Direito Administrativo

Depósito Prévio

Depósito Prévio

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Como intérprete máximo da Constituição Federal, por definição da lei suprema, que o tornou guardião da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o depósito prévio para que o contribuinte pudesse recorrer aos Conselhos de Contribuintes, no processo administrativo, nos termos do previsto no artigo 33, § 2º da Lei n. 10.522/2002 e regulamentado pelo Decreto nº. 70.235/72, , maculava o princípio da ampla defesa administrativa, estatuído no inciso LV, do art. 5º, do Texto Maior de nosso ordenamento jurídico.

 

Alterando jurisprudência anterior, que, negara liminar em ação direta de inconstitucionalidade tendo por objeto esse dispositivo legal, não atalhando de imediato a brutal redução do direito de defesa dos pagadores de tributos, de ter acesso aos Conselhos de Contribuintes – estes também amputados em seu direito de decidir, por não poderem enfrentar questões constitucionais e estarem adstritos às orientações da Administração superior-, houve por bem, o Pretório Excelso, por nove votos a um, afastar a mácula à lei suprema representada pelos 30% de depósito prévio, exigidos pela Receita Federal, à luz dos inconstitucionais diplomas.

 

O Informativo n. 461 do STF no item “Recurso Administrativo e Depósito Prévio – 2”, expõe a essência do princípio constitucional:

 

    “Recurso Administrativo e Depósito Prévio – 2

    É inconstitucional a exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade de recurso na esfera administrativa. Nesse sentido, o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, e declarou a inconstitucionalidade do art. 33, § 2°, do Decreto 70.235/72, na redação do art. 32 da Medida Provisória 1.699-41/98, convertida na Lei n. 10.522/2002 — v. Informativo 423. Entendeu-se que a exigência do depósito ofende o art. 5°, LV, da CF — que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes —, bem como o art. 5°, XXXIV, , da CF, que garante o direito de petição, gênero no qual o pleito administrativo está inserido, independentemente do pagamento de taxas. Vencido o Min. Sepúlveda Pertence que, reportando-se ao voto que proferira no julgamento da ADI 1922 MC/DF (DJU de 24/11/2000), negava provimento ao recurso, ao fundamento de que exigência de depósito prévio não transgride a Constituição Federal, porque esta não prevê o duplo grau de jurisdição administriva. RE 388359/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 28.3.2007” (março/2007, p. 1) (grifos meus).

 

Tal decisão, a meu ver, reabilita todos os recursos propostos sem depósito e ainda não julgados ou repelidos pelos Conselhos de Contribuintes, visto que o contribuinte, aqui assegurado pela Suprema Corte, mesmo diante dos indeferimentos, continuou a discutir, mediante interposição de medidas cautelares judiciais, mandados de segurança e protestos administrativos, não abrindo mão de seu direito de defesa.

 

Qualquer modulação pretendida pelo Fisco nos efeitos da decisão, não acatando a orientação do Pretório Excelso quanto a esses recursos, não deverá ter qualquer repercussão junto a Suprema Corte, risco de ferir o principal fundamento da justiça, que Rawls alicerça na equidade. Com efeito, se desse apenas efeitos prospectivos à decisão, isto é, se tivesse apenas efeitos “ex nunc”, tornaria situações de legítimo e constitucional inconformismo rigorosamente iguais, injustamente desiguais, ou seja, para os recursos anterior e posterior à manifestação da Suprema Corte.

 

Diferente me parece a situação dos que não recorreram, dos que não se opuseram à inconstitucional exigência da lei n. 10.522/02, estando a pagar ou a discutir judicialmente seus supostos débitos. Perderam o direito de exaurir a via administrativa por se curvarem à arbitrariedade, desistindo de fazer valer seus direitos de cidadão.

 

Não procede o argumento de que tais pessoas abandonaram a fase administrativa, em face do comportamento da Suprema Corte. É que, a falta de efeito vinculante daquela decisão que negou a liminar, muitos magistrados continuaram a proferir sentenças em exegese diferente do Pretório Excelso.

 

A distinção, que faço, portanto, até em face da segurança jurídica, é de que EM todos os casos em que O CONTRIBUINTE EXERCEU O DIREITO DE RECORRER ADMINISTRATIVAMENTE, E SEU RECURSO NÃO FOI APRECIADO OU FOI INDEFERIDO POR FALTA DE DEPÓSITO, todos estes casos comportam aplicação imediata da decisão do Supremo, fazendo jus ao exaurimento da instância administrativa, com a tramitação e apreciação de seu recurso.

 

Apenas nas questões, em que já houve recurso trânsito em julgado, com pagamento do tributo ou da penalidade pelo contribuinte, é que não cabe anulação do processo administrativo ou judicial, se –e só nestas hipóteses- já tiver sido ultrapassado o prazo para eventual ajuizamento de ação rescisória.

 

Em resumo, todos os processos administrativos em que os recursos foram indeferidos por falta de depósito, mediante pedido do contribuinte, devem ser anulados para prosseguimento até apreciação pelo Conselho de Contribuintes. Para aqueles cujos débitos já estejam ajuizados ou estejam sendo objeto de ações propostas pelos contribuintes, creio que possa ser pedido subrestamento, até que haja a apreciação do recurso na esfera administrativa. Excetuam-se os casos já estejam julgados definitivamente na esfera judicial, dos quais não caiba ação rescisória. Todos os contribuintes que não recorreram administrativamente, não poderão pedir anulação do processo a partir do prazo recursal não utilizado.

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Depósito Prévio. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2007. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/deposito-previo/ Acesso em: 19 abr. 2024