Direito Administrativo

Moralidade Administrativa

Moralidade Administrativa

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

11.10.2000

 

 

      O leitor deve ter visto, na televisão, o caso daqueles Prefeitos que não se reelegeram, e como represália, um deles demitiu quatrocentos servidores municipais, que haviam sido contratados sem concurso. Entrevistado, afirmou: quem os nomeou fui eu, portanto posso demiti-los. Em outro município, o Prefeito decidiu, como vingança, “remanejar os funcionários”, e assim, as professoras foram varrer as ruas, e outras barbaridades.

 

      É aquele tipo de administrador, que utiliza o poder para suas próprias finalidades, para seus próprios interesses, ou apenas para beneficiar os seus amigos, e que somente existe pela quase certeza da impunidade. Para ele, não interessam os princípios constitucionais, nem os legais.  Nomeia sem concurso público, demite quando quer, contrata sem licitação as empreiteiras que bem entende, e determina que seus subordinados favoreçam os amigos e correligionários, ou que sejam rigorosos, muito mais do que o normal, em relação a qualquer um que se atreva a divergir das suas idéias, ou a criticar a sua administração.

 

      Os exemplos de abuso de poder são inúmeros, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, em todos os âmbitos da administração pública, e podem ocorrer em qualquer fiscalização, efetuada por um funcionário subalterno, mas também existem nos chamados altos escalões, quando os atos administrativos são dirigidos apenas de acordo com os interesses de determinados grupos.

 

      Se você é funcionário, e teve a coragem, ou cometeu a loucura, de não concordar com alguma ilegalidade, você pode ser removido para Rio Branco, no Acre, sob a alegação graciosa de que lá estão precisando muito de você, e que não se trata de punição. Você também pode ser aposentado compulsoriamente, para não ficar mais criando problemas, nem denunciando os seus chefes, por mais errados que eles estejam, ou então pode ser sistematicamente preterido, nas promoções legais, sem qualquer justificativa, a não ser o fato de que todos sabem que você não costuma aceitar calado as imposições do grupo dominante.

 

      Se você tem um imóvel, ou um comércio, que está sofrendo alguma fiscalização, e foi multado, com todos os rigores da lei, preste atenção para ver se isso está acontecendo com todos, ou se é apenas uma perseguição, por qualquer motivo.

 

      Os abusos são inúmeros, mas embora possa parecer, o poder da autoridade não é ilimitado, porque ela é obrigada a respeitar o ordenamento jurídico. Sendo o objetivo primordial da administração pública a realização do bem comum, o abuso do poder deve ser punido, quer quando se apresenta sob a forma do excesso de poder, na hipótese em que o ato não é permitido pela lei, quer sob a forma do desvio de finalidade, quando a lei permite o ato, mas ele é praticado de acordo com motivos ou finalidades diversas das previstas na lei.

 

 

 

       A Constituição Federal estabelece (art. 37) que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A legalidade significa que somente a lei pode nos obrigar a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. Pagar um tributo, por exemplo. Mas se a lei for inconstitucional, é claro que ninguém será obrigado, porque essa lei não existe. Prevalecerá a Constituição, que é a Lei Fundamental. Portanto, para nós, o que não é proibido, é permitido, mas para o administrador, o princípio da legalidade significa que ele somente poderá fazer o que a lei determina.

 

Já o princípio da moralidade é mais amplo do que o da simples legalidade, porque envolve a análise da ação administrativa, pertinente ao seu interesse público. Se o ato administrativo visa apenas aos interesses do governante, ou de um determinado grupo, conforme os exemplos já referidos, evidentemente não será válido, e poderá ser derrubado através de uma ação judicial.

 

O princípio da impessoalidade significa que o ato administrativo não deve ser destinado, apenas, a prejudicar, ou a beneficiar uma determinada pessoa.

 

 

O princípio da publicidade significa a proibição do segredo, porque afinal de contas, se os administradores são obrigados a respeitar o interesse público, nós temos o direito de fiscalizá-los.

 

Finalmente, o princípio da eficiência, introduzido pela EC 19/98, significa que o contribuinte, que paga a conta da administração pública, tem o direito de que essa administração seja eficiente, ou seja, tem o direito de exigir um retorno (segurança, serviços públicos, etc) equivalente ao que pagou, sob a forma de tributos.

 

      Assim, é preciso não esquecer que os servidores públicos, todos eles, do gari ao Presidente do Tribunal, estão sendo pagos com o nosso dinheiro, e que assim podemos exigir que sejam obedecidos os princípios constitucionais e que os atos administrativos visem apenas o bem comum.

 

 A própria Constituição Federal estabelece (§3o do art. 37) que

 

“a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I- as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II- o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo…; III- a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.”

 

 

 

* Professor de Direito Constitucional

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Moralidade Administrativa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/moralidade-administrativa/ Acesso em: 19 abr. 2024