiro externo, visando “aferir a probidade da atuação da administração pública e a regularidade na utilização de recursos públicos” (ALEXANDRINO et al, 2012, p. 859).

Não há hierarquia alguma entre as chamadas Cortes de Contas e o Poder Legislativo, sendo apenas uma atuação concomitante de um órgão que possui servidores com conhecimento técnico próprio para apurar a requisição, aplicação e utilização do orçamento público.

Há o Tribunal de Contas da União, com competências estabelecidas pelo artigo 71 da Constituição Federal, bem como os Tribunais de Contas dos Estados, atuante no âmbito regional. Importante acrescentar que, após a promulgação da nova ordem constitucional, não mais foi possível a criação de tribunais de contas municipais, mantendo-se, portanto, os que já existiam.

O artigo 71 da Carta Constitucional, sumariamente, dispõe que as atribuições do Tribunal de Contas da União são a fiscalização financeira, o controle preliminar em forma de consulta ao órgão público, informações sobre os resultados das análises, reclamações e denúncias por meio da Ouvidoria e o julgamento e a consequente aplicação de medidas corretivas, sendo que sua decisão tem eficácia de título executivo judicial.

Pertinente frisar a competência do Tribunal de Contas para proceder à tomada de contas especial. Conforme Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, este é um “procedimento destinado a apurar fato específico em que haja suspeita de lesão ao erário” (2012, p. 868).

A concepção da existência de um órgão cuja competência é fiscalizar o orçamento público é sempre a atuação sob o contexto da legalidade. É necessário apurar a legitimidade das contas e a fidelidade funcional do servidor responsável pela gestão orçamentária da Administração Pública.

No campo da saúde pública a atividade das Cortes de Contas é habitualmente adstrita à fiscalização de repasses financeiros entre os órgãos, licitações, terceirizações, aplicação de recursos nos financiamentos da saúde, entre outros.

A título de exemplo, tem-se a decisão exarada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, no processo TC 1125/014/12, que julgou irregulares os repasses efetuados pela Prefeitura Municipal de Piquete ao Grupo de Assistência à Saúde e Educação – GASE, constatando o dano ao erário público e imputando a pena de devolução do valor correspondente.

Ante o exposto, diante das importantes falhas verificadas, a denotar ocorrência de dano ao erário, voto, com fundamento na alínea „c?, do inciso III, c.c. o § 2º, ambos do artigo 33 da Lei Complementar nº 709/93, pela irregularidade da comprovação da aplicação dos recursos, cominando ao Grupo de Assistência à Saúde e Educação (GASE), e solidariamente seu dirigente (Marco Antonio Souza Santos) e o ex-Chefe do Executivo (Otacílio Rodrigues da Silva) a pena de devolução do valor correspondente, com os devidos acréscimos legais, ficando a entidade também proibida de novos recebimentos até regularizada a situação perante esta Corte, nos termos do artigo 103 da referida Lei Complementar nº 709/93.

A decisão do Tribunal de Contas é autônoma, podendo haver recomendações e sanções, inclusive imputação de débitos e multa, servindo como título executivo judicial. A fundamentação da Corte é um grande instrumento de atuação do Parquet, que, por meio desta, promove a competente ação civil pública ou ação civil por improbidade administrativa, pleiteando medidas judicias mais rígidas aos maus gestores do dinheiro público.

3.3.2 Auditorias

As auditorias comportam um procedimento investigatório e pericial extremamente peculiar e específico, cujo objetivo é aprimorar o controle na execução dos serviços públicos, avaliar as estruturas para que os resultados alcancem a máxima efetividade, eficiência e eficácia e o acompanhamento dos órgãos e pessoas físicas, mediante exame analítico e pericial. São, por sinal, estas as determinações do Decreto-Lei nº 1.651/95.

O Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS, principal órgão componente do Sistema Nacional de Auditoria, descreve este procedimento como o instrumento de gestão que visa proteger e fortalecer o SUS, contribuindo efetivamente para a alocação e aplicação adequada dos recursos e para a qualidade da atenção oferecida aos cidadãos (2008, p. 06).

No âmbito sanitário existem dois tipos de auditorias, as operacionais e as analíticas. Na primeira as atividades são voltadas para o controle das condições da rede física, mecanismos de regulação e desenvolvimento das ações de saúde. No segundo modelo o principal objetivo é o aprofundamento das análises sobre aspectos específicos do sistema de saúde, com foco na avaliação quantitativa (1998, p. 04).

O procedimento é realizado sempre de forma hierárquica, ou seja, a União poderá auditar os Estados e Municípios, enquanto os Estados farão o mesmo com os entes municipais.

As informações colhidas no relatório das auditorias, muitas vezes, são utilizadas em processos judicias instaurados para apurar a prática de atos de improbidade administrativa, ilícitos civis, políticos e até mesmo criminais.

Constata-se, portanto, ser mais um instrumento extremamente importante que pode ser utilizado pelo Ministério Público durante sua atuação investigatória, pois o próprio Parquet tem legitimidade para requisitar aos entes públicos a instauração de auditorias quando se fizer necessário.

Como exemplo de um caso real, o Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional da República em Araçatuba/SP, requisitou ao DRS II – Departamento Regional de Saúde, conforme ofício emitido em 29/05/2013, que procedesse à auditoria dos contratos firmados entre a Prefeitura Municipal de Araçatuba e a Associação para Valorização de Pessoas com Deficiências – AVAPE. A terceirizada é conveniada com o ente municipal desde 2009 para a prestação de serviços de saúde, e os valores contratuais chegam a 120 milhões de reais.

3.3.3 Inquérito Civil

Na exímia obra de Leonardo Barreto Moreira Alves e Márcio Soares Berclaz (2013, p. 74), o inquérito civil consiste numa “sucessão e encadeamento de atos formais e documentados destinados a uma determinada finalidade investigatória ou apuratória vinculada à atuação do Ministério Público”.

Tem-se no inquérito civil o precípuo instrumento utilizado pelo Parquet para cumprimento das mais diversas tarefas extrajudiciais, pois é um procedimento que permite catalogar e dimensionar todas as informações coletadas sobre determinado assunto. Aliás, importante frisar que o inquérito civil é equiparado ao inquérito policial no que diz respeito à sua natureza jurídica, ou seja, um procedimento administrativo preparatório que tem por finalidade a busca de informações e dados que serão utilizados em futuros processos judiciais.

O objetivo deste procedimento é a averiguação de determinado caso para futura cobrança de providências e restauração da legalidade, sendo que sua instauração se dá por meio de uma Portaria assinada pelo membro do Ministério Público.

Muito semelhante ao inquérito civil é o chamado Procedimento Preparatório, instrumento que detém a mesma finalidade, porém, menos complexo e formal, utilizado previamente ao IC. O procedimento preparatório é facultativo e deve ser finalizado em noventa dias, podendo ser prorrogado apenas uma vez por igual período (ALVES et al, 2013, p. 75).

Em matéria de saúde pública, ao determinar a instauração de um inquérito civil ou procedimento preparatório, o membro do Ministério Público encaminha ofício ao gestor administrativo responsável pela ocorrência apurada, normalmente o Chefe do Executivo ou o gestor de saúde. Primeiramente, os esclarecimentos requisitados serão documentados e juntados aos autos do inquérito para análise conjunta. Necessário frisar que, caso a Administração Pública não responda o solicitado nos encaminhamentos do Parquet, o gestor poderá cometer crime de responsabilidade.

Constatadas irregularidades no objeto da apuração, o órgão ministerial poderá determinar a tomada de providências por parte da Administração Pública, no sentido de legalizar a situação ou exercerá sua atuação em juízo, ingressando com a demanda judicial pertinente para a proteção da saúde pública e do patrimônio público.

3.4 Ação Civil por Improbidade Administrativa

Esta espécie de ação é vinculada ao perfil constitucional do Ministério Público relacionado à tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, mormente no que tange à proteção à probidade administrativa. Por ser o Parquet um órgão institucional cuja competência é a defesa da sociedade, tem-se que a probidade administrativa merece proteção específica ainda mesmo no âmbito processual.

Assim, a ação civil por improbidade administrativa é a demanda judicial de competência do Ministério Público proposta em face do cometimento de um ato tido como ímprobo administrativamente, possuindo rito específico e não se confundindo processualmente com a ação civil pública, disciplinada pela Lei 7.347/85.

Em estudos teóricos, a demanda em questão pode configurar ramificação da conhecida ação civil pública quando se parte do aspecto material, uma vez que existem variações e adequações da via processual dependendo da matéria a ser discutida.

A probidade administrativa é um direito difuso, isto é, traz a característica da indeterminação dos indivíduos que o possuem. Nas exímias palavras de Leonardo Barreto Moreira Alves e Márcio Soares Berclaz (2013, p. 123):

Por exemplo, quando atua na defesa do patrimônio público e da probidade administrativa, defende o Ministério Público interesse difuso geral e indeterminado de toda a sociedade ver respeitados e cumpridos os princípios constitucionais da Administração Pública voltados à satisfação das necessidades coletivas.

O rito processual da ação civil por ato de improbidade administrativa é diferente dos demais, visto que inclui notificação para apresentação de defesa prévia, consoante artigo 17, §7º, da Lei 8.429/92. O termo utilizado é “notificação”, visto que a defesa prévia tem a finalidade de impedir o recebimento da petição inicial, muito semelhante a alguns ritos processuais penais.

No referido procedimento especial também é possível que a polo ativo realize pedido cautelar de indisponibilidade de bens dos demandados e afastamento cautelar do cargo, no caso dos sujeitos passivos estarem investidos em função pública. É necessário que haja motivação plausível para cada um dos pedidos.

Em matéria de saúde pública, a ação civil por improbidade deve sempre estar embasada nos artigos 196 a 198 da Constituição Federal, bem como nas Leis nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde Pública) e 8.142/90 (controle social e conferências de saúde).

Por óbvio, sendo a saúde pública um direito difuso de relevante valor social, o Parquet exerce função extremamente importante ao tutelá-lo, tanto no âmbito extrajudicial como em juízo, pois é uma atividade estatal básica e que deve ser mantida de modo regular e nos ditames da lei.

As irregularidades no campo sanitário e nos serviços de saúde prestados são inimagináveis, no entanto, independente da matéria, na petição inicial da ação de improbidade devem estar presentes as diretrizes e princípios norteadores do Sistema Único de Saúde, tais como integralidade, equidade, gratuidade, participação da comunidade, entre outros. Eles são o embasamento axiológico da demanda e, juntamente com o texto específico da lei, servirão para demonstrar a ilegalidade e o prejuízo objetos da demanda.

Na petição inicial é de suma importância que a saúde seja contextualizada como um direito fundamental, universal e integrante das políticas de Estado, não de governo. A tendência governamental que está na situação é irrelevante para a existência e fortalecimento das políticas de saúde pública, o que deve ser demonstrado veementemente.

Importante ser demonstrado, também, que o orçamento da saúde deve ser aplicado integralmente, sem ser poupado, ante a importância dos serviços e o bem jurídico em relevância, ou seja, a vida e o bem estar físico, mental e social do usuário.

Quanto à matéria específica a ser tutelada pelo Ministério Público, acrescenta Leonardo Barreto Moreira Alves e Márcio Soares Berclaz (2013, p. 142):

No que diz respeito à legitimidade, importante ter em conta que a atuação do Ministério Público pode abranger quaisquer das áreas e termas relacionados, desde os direitos individuais indisponíveis (exemplo: acesso a medicamento de alto custo, acesso a leito ou direito à cirurgia, etc.) até mesmo a tutela transindividual de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos […].

É comum, também, que a ação civil pública por improbidade no contexto sanitário verse sobre desvios de recursos públicos, influenciando diretamente no financiamento da saúde pública; superfaturamento na aquisição de produtos, medicamentos, equipamentos, entre outros; nulidade de procedimento licitatório; terceirizações ilícitas, entre outros casos.

Para ilustrar, no dia 18 de julho de 2013 o Portal G1 noticiou a condenação do ex-Secretário de Saúde do Distrito Federal, Arnaldo Bernardino Alves e o médico Alberto Jorge Madeiro Leite, por improbidade administrativa. De acordo com a notícia, “o ex-titular da pasta foi acusado de empregar Leite na secretaria sem que ele precisasse cumprir expediente, além de auxiliá-lo a fraudar a folha de ponto”.

De outro modo, o Ministério Público de Goiás ajuizou ação civil por improbidade administrativa em face do Secretário de Estadual de Saúde e quatro organizações sociais que firmaram contrato de gestão com o Estado de Goiás. As principais irregularidades são a “terceirização ilícita de mão de obra; descumprimento, pelo secretário, de determinação do Conselho Estadual de Investimentos, Parcerias e Desestatização (Cipad) para realização de estudo e planejamento prévios à contratação de OSs no que se refere à retirada dos servidores públicos das unidades de saúde”, entre outras. A notícia foi veiculada no portal oficial do Ministério Público do Estado de Goiás.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente trabalho tem a finalidade de expor as grandes irregularidades perpassadas no âmbito da saúde pública, mormente que afetam o orçamento público, o financiamento e, consequentemente, a prestação dos serviços de saúde e o bem-estar físico e moral do usuário.

Para isto, resta demonstrada toda a composição do Sistema Único de Saúde e a aplicação de suas finanças, os atos de improbidade administrativa praticados na área sanitária e os modelos de atuação de diversos órgãos fiscalizadores, com ênfase na atividade efetivada pelo Ministério Público, na tutela da saúde pública.

Primeiramente, é necessário frisar que tutela sanitária deve ser intensa, uma vez que lida com a vida do usuário e bem-estar físico e moral do usuário do serviço, interesse público primário, consideravelmente maior que o próprio orçamento público, interesse público secundário. Contudo, ambos estão inteiramente ligados, pois o malbaratamento do erário público, mormente as finanças sanitárias, fracassam as políticas estatais de saúde e influenciam para a má prestação do serviço público.

Assim como o Sistema Único de Saúde é tido e conhecido como o maior programa social de saúde pública do mundo, a sua tutela também é amparada por diversos mecanismos de defesa que possibilitam a prevenção do ato ilícito e a consequente aplicação correta da finança pública, bem como a pertinente sanção, nos moldes das mais completas legislações administrativas e penais.

O principal destaque é a vasta possibilidade de defesa do patrimônio público e, consequentemente, dos serviços prestados ao usuário, o que se permite visualizar a saúde pública como remediável. Isto também é o resultado da promulgação da Constituição Federal de 1988, denominada “Constituição cidadã”, que definiu o direito à saúde como direito social, incluído no rol dos direitos fundamentais, sendo dever do Estado garanti-la integralmente e gratuitamente.

Ressalta-se, novamente, que a dimensão dos remédios e demais instrumentos de tutela sanitária está intimamente ligada à importância social do direito à saúde. Em que pese a Carta Magna admitir a parceria com entes privados, a imensa maioria dos usuários utilizam o Sistema Único de Saúde, sendo dever máximo do Estado garantir a prevenção dos males e o bem-estar do indivíduo durante todo o tratamento.

Desta mesma forma, a importância social da saúde pública restou na regulamentação do financiamento de seus serviços, efetivado com a Emenda Constitucional nº 29/2000 e, posteriormente, pela Lei Complementar nº 141/2012. Este foi o marco da evolução do orçamento público sanitário, devendo ser destacado com veemência, pois implicou na obrigatoriedade dos gestores públicos em se preocuparem definitivamente com a discutida área social.

Em que pese a existência de diversos instrumentos fiscalizatórios e sancionatórios cuja finalidade é exatamente a tutela estatal da saúde pública, as irregularidades e ilicitudes sempre irão existir e devem, mais do que nunca, serem investigadas e punidas, juntamente com seus autores e beneficiários dos atos.

O modo de atuação do ente fiscalizador reflete na resolubilidade do problema, pois, antes demais nada, deve-se buscar sempre um conhecimento técnico amplo e direcionar a atividade para um fim específico.

Tratando-se a saúde pública de um direito difuso, como já mencionado anteriormente, sua defesa deve visar sempre à busca de um resultado transindividual, que proporcione a resolução do problema para todos os usuários necessitados. Para isto, o fiscalizador deve buscar ao máximo o conhecimento da legislação específica do Sistema Único de Saúde e suas diretrizes, de forma que se faça uma comparação entre o obstáculo perpassado especificamente por um usuário e a real situação da adversidade, coletivamente.

Em outras palavras, a dificuldade sofrida pelo cidadão que busca atendimento é consequência da má condução da coisa pública, de modo que a preocupação e atuação do ente fiscalizador devem ser diretamente no ponto inicial da atividade administrativa, visando solucionar o percalço como um todo.

Ao concluir-se, portanto, que o grande embaraço da saúde pública tem início na própria gestão político-administrativa, onde os atos de improbidade praticados pelos agentes resultam nas graves perturbações da área sanitária, tem-se o principal foco do ente fiscalizador, ou seja, buscar a punição do mau administrador, o que se refletirá na gestão sanitária e na prestação dos serviços de saúde.

Assim, isto fará com que a resolução dos casos e a defesa das instituições e, fundamentalmente, dos usuários do sistema, possam chegar a termo de forma mais ágil, mais justa e mais equânime.

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[1] REsp 124.236-MA, DJ, 4 de maio de 1998, p. 84 – O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade extraordinária do Ministério Público para o ajuizamento de ações civis públicas visando a defesa da saúde pública.

[2] TJSP – Apelação Cível nº 63.612-5 – Rel. Willian Marinho – v.u., j. em 6-5-1999.

[3] Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ministério da Saúde, Fundação Cultural Palmares, Secretaria de Estado da Saúde/SP.

[4] CP, art. 273 (crime hediondo) – Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. § 1º – Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. § 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; VI – adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

[5] Barbara Starfield (Brooklyn, Nova Iorque, 18 de Dezembro de 1932 – Menlo Park, Califórnia, 10 de Junho de 2011) foi pediatra e Mestre em Saúde Pública. Impulsionadora dos Cuidados de Saúde Primários a nível internacional. Dedicou praticamente toda a sua vida acadêmica e profissional à Universidade Johns Hopkins.

[6]Doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz.

[7]Médico sanitarista.

[8] Margaret Whitehead é Chefe do Centro para Políticas e Pesquisas sobre Determinantes Sociais da Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS). Tem trabalho extensivo sobre as desigualdades sociais na saúde e nos cuidados da saúde, em particular, sobre o que pode ser feito para reduzi-las (Universidade de Liverpool).

[9]Doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp; é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde coordena o Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFF.

Como citar e referenciar este artigo:
GROSSI, Anna Paula. A atuação do Ministério Público na fiscalização dos recursos da saúde pública. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/a-atuacao-do-ministerio-publico-na-fiscalizacao-dos-recursos-da-saude-publica/ Acesso em: 29 mar. 2024