Direito Administrativo

Natureza jurídica do pagamento pela utilização do subsolo municipal

Natureza jurídica do pagamento pela utilização do subsolo municipal

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Vários Municípios vêm cobrando um determinado valor pela utilização de seu subsolo por particulares, concessionários ou não de serviços públicos, gerando inúmeras controvérsias no âmbito do judiciário.

    

O propósito deste artigo é o de definir a natureza jurídica desse valor cobrado, para a correta aplicação do regime jurídico pertinente.

    

Como se sabe, a receita pública subdivide-se em duas espécies: receita originária e receita derivada. A primeira abarca aquela proveniente da exploração do patrimônio público mobiliário ou imobiliário, aquela oriunda da exploração de atividades industrial, comercial e de serviços, além da receita proveniente de operações financeiras. De outra parte, a receita derivada subdivide-se em tributos e multas, ambos compulsórios e, como tais, dependentes de expressa previsão legal.

     

Os bens públicos, por sua vez, classificam-se em bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais ou dominiais (art. 66 do Código Civil). As duas primeiras categorias de bens públicos estão afetas ao serviço público, sendo inalienáveis. A última categoria de bens públicos integra o chamado patrimônio privado do Poder Público, que é passível de alienação mediante autorização legislativa e observância do processo licitatório. Destinam-se esses bens dominicais, fundamentalmente, à produção de rendas. Mas, não só os bens dominicais produzem rendas. Os de uso especial, assim como os de uso comum do povo, como as praças, ruas, mares, rios, estradas etc, também, podem produzir rendas. Isso porque todos os bens públicos municipais em geral estão sob a administração do Prefeito, no sentido estrito, isto é, no sentido de exercitar a faculdade de utilização desses bens e o dever de conservá-los, independentemente de autorização legislativa, só imprescindível nas hipóteses de alienação. Todo bem público, em princípio, é passível de fruição individual, com exclusividade, no todo ou em parte, conforme as cláusulas e condições pactuadas.

    

No dizer de Hely Lopes Meirelles o que tipifica o uso especial é a privatividade da utilização de um bem público, ou de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastando a fruição geral e indiscriminada de coletividade ou do próprio Poder Público.

    

Na forma do art. 43, I do Código Civil, o subsolo de uma via pública municipal pertence ao Município, que é o proprietário do solo por desapropriação (art. 5º, letra “i” do DL nº 3.365/41), ou por registro do loteamente (art. 22 da Lei nº 6.766/79), ou, ainda, por doação de particulares.

    

Aliás, o artigo 526 do Código Civil dispõe peremptoriamente que a propriedade do solo abrange a que lhe está superior e inferior em toda a altura e em toda a profundidade.

    

É verdade que a Constituição Federal de 1946 promoveu o confisco parcial da propriedade privada ao dispor, em seu artigo 152, que a propriedade das riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água constituem propriedade distinta da do solo. O artigo 176 da Constituição Federal vigente confere, expressamente, a propriedade desses bens à União para s efeitos de exploração ou aproveitamento.

    

Se somente as riquezas do subsolo pertencem à União parece óbvio que o subsolo, sem riqueza natural, integra em sua plenitude a propriedade do solo. Logo, o subsolo de uma via pública municipal é de propriedade exclusiva do Município. Nem sempre o subsolo municipal está vinculado ao bem de uso comum do povo ou de uso especial da administração, a não ser nas hipóteses de túneis. Dessa forma, é perfeitamente possível à administração municipal conferir ao subsolo de via pública o uso especial a particulares, concessionários ou não de serviços públicos, por uma das três formas administrativas: autorização de uso, permissão de uso e concessão de uso. Nas três modalidades, o uso do bem público pode ser remunerado ou gratuito, sendo que na hipótese de concessão há necessidade de certame licitatório. Essas formas de outorga de uso especial de bem público substitui com vantagem os institutos típicos de direito privado como a locação e o comodato, incompatíveis com o princípio de supremacia do interesse público.

    

Nenhuma óbice jurídico-constitucional para que o Município permita ao particular a utilização de seu subsolo mediante remuneração, a qual, passa integrar a receita pública na categoria econômica de receita corrente, classificando-se como receita patrimonial, nos termos do § 4º do art. 11 da Lei nº 4.320/64. Essa receita, identifica-se, portanto, com o preço público, que a doutrina considera como receita originária auferida, fundamentalmente, pelo regime de direito privado, onde impera a autonomia da vontade. Somente em hipótese utilização compulsória do subsolo, em virtude de lei, é que essa exação passaria a assumir feição tributária.

    

E não há que se distinguir entre os particulares, concessionários de serviços públicos federais ou estaduais e os não concessionários, pois o regime de cobrança é o de direito privado, baseado no princípio da autonomia da vontade, da livre contratação.

    

Ainda que taxa fosse, e não o é, as próprias entidades políticas só estariam imunes de impostos (art. 150, VI da CF). Em outras palavras, salvo expressa previsão da lei local, União e Estados são contribuintes de taxas municipais. Com muito maior razão são contribuintes os seus concessionários. Concessionários de serviços públicos federais e estaduais não estão livres do pagamento do preço público pela utilização do subsolo municipal. Apenas uma observação. Na hipótese de o Município opor-se à utilização de seu subsolo mediante paga poderá o concessionário de serviço público federal ou estadual valer-se de ação expropriatória para instituir a servidão, arcando com a indenização respectiva, tudo na forma do artigo 3º combinado com o artigo 40 do DL 3365/41. Todavia, isso só será possível se a respectiva lei criadora da estatal, a quem foi outorgada a concessão, permitir, por delegação, a desapropriação de bens necessários à implementação do serviço público concedido. Por derradeiro, sem prejuízo de cobrança do preço público pela utilização do subsolo, poderá o Município, em o querendo, instituir legalmente a taxa de polícia para fiscalizar a execução de obras ou serviços em seu subsolo, a fim de prevenir danos a outros equipamentos aí existentes e que interferem na administração municipal, bem como para identificar os eventuais causadores de danos na superfície.

    

Em virtude de ausência de estrutura material e pessoal da Prefeitura, a deficiente fiscalização por ela exercida não tem sido suficiente para coibir abusos, consistentes em aberturas indiscriminadas de buracos em vias públicas, sem o devido tratamento no final das obras do subsolo. Esse fato tem provocado, inclusive, acidentes de veículos.

    

Por deficiência na fiscalização, o Município pode vir a ser responsabilizado judicialmente por eventuais danos causados a terceiros. A instituição e cobrança de taxas de fiscalização supriria os recursos financeiros necessários ao adequado controle do uso de subsolos municipais.

 

SP, 21.06.01.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Natureza jurídica do pagamento pela utilização do subsolo municipal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/natureza-juridica-do-pagamento-pela-utilizacao-do-subsolo-municipal/ Acesso em: 26 abr. 2024