Conhecimento

Os Shopping Centers na Lei nº. 8245/91

                 A Lei nº. 8245/41 refere-se aos “shopping centers”, dispondo no artigo 54 que “nas relações entre os lojistas e os empreendedores do shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei”. São previstas proibições ao empreendedor, é exigido que as despesas sejam previstas em orçamento, antes de cobradas do locatário; este tem assegurado o direito de exigir a comprovação das despesas rateadas.

                 Duas constatações pelo menos, saltam da leitura do dispositivo legal: primeiro, surge a referência ao “shopping center”, sem que se encontre qualquer definição legal do que seja um “shopping center”; segundo, define como de locação o contrato celebrado com os lojistas, deixando de tratar mais detalhadamente da questão, mesmo que em seguida estabeleça algumas regras, de caráter secundário, a serem seguidas e mais, permita ”condições livremente pactuadas”.

I

                 A rigor, qual seria a diferença entre um edifício comercial e um “shopping center”?

                 Se o legislador perdeu a oportunidade de disciplinar a questão, sobre ela já se debruçaram jurisconsultos e doutrinadores, até porque nos últimos anos, popularizou-se o termo “shopping center”, fazendo-o abranger desde os “shopping centers” propriamente ditos, até modestas concentrações com algumas unidades comerciais.

                 Há quem insira na definição de “shopping center”, a menção a estacionamento, à estética diferenciada do prédio, ao arrojo arquitetônico, à presença de grandes e famosas lojas (âncoras) e assim por diante. Nenhuma das definições assim encaminhadas, no entanto, abrange a generalidade dos “shopping center”, nem tampouco expressa efetivamente o que é um “shopping center”.

                 Exemplificativamente, nada impede considerar-se “shopping center” um conjunto arquitetônico feio, nada o obriga a contar com vagas para estacionamento; nenhuma razão vincula sua existência à presença de uma loja “âncora” ou de instalações para lazer.

                 A pesquisa do conceito exato poderia talvez ser solucionada pela análise do termo “shopping center” (1):

“Shopping” é forma gerúndia de “To Shop”, verbo com significado mais amplo e sutil que “to buy”, embora ambos refiram-se à realização de aquisições, a “comprar”, “Center” significa “Centro”.

                 Então, teríamos uma expressão inglesa definindo um centro onde mais do que se “fazer compras” (to buy), se “fica fazendo compras” (Shopping).

                 Assim entendida, fica a denominação fazendo às vezes, parece, da definição. Só parece: embora, exatamente por ser a expressão mais abrangente e consagrada mundialmente, seja o termo “Shopping Center” o que denomina, distingue tais centros, há de se convir que pudesse igualmente denominar uma prosaica feira, onde se compra, se cruza com um ou outro conhecido, se saboreia pastéis só encontráveis em feiras livres, se estaciona o carro razoavelmente próximo e assim por diante.

                 Poder-se-ia prosseguir com tentativas de definições calçadas em tudo quanto “se vê” num “Shopping Center”: presença de lojas “famosas”? Existem “Shopping Centers” sem elas; local da moda? Não! Composto de lojas idênticas em tamanho e aparência? Lógico que não!

                 Estudiosos da arquitetura procuram também a definição. Tânia M.O. de Souza e Zied V. Sabbagh (2) apontam a criação de condições ideais de consumo ou usufruto do local. Assim,

“A atmosfera interior de shopping centers processa psicologicamente uma “infantilização” de seu usuário, criando condições ideais, como no útero materno, para o pleno usufruir do local. É uma comparação interessante, porque a atmosfera de um shopping center procura, de fato, amortecer os choques externos. Nesse ambiente fechado as pessoas se esquecem das intempéries, se está quente, ou se há chuva lá fora. O caos visual do centro de uma metrópole é transformado em projeto perfeito de comunicação visual e organização espacial. Lá as pessoas são induzidas pela informação a circular, o ambiente direciona e propicia o movimento. O barulho infernal do transito é trocado por uma musica neutra de fundo que suaviza o espaço. A iluminação seduz e é um fator de segurança. A própria espacialidade, as ruas internas, as praças, as fontes, nos remetem ao conhecido, ao fechado ou, como diz Guattari, ao útero materno”.

                 Nenhuma dessas conceituações parece servir para fins de análise jurídica, pois não tocam o primordial num empreendimento dessa natureza, preferem os aspectos “físicos” (obra, presença desta ou daquela loja, existência de um ou outro item de lazer), aos verdadeiros elementos identificadores dos “Shopping Centers”.

                 Realmente, o que distingue um “Shopping Center” é, acredita-se, a reunião de comercio e serviços, planejados de modo a estimulá-los em nível superior àquele em que estariam, se apartados do empreendimento, sendo permitida e desejada a perene reorganização dessa reunião, de maneira a procurar-se atingir continuamente, novos estágios de estímulo ao rendimento comercial, concretizados num mesmo local.

                 Significa que é “Shopping Center”, aquele que for organizado segundo técnicas mercadológicas que analisem desde a quantidade e disposição física das lojas e serviços, até a composição dessa reunião (quem, como e onde, quanto a cada comerciante ou prestador de serviços). Esta é a primeira parte do conceito.

                 A segunda parte, que igualmente concretiza-se como condição necessária, suficiente se acompanhada da primeira, é a referente à formatação jurídica, que permita (pois tudo deve estar expressamente contratado, e nada obviamente poderá escapar aos limites e exigências – mesmo que porventura arcaicas – da Lei), que admita o funcionamento perfeito da reunião peculiar de lojistas e prestadores de serviços, sob uma coordenação atenta e capaz.

                 Em resumo, é “Shopping Center” menos um acoplamento físico de comerciantes e mais, isto sim, uma reunião metódica e sofisticadamente organizada de capitais, ânimos e intenções de progresso econômico. Dessa reunião diferenciada e organizada com técnicas sempre inovadoras, regida e mantida com contratos atípicos e inseridos numa estrutura jurídica especialíssima, é que resultaram os “Shopping Centers”.

II

                 Firmado razoavelmente o conceito de “Shopping Center”, pode ser enfrentada a questão dizente ao relacionamento jurídico dos lojistas com os proprietários. Os debates sobre a natureza desta relação jurídica sempre foram intensos, alinhando-se em defesa de cada uma das teorias, verdadeiras constelações de juristas.

                 Existiria um contrato de locação, um contrato de locação atípico ou um “contrato atípico”? A robustez doutrinária de cada uma das linhas de pensamento e a complexidade do tema motivaram o espanto de muitos, quando se defrontaram com a previsão repentinamente imposta no artigo 54 da lei do inquilinato.

                 Entendem existir um contrato de locação, os professores Washington de Barros Monteiro (que enfatiza: “esse contrato é desenganadamente, o de locação, embora com algumas peculiaridades que, todavia, não chegam a descaracterizá-lo”.) (3) e Caio Mario da Silva Pereira (para quem, “… se trata de um vero e próprio contrato de locação”) (4).

                 Por outro lado, o Prof. Ives Gandra da Silva Martins (5) entende existir nos contratos, “… sempre uma dupla natureza, que os faz, de um lado, idênticos ao de uma singela locação do espaço físico em contrato de locação comercial, mas que os torna, de outro lado, um contrato atípico, sem nenhuma vinculação com a lei de luvas…” (sic)

                 A terceira posição foi inaugurada, até onde se pode pesquisar, por Orlando Gomes (6), para quem o contrato firmado entre os lojistas e os “Shopping Centers” é um contrato atípico e não de locação. O respeitado civilista resumiu os aspectos basilares desse contrato, e é importante te-los em mente:

“Traços da autonomia desse contrato relativamente ao de locação podem, afinal, ser sumariados, projetados de ângulos diversos, todos próprios ou discrepantes, tais como os seguintes 1) a forma de remuneração do uso e gozo das unidades destinadas à exploração comercial; 2) o reajustamento trimestral do “soi disant” aluguel mínimo; 3) a fiscalização da contabilidade das lojas pelos concedestes do seu uso para o fim de verificar a exatidão do chamado “aluguel percentual”, bem como a sua incidência para a cobrança da diferença no caso de seu valor ser superior ao do aluguel mínimo; 4) a fixação uniforme e antecipada do critério a ser observado para determinar a majoração do “aluguel” mínimo no tempo da renovação do contrato; 5) a incompatibilidade entre o critério de arbitramento do aluguel nas verdadeiras locações para fins comerciais, aplicado nas renovatórias, e o denominado “aluguel” percentual; 6) o cunho mercantil desse “aluguel” como suporte da lucratividade do empreendimento; 7) a desvinculação entre a atividade comercial e o uso efetivo da loja para o efeito de remuneração deste, exigível antes de ser iniciada aquela; 8) a vigência de proibição e práticas ligadas ao uso da loja, derivadas da circunstancia de se integrarem num sistema; 9) a proibição de cessão da posição contratual, nula ou impugnável na locação, mas admitida no contrato com o “Shopping Center”, por entender com a sua organização e funcionamento; 10) a ingerência de terceiro no exercício do direito do titular do uso da loja, como sucede com o intrometimento da associação a que é obrigado a se filiar, criando-se um vinculo tão apertado que a sua exclusão é admitida como a causa de rescisão do contrato; 11) a cooperação do concedente (o “Shopping Center”) nas promoções para ativação das vendas e sua participação em campanha publicitárias; 12) a convergência de interesses no contrato; 13) a imutabilidade orgânica do gênero de atividade do lojista – e tantos outros, significativos da diferença entre o contrato estudado e a locação”.

                 Essa posição mereceu forte aceitação jurisprudencial, como exemplificam os acórdãos proferidos nos apelos nº. 5/36, julgado em 1989 pelo TACRJ e nº. 3744 julgado em 1990 TJMA, ambos encontráveis neste livro.

                 Esta rápida lembrança dos acalorados debates focados na natureza do contrato justifica a leitura cautelosa do disposto na Lei nº. 8245/91. De fato, o legislador rotulou a avença como “contrato de locação”, mas opiniões seriíssimas divergem dessa conceituação e como visto, esses pareceres tiveram força suficiente para embasar uma corrente jurisprudencial de peso.

III

                 Feitas essas ressalvas, e com a certeza de que esses fundamentados debates ainda modificarão o entendimento legal, anota-se que momentaneamente afastada a formulação teórica que necessariamente deveria anteceder os dispositivos (em outras palavras, defrontam-se os estudiosos, após a edição da lei inquilinária, com a curiosa situação de tratar das conseqüências, sem ver aperfeiçoados os estudos das causas) tem-se que o relacionamento entre lojistas e “Shopping Centers” findou por merecer uma série de proteções características das locações comerciais.

                 É possível a renovação judicial do contrato de locação, sendo proibido ao proprietário recusá-la argumentando intenção de utilizar, ele próprio, o imóvel. É o que prevê o § 2º do artigo 52 da lei 8245/91, vedando, portanto ao proprietário do shopping, um direito concedido e qualquer outro locador comercial.

                 A lei do inquilinato consagrou o direito de livre disposição contratual, sem embargo de poderem vir a ser reputadas nulas aquelas cláusulas que se mostrarem ilegais ou injustas em sua formação ou execução. Assim, nada impede que o princípio da autonomia da vontade, declarado no “caput” do artigo 54, tenha por parâmetro limitador a exata apreciação das condições efetivas do contrato . Ainda hoje, por exemplo, não há como negar que o contrato é de adesão e que o lojista encontra-se sempre numa posição inferior à do shopping, não tendo sido derrubados ainda alguns tabus como o da imprescindibilidade do aluguel porcentual (facilmente substituível mediante singelas equações financeiras, e inexistentes em muitos “Shopping Centers” no exterior) ou mesmo esclarecidas as responsabilidades quanto aos fundos de promoção (se o que justifica o alto aluguel é o oferecimento de características especiais de concentração e organização das lojas, mas se quem paga por isso é o lojista, não estaria ele pagando duas vezes?)

                 Em proteção ao locatário, a lei proibiu ao locador cobrar o custo das obras de reformas ou de acréscimos relativos à “estrutura integral do imóvel” (sic, art. 22, § único “a”); as pinturas das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação e das esquadrias externas (art. 22 § único “b”); as indenizações trabalhistas e previdenciárias relativas à dispensa de empregados, efetivadas antes do inicio da locação (art. 22 § único, “d”).

                 Se a idéia era “proteger” os locatários, faltou muito. Por exemplo, poderia a lei esclarecer que não se lhes cobraria as indenizações trabalhistas referentes a período anterior a locação, mesmo que a dispensa ocorresse após a contratação. Poderia igualmente, vedar o repasse aos locatários, do custo administrativo do shopping (afinal, não é o empreendedor remunerado com gordos alugueres exatamente por prestar esses serviços?), cobrando-lhes apenas os de manutenção e zeladoria. A propósito, exemplifique-se com um contra senso: o locatário está livre de pagar a pintura das esquadrias externas, mas pagará a substituição total delas (pois não há como qualificar tal obra como interessante à “estrutura integral do prédio”).

                 O artigo 54 prevê ainda que (§ 1º alínea “b”) o empreendedor não poderá cobrar do locatário “as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum”.

                 Finalmente, foi estipulado no § 2º do citado artigo 54 que “as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstrada, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas”.

                 Encerram-se neste ponto as previsões legais a respeito do relacionamento entre lojistas e “Shopping Centers”. Parece rigoroso concluir que a normatização do contrato em “Shopping Centers”, do modo como foi feita, frustrou, nota-se em análise primeira, todos os interessados: aos empreendedores de “Shopping Centers”, certamente interessaria mais caracterizar o pacto como atípico, livre das amarras legais  características dos contratos de locação, sempre abalados por periódicas e historicamente novas leis emergenciais; aos lojistas, melhor seria completar o elenco de proteções legais, talvez simplesmente lhes assegurando os direitos dos locatários comerciais.

IV

                 Exatamente pela brevidade das disposições legais a respeito, obriga-se o analista dos aspectos jurídicos dos “shopping centers” a buscar outras fontes, e a primordial, é a jurisprudência.

                 Merecem atenção, por outro lado, os aspectos genéricos, decorrentes da lei de locações, também obviamente presentes nos contratos de locação (e, mais relevante, em sua operação) pactuados quanto a shopping centers.

                 As cláusulas reputadas nulas pela jurisprudência costumam ensejar longuíssimas e torturantes discussões. No estreito limite deste estudo, lembra-se pesquisa (7), na qual se apurou que foram declaradas nulas, pelos tribunais, cláusulas que: a) deixavam a renovação da locação comercial sob exclusivo arbítrio do Locador; b) exigiam multa por não desocupação de escritório de estabelecimento de ensino, retirando a proteção a este outorgada; c) vedavam a purgação da mora; d) estipulavam o vencimento antecipado da dívida de aluguéis; e) equiparavam alteração social da locatária a cessão ou sublocação; f) declaravam renunciado o direito do inquilino à preferência na aquisição do imóvel; g) impediam a cessão em locação comercial; h) previam a perda da caução pelo inquilino; i) estipulavam o aluguel em moeda estrangeira.

                

                 Em cada caso concreto, relembre-se, é submetida ao Poder Judiciário a validade da cláusula contratual; sua nulidade não atinge todo o pacto que é, por este procedimento, reposto em condições legais, extirpado das disposições repelidas pelo Direito.

V

                 Regida pela Lei n. 8245/91, qualquer locação em “shopping center“ exige atenção, aos seus aspectos ordinários: a renovação compulsória judicial somente se verifica nas condições previstas no Art. 51; a cobrança de luvas admite-se apenas na primeira locação, e assim por diante.

                 A fixação judicial do aluguel tem relevo especial nas locações em “shoppings”, dada sua sucessiva renovação (na maioria dos casos), seja em ação renovatória de locação, seja em revisional de aluguel. Neste tópico, cumpre anotar ao menos dois pontos cruciais: aluguel provisório, no curso de ação judicial, só se fixa diante de “elementos hábeis” (Art.72 parágrafo 4 da Lei de Locações) ; perícia não é o único elemento informativo da sentença que fixará o novo locativo.

                 Se realmente têm boa força probante quanto à fixação provisória, não têm os laudos, inobstante seu rigor técnico, o condão de retratarem fiel e exatamente o mercado. Talvez tal se verifique até pela ausência, nas equações utilizadas, de variáveis que efetivamente representem as mutações do mercado. Insofismável que os elementos considerados nos laudos periciais são via de regra, falseados já na origem: consideram-se preços pedidos ( por corretores ou em anúncios), mas ignoram-se preços de fechamento; escrituras, não é de hoje, celebram-se com valores fictícios; aí, de pronto, duas jamais superadas dificuldades com que defrontam-se os peritos.

                 Daí a necessidade (ainda não por todos, infelizmente, enxergada) de ser formada a convicção judicial com outros elementos probantes, não apenas com a conclusão do parecerista técnico. A lei o permite (Art. 436 do código processual civil) e o bom senso o exige: a sentença não é singela homologação de trabalhos periciais (a pensar-se contrariamente, mais econômico seria invocar apenas o trabalho do perito, prescindível o do juiz) e sim, há de consistir resultado de consistente elaboração lógica, na qual se confrontem todas as provas, com as máximas da experiência e dos fatos notórios (independentes de prova). O juiz, portanto, para alçar-se à condição de melhor intérprete dos fatos e com o escopo de dar término a litígios, não  se baliza unicamente pela prova pericial.

                 Nas questões de fixação judicial de aluguel em “shopping centers” merecem realce os dados informativos quanto ao exato estado do “shopping”. Explica-se: em muitos casos,o prédio é novo e está bem situado, o que levaria o valor locativo para o alto. Mas, é empreendimento pessimamente administrado, as despesas condominiais são altas, a verba de propaganda é gasta sem critério, evidências que retiram as vantagens do empreendimento, findando por transformar um “shopping” numa rejeitada galeria comercial. Na hipótese (que dificilmente aparecerá nos laudos periciais usualmente apresentados, adstritos que ficam aos valores pedidos por metro quadrado) é evidente que o juiz deverá atentar a informações outras que não aquelas descritas por equações frias no laudo pericial.  

VI

                 Como os operadores do direito enxergam esses empreendimentos? Nem sempre com absoluta liberdade conceitual, observa-se na jurisprudência.

                  Um tópico que ensejou – e ainda enseja- candente controvérsia é o do aluguel percentual. É curioso observar que em tempos de comércio aquecido, costumam pugnar os lojistas pela nulidade da fixação percentual, exigindo apenas a cobrança do aluguel mínimo; em tempos de vacas magras, o movimento é inverso, pois o aluguel “mínimo” assume proporções absurdas em face dos minguados faturamentos. No sentido inverso, é lógico, estão sempre os proprietários.

                 Por sua vez, os julgadores divergem, diametralmente: encontram-se acórdãos reputando justa a fixação percentual, ao lado de outros que a qualificam como nada menos que emblemática do capitalismo “selvagem”.

                

                 No entretempo, sabem os auditores contábeis que em cada ramo, o dispêndio com aluguel há de obedecer a certos limites sendo imprescindível, sob o prisma jurídico e empresarial, compará-los aos percentuais estipulados por “shoppings”. De qualquer modo, a análise é, a par de necessária, urgente: a desproporção dos dispêndios leva, evidentemente, qualquer comércio à insolvência. Os acórdãos fixam-se, majoritariamente, na visão contratualista, afastando-se das implicações econômicas.

                 Outra questão recorrente refere-se à responsabilidade por eventos nas garagens, tratada em diversos acórdãos e consistindo tema que ainda não se pacificou na jurisprudência.

                 Mais um tema que ainda motiva demandas é o da fiscalização do faturamento, pelo “shopping”: é válida a cláusula que prevê esse procedimento? Inobstante a insurgência de muitos, os tribunais brasileiros costumam acolher a disposição contratual, permitindo a verificação de livros e a permanência de fiscal no estabelecimento comercial. Trata-se de entendimento coerente com a aceitação do aluguel percentual: como entender este, em sua plenitude, sem outorgar meio para apurar-se o acerto do cálculo?

                   Os tribunais também já decidiram acerca dos horários especiais de funcionamento, quando fixados por legislação municipal ou nas hipóteses em que se diferenciam os horários de somente algumas das lojas do “shopping”.

                 Estes, dada a quantidade de ações judiciais que ensejam, os temas que sofrem maior divergência interpretativa em “shopping centers”.

VII

                 O texto da lei ainda permite (como visto) muito debate. Mas talvez a solução não se encontre na edição de nova legislação: por sua própria natureza, os “shopping centers” são empreendimentos quase diariamente modificados, não apenas em sua estrutura física, mas também nos conceitos econômico-financeiros que os regem e, por via reflexa, em sua estrutura jurídica. Esta evidência parece aconselhar deva permanecer intocada a lei, mas deva ser observada com maior atenção, pelos intérpretes ,a exata realidade, o verdadeiro manejo operacional desses empreendimentos, para daí sim, aplicar-se a solução mais justa a cada litígio.  

Bibliografia referida

(1) Alexandre Agra Belamonte – Natureza Jurídica dos Shopping Centers – RJ: Ed. Lumen Juris, 1989, p. 6.

(2) Tania M.O. Souza e Zied U. Sabbagh – “Shopping Centers”, Campinas, FAV/PUCCAMP, 1985, p. 57 “in” “Shopping Centers” Wilson Ribeiro dos Santos         Jr. Ed.Unesp, 1992, pág. 64.

(3) Washington de Barros Monteiro – “Shopping Centers” “in” “Shopping Centers, Aspectos Jurídicos”, SP: Revista dos Tribunais, 1984, p. 166;

(4) Caio Mario da Silva Pereira – “Shopping Centers” – Organização Econômica e Disciplina Jurídica “in” “Shopping Centers”, Aspectos Juridicos, SP: Ed. Revista dos Tribunais, 1984, p. 77 e segs.

(5) Ives Gandra da Silva Martins – “A natureza jurídica das locações comerciais dos “Shopping Centers”, não publicado, citado em  “Shopping Centers” – questões jurídicas, SP, Ed. Saraiva, p. 43; 1991.

(6) Orlando Gomes – Traços do perfil jurídico de um “Shopping Centers”, “in” SP: Revista dos Tribunais, nº. 576/9;

(7) Jaques Bushatsky – “Nulidade de Cláusula em Contrato de Locação”  “in” SP: Revista dos Tribunais, fev/1997, vol. 736.

 

Como citar e referenciar este artigo:
BUSHATSKI, Jaques. Os Shopping Centers na Lei nº. 8245/91. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/conhecimento-artigos/os-shopping-centers-na-lei-no-824591/ Acesso em: 29 mar. 2024