Direito Administrativo

Poder de Polícia

I – Introdução

 

Com o alvorecer da democracia no país, o exercício do estado democrático de direito e as relações estado e cidadão devem se revestir de transparência. No entanto questões tais como o exercício da liberdade individual em face aos interesses coletivos e o próprio exercício da atividade estatal necessitam de um freio regulatório.

 

Podemos dizer que este marco regulatório pode se encontrar no poder de polícia. Nosso ordenamento jurídico proporciona aos entes administrados uma série de direitos relacionados com o uso, gozo e disposição da propriedade e com o exercício da liberdade. Sabe-se também que o exercício desses direitos, não obstante, não é ilimitado. Contrário senso deve guardar equilíbrio entre o interesse do Poder Público versus o bem-estar social, não lhe sendo permitido obstaculizar os objetivos do Estado ou da sociedade.

 

Vejamos: polícia tem sua etimologia tanto no latim politia, politae com o significado de organização política, governo, sistema governativo, como no grego politeía, qualidade e direitos de cidadão, vida de cidadão; o conjunto de cidadãos; vida e administração de homem de Estado; em sentido coletivo medidas de governo; forma de governo, regime político; governo dos cidadãos por eles próprios; constituição democrática. (Dicionário Eletrônico Houaiss).

 

Conforme explica José Cretella Junior, na Idade Média o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politiae e que designava tudo o que era necessário à boa ordem da sociedade civil sob autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa, da competência exclusiva da autoridade eclesiástica.

 

II – Conceitos de Poder de Polícia

 

Antes de adentrarmos no conceito de poder de polícia vale observar que a expressão “poder de polícia” é sobremaneira infeliz. A expressão em si tem uma conotação autoritária, ditatorial das quais o estado democrático de direito mantém distância.

 

Este aspecto é muito bem lembrado por Celso Antonio Bandeira de Mello. Para ele: “engloba, sob um único nome, coisas radicalmente distintas, submetidas a regimes de inconciliável diversidade: leis e atos administrativos; isto é, disposições superiores e providências subalternas. Já isto seria como é, fonte das mais lamentáveis e temíveis confusões, pois leva, algumas vezes, a reconhecer à Administração poderes que seriam inconcebíveis (no Estado de Direito), dando-lhe uma sobranceria que não possui, por ser imprópria de quem nada mais pode fazer senão atuar com base em lei que lhe confira os poderes tais ou quais e a serem exercidos nos termos e forma por ela estabelecidos.”

 

Lembra ainda que a expressão traga a evocação pretérita, a do “Estado de Polícia”, que precedeu o Estado de Direito.

 

É verdade que apesar deste grande inconveniente, a expressão continua em uso e para tanto ela está passível de conceituação. Assim é que temos:

 

Poder de polícia, em sentido amplo, é o complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. (Celso Antonio Bandeira de Mello).

 

Poder de polícia, em sentido estrito, são as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas como as autorizações, licenças e injunções do Poder Executivo destinadas a obter o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. (Celso Antonio Bandeira de Mello).

 

Poder de polícia é o conjunto de intervenção da Administração que tende a impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade. (Jean Rivero, Droit Administratif, 3ª Ed., 1965, p. 368, citado por Celso Antonio Bandeira de Mello).

 

Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividade e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. (Hely Lopes Meirelles).

 

Poder de Polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. (Maria Sylvia Pietro de Zanella).

 

Poder de polícia é a faculdade discricionária do Estado de limitar a liberdade individual, ou coletiva, em prol do interesse público. (José Cretella Junior)

 

Poder de polícia é o poder que dispõe a Administração Pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e o exercício da liberdade aos administrados no interesse público ou social. (Diógenes Gasparini)

 

Constitucionalmente poder de polícia é citado no art. 145, II da Constituição Federal e é no Código Tributário Nacional, artigo 78 que encontramos seu conceito:

 

“Art. 78 – Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

 

E no parágrafo único apresenta sua forma regular de exercício, sem que haja arbitrariedade que possa violar a legalidade.


Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

 

III – Fundamento

 

O poder de polícia administrativa (sentido mais restrito) está fundamentado no princípio da primazia do interesse público sobre o do particular. Em razão desta primazia, a Administração Pública ocupa uma posição de supremacia sobre seus administrados. Esta supremacia acaba sendo exercida em todo o território nacional atingindo a todos os indivíduos, bens e atividades, concretizando-se através das leis em geral.

 

O Estado no afã de proteger o interesse público e social acima do individual utiliza-se desta, que alguns doutrinadores chamam de supremacia geral da Administração Pública em relação aos seus administrados.

 

Via de consequência o uso, gozo e disposição da propriedade e do exercício da liberdade a esta supremacia se submetem.

 

Podemos enquadrar como exemplos do exercício do poder de polícia quando se estabelece regras para a construção civil, especialmente no que diz respeito ao direito de vizinhança. Atualmente a proibição de dirigir embriagado assim como a proibição de fumar em lugares públicos, visa um objetivo maior que é a proteção social daqueles que possam vir a ser prejudicados com estas ações.

 

IV – Competência

 

O exercício do poder de polícia, dado às suas características, é considerado como atividade exclusiva de Estado. Consequentemente é uma atividade não passível de delegação. Portanto é atividade puramente pública, inclusive com decisão fechada no Supremo Tribunal Federal. 

   Na esfera pública, o exercício do poder de polícia seguirá os ditames constitucionais. Isto quer dizer, caberá à entidade competente para legislar sobre aquela matéria, sempre observando a autonomia bem como limites da organização político-administrativa da República Federativa.

 

V – Características

 

Os atributos do poder de polícia são três e a eles corresponde uma atividade negativa, de não fazer. São eles:  

 

Auto-executoriedade:- Constitui-se em atributo típico do poder de polícia, presente, sobretudo, nos atos repressivos de polícia. A administração pública necessita ter a prerrogativa de impor diretamente, sem autorização judicial prévia, medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à repressão de atividades lesivas à coletividade, ou que coloquem em risco a incolumidade pública.

 

Mas aqui também cabem as exceções. Entre elas está a fiscalização de tributos, com a respectiva aplicação das sanções tributárias. No entanto, resistindo o particular ao pagamento, embora decorrente de ato imperativo e decorrente do exercício do poder de polícia, a execução só se efetivará pela via judicial.

 

Coercibilidade:- Traduz-se na possibilidade de as medidas adotadas pela administração pública serem impostas coativamente aos administrados, inclusive pelo emprego de força. Havendo resistência do privado ao ato de poder de polícia, o seu cumprimento poderá ser garantido pela solicitação de força pública.

 

Como ensina Maria Sylvia di Pietro, a coercibilidade é indissociável da auto-executoriedade, porque aquele só é auto-executório por deter a força coercitiva.

 

Discricionariedade:- Utilizando-se do poder discricionário, o Administrador Público, diante de um caso concreto, vai agir com certa margem de liberdade, fazendo a perquirição da conveniência e oportunidade de praticar ou não determinado ato, estabelecer o motivo e escolher dentro dos limites legais, seu conteúdo. A finalidade de todo ato de polícia, assim como a finalidade de todo ato administrativo é requisito sempre vinculado e traduz-se na proteção do interessa coletivo.

 

VI – Limites

 

É a conciliação entre o interesse social e os direitos fundamentais do indivíduo. Como o Estado cuida dos direitos coletivos num ambiente de plenitude de direitos individuais, na medida em que vamos exercê-los, nos deparamos com outras pessoas que também pretendem exercer esses mesmos direitos e o Estado tem que achar o ponto de equilíbrio.

 

A atribuição de polícia está demarcada por dois limites: o primeiro se encontra no pleno desempenho da atribuição, isto é, no amplo interesse de impor limitações ao exercício da liberdade e ao uso, gozo e disposição da propriedade. O segundo reside na observância dos direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento positivo, bem como na conciliação da necessidade de limitar ou restringir o desfrute da liberdade individual e da propriedade particular com os direitos fundamentais, reconhecidos a favor dos administrados, que se encontram nos limites dessa atribuição. Assim, mesmo que a pretexto do exercício do poder de polícia não se pode aniquilar os mencionados direitos. Qualquer abuso é passível de controle judicial.

 

VII – ATUAÇÃO

 

A atuação da Administração Pública quando do exercício de seu poder de polícia pode se dar a partir de atos preventivos, fiscalizadores e repressivos.

 

Atos preventivos seriam os próprios regulamentos administrativos expedidos no intuito de padronizar certos comportamentos ou mesmo através das autorizações ou licenças às quais cabe ao Poder Público conceder.

 

Atos fiscalizadores consistem em inspeções, vistorias e exames realizados pela Administração justamente para ver cumpridos os regulamentos e normas pertinentes.

 

Atos repressivos fecham o ciclo dessa atividade administrativa e consistem na aplicação de sanções pela desobediência das normas de conduta previamente impostas aos administrados através do exercício do poder de polícia.

 

As sanções a serem aplicadas pela Administração Pública devem ser previamente fixadas em lei e podem ser: I – pecuniárias (multas); II – restritivas (interdição de atividade); III – destrutivas (inutilização de gênero alimentício impróprio ao consumo). É possível que o mesmo fato, juridicamente, possa gerar pluralidade de ilícitos e de sanções administrativas. Entretanto, as sanções devem ser escalonadas de modo a causar o menor sacrifício possível do particular. Ademais, é na aplicação das sanções que deve ser observado o princípio da proporcionalidade ou da adequação dos meios aos fins. Como ensina Hely Lopes Meirelles, “sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida”. O que se busca é que seja observada a legalidade da sanção aplicada pelo administrador e sua proporcionalidade à infração cometida.

 

Por fim, não se deve esquecer que as sanções impostas pela polícia administrativa devem ser aplicadas com observância do devido processo legal de modo a permitir ao administrado o direito à ampla defesa e ao contraditório, ambos constitucionalmente previstos no art. 5.º, inc. LIV e LV da Carta Magna.

 

VIII – Controle do ato de polícia

 

Os atos de polícia administrativa são administrativos e como tal submetem-se aos controles vigentes, administrativo e judicial, aos quais se subsumem os atos e comportamentos da Administração Pública em geral. De sorte que contra eles cabem os recursos administrativos (recurso hierárquico) e judiciais (mandado de segurança. ação civil pública, ação popular) para obstar os gravames que podem causar aos administrados, à própria Administração Pública e à coletividade (interesses difusos).

 

IX – Conclusão

 

 

O Governo tem uma atividade política e discricionária, atuando com responsabilidade constitucional e com uma conduta independente. A Administração  por sua vez exerce uma atividade neutra, subordinada à lei ou regra técnica, atuando com responsabilidade profissional e com conduta hierarquizada. Ex: prefeito ao ser eleito vai ser governante e, portanto, vai exercer atividades políticas e administrativas discricionárias e legais. Poderá fazer os orçamentos através de técnicos, decidindo sempre com responsabilidade constitucional, pois se assim não o fizer, poderá ser cassado. Seus funcionários também são subordinados diretamente às leis ou às regras técnicas, tendo responsabilidade profissional e conduta hierarquizada. Todos têm, mais ou menos, poder de polícia.

 

 Bibliografia

 

ALEXANDRINO, Marcelo, PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 17. ed., São Paulo : Método. 2009.

CRETELLA JÚNIOR, José – Princípios informativos do direito administrativo.

DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26 . ed. – São Paulo : Malheiros,2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. – 22. Ed. – São Paulo : Atlas, 2009.

GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4ª ed., Saraiva, 1995.

* Aluna da 8ª etapa, do Curso de Direito Da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP

Como citar e referenciar este artigo:
PAULA, Regina Maria de. Poder de Polícia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/poder-de-policia/ Acesso em: 28 mar. 2024