Direito Administrativo

Agente Público Artificial

Agente Público Artificial

 

 

Benevides Fernandes Neto*

 

 

RESUMO

 

A pesquisa ora apresentada em forma deste artigo nos reporta ao estudo do exercício do poder de polícia pelos entes estatais, mediante, entre outras formas, a utilização de instrumentos e equipamentos medidores de velocidade, após o advento da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

 

Dentre os poderes administrativos, sem dúvida, o poder de polícia é o que mais efetivamente demonstra a interferência estatal no ajustamento das condutas necessárias à harmonização da vida em sociedade, dotando os agentes públicos, para tanto, de autoridade e poderes para a consecução de seus lídimos interesses, quais sejam, a paz social e o bem-estar da coletividade.

 

Em face da evolução apresentada no ordenamento nacional com o advento do CTB, permitiu-se às autoridades de trânsito inseridas no SNT a prerrogativa de efetuar, dentro das competências dos órgãos executivos e executivos rodoviários de trânsito, a fiscalização de trânsito, por meio de delegação aos agentes da autoridade de trânsito, sejam eles civis ou militares estaduais.

 

Conquanto, pela análise do CTB e resoluções do CONTRAN, elaboramos um estudo sobre os efeitos que o referido ordenamento prescreve quanto à efetividade de realização da atividade estatal e seus desdobramentos, objetivando demonstrar a ilegalidade da utilização de medidores de velocidade nos termos da Resolução nº 146/03 do CONTRAN.

 

 

SUMÁRIO:

 

Poder de Polícia. Poder de Polícia no Código de Trânsito Brasileiro. Competência para fiscalização de polícia no CTB. Competência para autuação e lavratura de auto de infração à legislação de trânsito. Competência normativa do CONTRAN. Instrumentos e equipamentos medidores de velocidade. Considerações finais Bibliografia.

 

 

1.       Poder de Polícia

 

Os ordenamentos jurídicos sofreram e vêm sofrendo constantes e profundas mudanças, ampliando-se o rol de direitos e liberdades fundamentais inerentes aos cidadãos, impondo-se ao Estado estabelecer limites e condicionar a liberdade e a propriedade dos administrados, de forma a compatibilizá-los com o bem-estar social e o interesse público, o qual, na lição de Diógenes Gasparini, “é alcançado pela atribuição de polícia administrativa, ou, como é comumente designado, poder de polícia”.[1]

 

Calcado na definição legal exposta no artigo 78 do Código Tributário Nacional, podemos conceituar a polícia administrativa como a atividade exercida pelo poder público, regida pelos princípios do Direito Administrativo, incidindo sobre bens, direitos e atividades dos administrados.

 

O poder de polícia exterioriza-se através de seus modos de atuar, quais sejam, através da ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia.

 

 

2.       Poder de Polícia no Código de Trânsito Brasileiro

 

Várias formas de exteriorização do poder de polícia são expressamente previstas no CTB em diversos artigos esparsos, principalmente nos art. 12 usque 24, os quais explicitam a competência dos diversos órgão e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT).

 

   Elenca ainda, em seu art. 256, o rol de sanções de polícia (penalidades) a que ficam sujeitos os condutores que cometerem infrações de trânsito.

 

 

3.       Competência para fiscalização de polícia no CTB

 

A competência para exercer a fiscalização de polícia relativo ao trânsito de qualquer natureza, assim considerado como a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupo, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga, é distribuída a diversos órgãos componentes do SNT.

 

Com efeito, compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição (art. 21), executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar penalidades e medidas administrativas cabíveis (inc. VI), assim como os órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e Distrito Federal (incisos V e VI do art. 22) e dos municípios (incisos VI, VII e VII do art. 24).

 

À Polícia Rodoviária Federal é atribuída, dentre outras competências, aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito, bem como as medidas administrativas decorrentes (inc. III do art. 20), o que não se verifica com as Polícias Militares, as quais receberam competência para executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivo de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados.

 

O exercício do poder de polícia de trânsito previsto no CTB poderá ser objeto de delegação, visando ofertar maior eficiência e segurança aos usuários das vias.

 

Esta delegação, porém, deve recair sobre órgãos ou agentes públicos, face a indelegabilidade do poder de polícia a particulares.

 

 

4.   Competência para autuação e lavratura de auto de infração à legislação de trânsito

 

O pleno exercício do poder de polícia de trânsito pressupõe, inicialmente, uma autorização legal explícita atribuindo a um determinado órgão ou entidade pública a faculdade de agir.

 

Neste interregno a competência é sempre condição vinculada dos atos administrativos, decorrentes necessariamente de prévia enunciação legal. A sua existência constitui limite à sua atuação, que somente poderá emanar de autoridade legalmente habilitada.

 

Os órgãos e entidades componentes do SNT, por meio da autoridade de trânsito competente, para a efetiva implementação das atividades previstas no CTB, delegam uma parcela do exercício do poder de polícia de trânsito aos agentes públicos integrantes de seus quadros, ou ainda, mediante convênio com outros órgãos, para exercerem a fiscalização sobre os usuários das vias.

 

Essa delegação deve recair sobre servidor civil, celetista ou estatutário, ou sobre policial militar, incumbindo a estes, em ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar auto de infração, devendo esta ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

 

Distingui-se neste iter, portanto, dois momentos distintos, quais sejam, a autuação, instante no qual o agente da autoridade de trânsito flagra a infração de trânsito, e a lavratura do auto de infração, quando então a autuação é materializada em documento público para ser levada ao conhecimento da autoridade de trânsito para fins de julgamento da consistência do auto e aplicação da penalidade, se for o caso.

 

Sempre que for possível a autuação em flagrante, a assinatura do condutor valerá como notificação do cometimento da infração, desde que a infração seja de responsabilidade do condutor ou se a infração for de responsabilidade do proprietário e este estiver conduzindo o veículo (inc. VI do art. 280 do CTB c.c os incisos I e II do § 5º do art. 2º da Res. nº 149/03 do CONTRAN), não se eximindo o órgão ou entidade de trânsito da expedição de aviso informando ao proprietário do veículo os dados da autuação e do condutor identificado a autoridade de trânsito.

 

Excluídas as hipóteses acima mencionadas a autoridade de trânsito deve expedir, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a Notificação da Autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica (Res. nº 01/98 e Res. nº 146/03).

 

 

5.   Competência normativa do CONTRAN   

 

O art. 12 do CTB estabelece que compete ao CONTRAN, entre outras atribuições, estabelecer as normas regulamentares referidas neste Código e as diretrizes da Política Nacional de Trânsito (inc. I),  zelar pela uniformidade e cumprimento das normas contidas neste Código e nas resoluções complementares (inc. VII) e aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito (inc. XI).

 

No exercício de suas atribuições o CONTRAN edita resoluções e deliberações, estas através de seu colegiado, para levar a efeito a competência a si atribuída. Ocorre que, exorbitando a delegação que lhe concedeu o CTB, este douto órgão vem, reiteradamente, agindo spont propria e alargando conceitos e criando situações novas não previstas naquele codex.

 

De igual forma não se sabe, até o presente momento, qual a hierarquia presente entre as resoluções e as deliberações e nem qual a qualidade normativa de ambas, uma vez que em determinadas oportunidades uma resolução revoga a deliberação e em outras esta última revoga a resolução. É corolário jurídico básico que a revogação, em todas as suas formas, de uma norma por outra, deve observar a igualdade normativa ou a hierarquia entre elas, sendo certo que este não é o caso das normas editadas pelo CONTRAN e, neste artigo, se abordará tão somente o uso de medidores de velocidades.

 

 

6.   Instrumentos e equipamentos medidores de velocidade  

 

A regulamentação para a utilização de instrumentos e equipamentos medidores de velocidade inicia-se, neste estudo, a partir da Resolução nº 820/96, publicada no D.O.U. em 25.10.96, ainda sob a égide do RCNT, a qual apresentava a definição de radar portátil avaliador de velocidade e estabelecia os procedimentos básicos para a sua homologação.

 

Definia-o como o equipamento destinado a avaliar a velocidade instantânea dos veículos, com o objetivo de auxiliar o controle e a fiscalização do trânsito nas vias terrestres, cujo uso dependia de homologação da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via e aferição pelo INMETRO ou entidade por ele credenciada, anualmente ou quando notada alguma irregularidade no seu funcionamento ou, ainda, após sofrer manutenção, sendo que até 31.12.98 deveria, ainda, obedecer aos seguintes requisitos:

 

I – ser portátil;

II – possuir sensores adequados à sua finalidade;

III – ser dotado de indicador da velocidade instantânea do veículo fiscalizado;

IV – resistir às intempéries;

V – permitir sua calibração, antes de entrar em operação;

VI – operar na faixa de temperatura – 10 a + 50º C; e

VII – precisão de indicação da velocidade, menor ou igual a: + ou – 3 Km/h, em qualquer situação de emprego.  

A partir de 01 de janeiro de 1999, deveria disponibilizar e registrar, no mínimo, as seguintes informações: (prazo prorrogado 1/7/2000 pela Resolução 86/99); (prazo prorrogado para 31/12/2000 pela Resolução 117/00); (prazo prorrogado 31/12/2001 pela Resolução 123/01)

I – identificação do veículo;

II – velocidade instantânea;

III – identificação da via;

IV – data e hora do evento; e

V – identificação do radar.

 

Apesar da previsão expressa de que o radar portátil deveria registrar e disponibilizar a partir de 01.01.99, no mínimo, a identificação do veículo, a velocidade instantânea e a identificação da via, entre outros, este dispositivo nunca poderia ser implementado, face a limitações de ordem técnica e estruturais, razão pela qual permitiu-se seu uso de forma irregular até 31.12.01 (Res. 123/01) por meio de sucessivas prorrogações de prazo.

 

A utilização do radar portátil, instrumento medidor de velocidade utilizado pelo agente de trânsito para comprovar a infração de trânsito, obteve permissivo legal para funcionamento até a edição da Deliberação nº 29, de 19.12.01, a qual apresentou nova regulamentação para a utilização de instrumentos e equipamentos medidores de velocidade e revogou expressamente a Resolução nº 820/96.

 

A Resolução nº 08/98, de 23.01.98, estabeleceu sinalização indicativa de fiscalização mecânica, elétrica, eletrônica ou fotográfica dos veículos em circulação, demonstrando, cristalinamente, no § único do art. 2º, a necessidade da presença do agente da autoridade de trânsito para fiscalização de velocidade com radar portátil.

 

Posteriormente, a pretexto de regulamentar o § 2º do art. 280 do CTB, o CONTRAN  editou a Resolução nº 23, de 21.05.98, trazendo, ao lado do radar portátil, outros instrumentos de medição de velocidade de operação autônoma, definidos como aqueles que registram e disponibilizam as informações de forma adequada, dispensando a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito no local da infração, viabilizando a comprovação da infração (grifo meu).

 

Os requisitos básicos necessários para estes equipamentos são:

 

I – estar aprovado e certificado pelo INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualificação ou entidade por ele credenciada, atendendo aos requisitos técnicos estabelecidos pelo CONTRAN e  legislação metrológica em vigor;

II – passar por verificação anual do INMETRO ou entidade por ele credenciada, ou quando for observada alguma irregularidade no seu funcionamento ou após sofrer manutenção;

III – estar dotado de dispositivo que registre, de forma clara e inequívoca, as seguintes informações:

a) identificação do equipamento;

b) data, local e hora da infração;

c) identificação do veículo:

1. placa;

2. marca/modelo.

d) a velocidade regulamentada e a velocidade do veículo.

 

Naquele período, portanto, a autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, no exercício do poder de polícia de trânsito, poderia optar entre dois tipos de fiscalização: utilizando-se do radar portátil, desde que operado por agente de trânsito, ou utilizando-se de instrumentos de medição de velocidade de operação autônoma (quais?), dispensando-se a presença da autoridade de trânsito.

 

Surge, então, os primeiros equívocos editados por aquele colegiado, uma vez que permitiu a existência de instrumentos medidores de velocidade destinados a uma mesma finalidade com requisitos diferenciados entre si (homologação pela autoridade de trânsito X aprovação e certificação pelo INMETRO; calibração no local e precisão de indicação da velocidade, menor ou igual a: + ou – 3 Km/h, em qualquer situação de emprego X obediência à legislação métrica em vigor). 

 

Mais ainda, abusando das atribuições conferidas pelo CTB, o CONTRAN criou regra nova não prevista naquele codex, incidindo em inconstitucionalidade latente ao prever que a utilização destes instrumentos poderia ser feita sem a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito.

 

Surgiu então, prima facie, a figura tema de nosso artigo, ou seja, o agente público artificial, ente despersonalizado a quem a autoridade de trânsito delegava competência para exercer o poder de polícia de trânsito, com a finalidade de exercer a fiscalização de velocidade, registrar a velocidade imprimida pelo veículo e emitir o comprovante da ocorrência da infração, o qual era posteriormente encaminhado à autoridade competente para os fins colimados no art. 281 do CTB.

 

O CTB é claro ao indicar que a lavratura do auto de infração é competência privativa do servidor civil ou do policial militar designado pela autoridade de trânsito, jamais atribuição do instrumento ou equipamento, cuja utilização se presta unicamente a fornecer elementos necessários à comprovação da infração pelo agente da autoridade de trânsito, mediante prévia regulamentação pelo CONTRAN.

 

Ou, nos dizeres de Maurício Petraglia, “o que foi previsto, foi a possibilidade de utilização das máquinas de um modo geral única e exclusivamente para produção de provas, por outro lado, nunca houve permissão para aparelhos eletrônicos lavrarem Autos de Infração, muito menos para aplicarem penalidades aos motoristas, bem como não existe consentimento para referidos equipamentos relatarem a ocorrência das infrações para as autoridades competentes efetivarem posteriormente a lavratura dos autos de infração de trânsito”.[2]

 

  Em data de 19.12.01 o CONTRAN editou a Deliberação nº 29/01, a qual revogou as Res. nº 820/96 e a Res. nº 23/98, dispondo sobre os requisitos técnicos mínimos para fiscalização da velocidade de veículos automotores, elétricos, reboques e semi-reboques, efetuada por instrumento ou equipamento, com ou sem dispositivo registrador de imagem, dos tipos fixo,   estático, móvel e portátil, exigindo-se aprovação do modelo, verificação metrológica inicial e periódica pelo INMETRO e atendimento aos erros máximos admitidos para medição.

 

A dispensa da presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, no local da infração, tornou-se possível apenas quando utilizado o medidor de velocidade fixo, com dispositivo registrador de imagem, sendo a velocidade considerada para efeito de aplicação de penalidade a diferença entre a velocidade medida e o valor correspondente ao seu erro máximo admitido, todas expressas em km/h, tendo o CONTRAN convalidado todas as penalidades impostas por infrações detectadas por instrumentos ou equipamentos, aplicadas até a entrada em vigor desta Deliberação, ou seja, sob a égide da Res. nº 23/98.

 

A referida Deliberação vigorou até a edição da Res. nº 131/02, de 02.04.02, publicada em 09.05.02, a qual prescreveu procedimentos diversos do contido na Deliberação nº 29/01, razão pela qual teve breve período de vigência (apenas 1 dia), sendo revogada expressamente pela Deliberação nº 34/02, publicada em 10.05.02.

 

Se o entendimento esposado pelo intérprete da norma caminhar no sentido de que a edição de normas regulamentares pelo CONTRAN só pode ser feita mediante a edição de resolução, temos que a revogação da Res. nº 131/02 criou vacantia legis relativa a matéria durante o período de 10.05.02 a 15.10.02, por falta de previsão legal para a utilização de todo e qualquer instrumento ou equipamento medidor de velocidade.

 

A contrario sensu, se a interpretação recair sobre a possibilidade de regulamentação tanto por resolução como por deliberação, temos que a Deliberação nº 29/01 continuou em vigência nesse período, já que não expressamente revogada.

 

O que não se pode olvidar, entretanto, é que a Res. nº 131/02, por ser posterior à sobredita deliberação e versar sobre a mesma regulamentação, inclusive sendo-lhe contrária em alguns aspectos (p.ex., ao dispensar a presença do agente ou da autoridade se utilizado medidor fixo ou estático), teria revogado tacitamente a Deliberação nº 29/01, o que levaria a se aceitar a primeira conclusão como a cabível in casu.

 

Em 16.10.02 foi publicada no D.O.U. a Res. nº 140/02, declarando a nulidade da Resolução nº 131 e da Deliberação nº 34, tornando sem efeito, conseqüentemente, suas publicações, ou seja, anulando-se algo que não já mais existia, uma vez que a Deliberação nº 34 havia revogado a Res. nº 131/02, sendo certo que a referida resolução deveria, isto sim, apenas declarara revogação da deliberação.

 

A Res. nº 141/02, igualmente publicada em 16.10.02, permitiu a utilização de aparelho, de equipamento ou de qualquer outro meio tecnológico que tenha por finalidade auxiliá-los na promoção da administração e planejamento do trânsito, na melhoria da circulação e na segurança dos usuários.

 

Permitiu-se a fiscalização de velocidade com instrumentos ou equipamentos sem dispositivo registrador de imagem apenas em caráter excepcional, mediante autorização do DENATRAN, havendo necessidade dos demais aparelhos possuírem referido dispositivo para fins de comprovação da infração.

 

A autoridade de trânsito poderia dispor sobre a localização, a instalação e a operação de aparelho, de equipamento ou de qualquer outro meio tecnológico disponível referido na Resolução, devendo ser precedida de estudos técnicos que comprovem a necessidade de fiscalização, sendo que a utilização de aparelhos fixos era condicionada, ainda, a aprovação, verificação e atendimento das exigências do INMETRO e homologação pela autoridade de trânsito.

 

Como forma de prevenir a “indústria da multa” estabeleceu-se que o comprovante de infração emitido por aparelho, por equipamento ou por qualquer outro meio tecnológico, se disponibilizado ao órgão ou entidade de trânsito em virtude de contrato celebrado com terceiros, com cláusula que estabeleça remuneração com base em percentual ou na quantidade das multas aplicadas, não poderá servir para imposição de penalidade, devendo somente ser utilizado para auxiliar a gestão do trânsito.

 

O processamento das informações geradas pelo aparelho, equipamento ou qualquer outro meio tecnológico era de competência da autoridade de trânsito ou de seu agente, que deveria realizar análise de consistência para a sua validação, reafirmando a impossibilidade da delegação da atribuição de fiscalização a empresas particulares.

 

A instalação e a operação dos equipamentos deveriam ser executadas por autoridade de trânsito ou por agente da autoridade de trânsito, sendo obrigatória a presença da autoridade de trânsito ou de seu agente no local da infração, afastando-se a possibilidade de operação dos instrumentos por empresas particulares, exceção feita aos aparelhos ou equipamentos afixados em local definido e em caráter permanente.

 

Manteve-se assim o entendimento estabelecido pela Deliberação nº 29/01, em contraponto à Res. nº 23/98, a qual dispensava por completo a presença da autoridade de trânsito ou de seu agente para a instalação e a operação dos aparelhos medidores de velocidade, permitindo-se, outrossim, que sucessivas prorrogações de prazo dessem sobrevida aos famigerados radares portáteis, vigorando até a publicação da Res. nº 146/03 em 02.09.03.

 

Eis que o CONTRAN, então, constatando a necessidade de definir o instrumento ou equipamento hábil para medição de velocidade de veículos automotores, reboques e semi-reboques, a urgência em padronizar os procedimentos referentes à fiscalização eletrônica de velocidade, os requisitos básicos para atender às especificações técnicas para medição de velocidade de veículos automotores, reboques e semi-reboques e uniformizar a utilização dos medidores de velocidade em todo o território nacional (grifo meu), editou a Res. nº 146/03, em vigor até a presente data.

 

Em virtude da falta de instrumentos e equipamentos com dispositivo registrador de imagem nos órgãos e entidades executivos e executivos rodoviários dos entes federados, somada às sucessivas e inconcebíveis prorrogações de prazo para utilização do radar portátil, tratou-se então de se permitir, sem qualquer requisito mínimo, o pleno emprego destes equipamentos.

 

O que não se compreende em nenhum momento é a motivação esposada pelo colegiado para a infinita edição de tantas resoluções na regulamentação do § 2º do art. 280 do CTBO, a pretexto de urgência (quase oito anos depois da entrada em vigor do CTB), definição, requisitos básicos e uniformização de uso.

 

Permitiu-se, novamente, a dispensa da presença da autoridade ou do agente da autoridade no local da infração, quando utilizados radares fixos ou estáticos com dispositivo registrador de imagens, instrumentos estes empregados por empresas particulares e operados por funcionários de empresas privadas, mediante a execução de licitação e celebração de contratos administrativos.

 

A regra editada pelo CONTRAN fere princípios constitucionais e a competência privativa concedida à União para legislar sobre trânsito, uma vez que a regulamentação fornecida pelo colegiado extrapola o limite de suas prerrogativas, sob o amparo do CTB, e ofende direito dos administrados, sujeitos que ficam à mercê da sanha arrecadatória de alguns órgãos e entidades de trânsito.

 

O próprio CONTRAN demonstrou o iter a ser percorrido nas atividades de fiscalização de velocidade de veículos por meio da Res. nº 149/03, ao uniformizar o procedimento administrativo da lavratura do auto de infração, da expedição da notificação da autuação e da notificação da penalidade de multa e de advertência.

 

Prescreve em seu art. 2º que, constatada a infração pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou ainda comprovada sua ocorrência por equipamento audiovisual, aparelho eletrônico ou por meio hábil regulamentado pelo CONTRAN, será lavrado o Auto de Infração de Trânsito, ou seja, a constatação poderá ser efetuada pelo agente ou comprovada pelo agente através de instrumentos medidores de velocidade, sendo lavrado respectivo auto.

 

Este deverá ser lavrado pela autoridade ou por seu agente em documento próprio, por registro em talão eletrônico isolado ou acoplado a equipamento de detecção de infração (condicionado à regulamentação pelo DENATRAN) ou  por registro em sistema eletrônico de processamento de dados quando a infração for comprovada por equipamento de detecção provido de registrador de imagem (condicionado a análise referendada por agente da autoridade de trânsito que será responsável pela autuação e fará constar o seu número de identificação no auto de infração), facultando ao órgão ou entidade de trânsito, nas duas últimas hipóteses acima delineadas, a possibilidade de escolha de impressão ou não do auto de infração para imposição da penalidade.

 

Cria-se assim a possibilidade de imposição de penalidade ao administrado sem que exista auto de infração, o que se mostra impossível por ser requisito indispensável à imposição da penalidade, sem o qual esta não se conforma às prescrições do art. 281 do CTB.

 

 

7.       Considerações finais

 

Diante das situações acima explanadas conclui-se que a fiscalização de velocidade através de instrumentos e equipamentos medidores de velocidade, atualmente empregados pelos órgãos e entidades de trânsito integrantes do SNT, não estão em conformidade com os ditames legais explicitados pelo CTB, ofendendo, portanto, o princípio da legalidade e configurando abuso de poder pelo CONTRAN.

 

O citado colegiado, desvirtuando a atribuição concedida pelo codex e a pretexto de regulamentar o § 2º do art. 280 do CTB, incidiu em inconstitucionalidade ao prever que a utilização destes instrumentos poderia ser feita sem a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, aliado ao fato de permitir que referidos instrumentos lavrem o auto de infração, seja por meio de registro em talão eletrônico isolado ou acoplado ao equipamento ou  por registro em sistema eletrônico de processamento de dados, facultando ao órgão ou entidade de trânsito, nas duas últimas hipóteses acima delineadas, a possibilidade de escolha de impressão ou não do auto de infração para imposição da penalidade.

 

A faculdade concedida ao órgão quanto a impressão ou não do auto de infração, bem como a desnecessidade de encaminhar o comprovante da infração (fotografia) junto com a notificação da autuação, configuram clara ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, restando ao administrado requerer junto ao órgão o referido comprovante para que possa defender-se adequadamente, mediante o pagamento de taxa previamente estabelecida. 

 

Agindo dessa forma o CONTRAN acabou por criar figura nova de agente público em nosso ordenamento jurídico, qual seja, os agentes públicos artificiais, instrumentos e equipamentos medidores de velocidade aos quais é concedido poder de polícia para fiscalizar, comprovar a infração e lavrar o auto de infração.

 

O CTB é claro ao indicar que a lavratura do auto de infração é competência privativa do servidor civil ou do policial militar designado pela autoridade de trânsito, jamais atribuição do instrumento ou equipamento, cuja utilização se presta unicamente a fornecer elementos necessários à comprovação da infração pelo agente da autoridade de trânsito, mediante prévia regulamentação pelo CONTRAN.

 

Torna-se necessário que a normatização existente para fiscalização de velocidade seja revista pelo CONTRAN, a fim de adequá-la aos ditames legais previstos no CTB, enquanto ficamos no aguardo de que as autoridades competentes insurjam-se contra essa ilegalidade.

 

 

8.       Bibliografia

 

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8 ed. rer. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

  PETRAGLIA, Mauricio. A ilegalidade das multas aplicadas em decorrência dos instrumentos de medição de velocidade de operação autônoma. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2660>. Acesso em: 29 jun. 2005

 

 

* Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Administrativo pela UNORP e em Segurança Pública pela PUC/RS.

 

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[1] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8 ed. rer. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 119

[2] PETRAGLIA, Mauricio. A ilegalidade das multas aplicadas em decorrência dos instrumentos de medição de velocidade de operação autônoma. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2660>. Acesso em:

29 jun. 2005.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Benevides Fernandes. Agente Público Artificial. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/agente-publico-artificial/ Acesso em: 17 abr. 2024