Direito Administrativo

“Passei no concurso! E agora?”. Hipóteses de direito subjetivo à nomeação conforme o STF

(Wantuil Luiz Cândido Holz) 

Objetivo perseguido por muitos brasileiros é a aprovação em concurso público para acesso a um cargo público. Uma “maratona” que inicia muito antes da publicação do edital de certame, quando o candidato escolhe abdicar de muitas horas de convívio social, lazer, trabalho, dentre outros, para dedicar-se aos estudos. Entretanto, essa maratona não se encerra com a aprovação, após, surge outra “batalha”: a espera pela nomeação para o cargo. Durante o período que se estende da aprovação até a nomeação o candidato passa por momentos de intensa angústia, numa mistura de expectativa pela realização do tão aguardado momento da nomeação e de incerteza se esse momento, de fato, chegará.

Essa angústia ainda se agrava pela imprecisão jurídica quanto à existência, ou não, de direito subjetivo à nomeação. Ou melhor, se agravava! Eis que o Supremo Tribunal Federal, em 09/12/2015, firmou tese jurídica de repercussão geral em recurso especial definindo as hipóteses de direito subjetivo à nomeação, trata-se do Recurso Extraordinário nº 837.311/PI. Mais adiante retornaremos a esse RE.

No passado, entendia-se que a nomeação de aprovado em concurso público para acesso a cargo público era ato discricionário da Administração Pública, em juízo de oportunidade e conveniência, restando ao candidato uma mera expectativa de direito. Ou seja, o candidato aprovado não podia exigir sua nomeação, lhe cabia apenas aguardar um futuro incerto. O Poder Judiciário, quando era acionado, limitava-se a atestar essa expectativa de direito, isentando-se da interferência na Administração Pública em razão do dogma da Separação dos Poderes. Esse dogma vem lentamente sendo superado pelo STF. Vejamos trecho de julgamento do STF de 1954 (transcrito conforme registrado no acórdão, em conformidade com as regras ortográficas da época):

“Da só prestação do concurso não origina direito adquirido á nomeação, a não ser que esse direito encontre nascente em texto de lei. Fora daí haverá, como observa D’Alessio (Ist., I, n. 318, in fine), ‘diritto affievolito, una especiale forma de interesse, nom mai un diritto subjettivo’.

Si a lei não exprime essa obrigação – isto é, a de nomear em determinado prazo – a pretensão é descabida, por não se configura direito adquirido. E si o praso de validade do concurso se esgotou, a situação dele derivada desaparesse, sem consequencias.

Concluir o contrário, seria entender que pode a Administração ser constrangida a prover cargo dentro de prazo inampliavel, o que chofra com o poder descricionario que, nesse particular, se lhe reconhece e que apenas a lei pode disciplinar e estreitar em certas raias (vêde Fritz Fleiner, Inst., trad. esp., p. 11). Ao Judiciário, apenas e somente corrigir os atos excessivos ou abusivos deste poder, por força deles degenerado em arbítrio ou maculados do vicio da incompetencia (v. lei n. 221, de 20 de nov. de 1894, art. 13, §9, letra b).

Os direitos do pretendente ao emprego publico, para o qual se habilitou regularmente, não derivam, como os do próprio funcionario, do contrato. Sua fonte é a lei, o estatuto.

E si a lei não assina prazo de nomeação e si a validade do concurso é temporaria, subsiste apenas dentro em prazo determinado, exausto este não há que falar em direito á nomeação” (SIC).

(STF, Trecho do Voto do Ministro Orosimbo Nonato. Apelação Cível nº 7.387/PE. DJ de 05/10/1954. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 10/12/2015)

O julgamento acima (1954), que serviu de parâmetro para a edição da Súmula nº 15 do STF (aprovada em 1963), trouxe em sua ementa a interpretação daquela época em que só se reconhecia direito subjetivo à nomeação em duas únicas hipóteses: 1) expressa previsão em lei; 2) preterição ilegal na ordem classificatória, dentro do prazo de validade.

Não é segredo que muitos abusos por parte de administradores públicos ocorrem em se tratando de concursos públicos, com violação a princípios basilares da Administração Pública. O óbice, no entanto, era a crença desmedida na Separação dos Poderes. Essa postura do Poder Judiciário em relação à discricionariedade administrativa, entretanto, mudou significativamente ao longo dos anos, especialmente a partir da Constituição de 1988.

A evolução do pensamento jurídico e da jurisprudência do STF a partir da CF/88 caminham no sentido de superação desse óbice ideológico da absoluta Separação de Poderes, com a construção da teoria dos imperativos constitucionais que limitam a discricionariedade administrativa, e a conformação legislativa, e colocam o Poder Judiciário como guardião da força normativa da Constituição. Hoje, se reconhece a legitimidade constitucional do Poder Judiciário no que tange à limitação do campo de discricionariedade administrativa e de conformação legislativa, diante da dimensão de jurisdição política atribuída ao Poder Judiciário. Sobre o assunto, embora analisando questão de fundo relacionada a outro contexto fático, é histórica a decisão do STF na ADPF 45:

“Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.
No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.”

(Trecho do Acórdão da ADPF 45)

Assim, cada vez mais a discricionariedade administrativa e a liberdade de conformação legislativa passam a ser objeto de verificação de adequação constitucional pelo Poder Judiciário.

Retornando ao tema deste artigo, e seguindo o raciocínio da evolução jurisprudencial pós CF/1988, além daquela já sumulada hipótese de direito subjetivo à nomeação em virtude de preterição da ordem classificatória em concurso público (Súmula 15 do STF), outras hipóteses foram surgindo em decisões judiciais de diferentes tribunais brasileiros, bem como no STJ e no STF, ora reconhecendo ora negando direito subjetivo à nomeação. Dentre as hipóteses em que havia divergência nas instâncias superiores estava a situação de aprovados em cadastro de reserva quando, ainda em seu prazo de validade, surgem novas vagas ou há abertura de novo concurso para o mesmo cargo. Um desses casos chegou ao STF por meio do Recurso Extraordinário nº 837.311/PI. Eis a síntese do julgado do Tribunal de Justiça do Piauí que constituiu objeto do referido recurso:

“O Tribunal de Justiça do Estado do Piauí deferiu a segurança para determinar a nomeação dos impetrantes e litisconsortes no cargo de Defensor Público estadual. Assentou que, embora os aprovados em concurso fora do número de vagas ofertadas em edital tenham mera expectativa de serem admitidos nos quadros estatais, essa se converte em direito subjetivo caso a Administração Pública nomeie candidatos nessa situação e manifeste, dentro do prazo de validade, a intenção de efetuar novas nomeações por necessidade do serviço. Aludiu à Resolução nº 19/2008, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Piauí, por intermédio da qual declarada a existência de cargos vagos na referida carreira e reconhecida a carência de defensores públicos para atuação em certas comarcas. Aduziu que o Poder Público possui uma margem de discricionariedade para decidir acerca do provimento dos postos na respectiva estrutura, tendo essa sido eliminada ante o anúncio de realização de novo processo seletivo e a convocação de aprovados excedentes. Evocou o consignado no Verbete nº 15 da Súmula do Supremo.”

(Informações prestadas pelo Gabinete do Ministro Luiz Fux, no julgamento do RE 837.311/PI)

Por maioria de votos, em sessão plenária de 22/10/2015 o STF negou provimento ao referido recurso extraordinário, mantendo aquela decisão do Tribunal de Justiça do Piauí, tendo o julgamento da fixação da tese jurídica de repercussão geral do RE 837.311/PI sido sobrestado para ulterior assentada. No dia 09/12/2015, finalmente, o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, aprovar tese jurídica em repercussão geral do recurso extraordinário em comento, a fim de uniformizar as hipóteses de reconhecimento de direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado em concurso público. Eis a tese aprovada:

“O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses:

1 – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital;

2 – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação;

3 – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.”

(STF. Tese de repercussão geral no RE 837311, aprovada em 09/12/2015)

As duas primeiras hipóteses reafirmam a jurisprudência pacifica do STF, no sentido de haver direito subjetivo à nomeação quando: 1) o candidato tiver sido aprovado e classificado dentro do número de vagas previstas no edital do respectivo concurso público; 2) apesar de aprovado além do número de vagas do edital, em cadastro de reserva, houver nomeação de candidato com preterição da ordem classificatória (Súmula 15, STF).

A terceira hipótese é a que traz maior impacto, já que pacifica um entendimento até então divergente nas instâncias superiores. Trata-se do reconhecimento de direito subjetivo ao candidato aprovado em cadastro de reserva quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, E ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração. Trata-se da hipótese em que apesar de haver aprovados em cadastro de reserva de certame que ainda se encontra no prazo de validade trazido no respectivo edital, a Administração Pública, em vez de lhes de realizar a nomeação daqueles, opta pela realização de novo certame e nomeação dos novos aprovados.

Por se tratar de tese jurídica de repercussão geral aprovada em decisão de recurso extraordinário, a mesma torna-se paradigma para solução de outras demandas judiciais de idêntica pretensão, garantindo-se, com isso, maior segurança jurídica e menor incerteza quanto ao futuro dos candidatos aprovados em concurso público.

Como citar e referenciar este artigo:
HOLZ, Wantuil Luiz Cândido. “Passei no concurso! E agora?”. Hipóteses de direito subjetivo à nomeação conforme o STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/passei-no-concurso-e-agora-hipoteses-de-direito-subjetivo-a-nomeacao-conforme-o-stf/ Acesso em: 25 abr. 2024